Passei a semana tentando escrever um post sobre o raio da minha opinião sobre o referendo, mas não consegui tempo para o blog. Não, o post abaixo não foi sobre o meu possível “sim”, “não” ou “talvez”. O post abaixo foi sobre abuso de poder, manipulação e blá, blá, blá…
São cinco horas da manhã, estou completamente acordada e eu só queria ser o tipo de pessoa que acorda sem olheiras as oito da manhã. Tenho trabalhado mais do que o meu normal. Eu sei, eu sei… meu normal sempre foi anormal. Fuga, fuga, fuga. Ando cansada e, ao mesmo tempo, com uma coragem que não permite mais que eu corra sem sair do lugar. Estou feliz e estou confusa. Descobri que eu tentei me matar na última década. Mesmo não suportando a idéia da morte, eu estava tentando acabar com a minha vida. Descobri que eu nasci com uma força que nunca coube em mim. Hoje quero que ela caiba, quero merecê-la.
Não consigo parar de chorar. Acabei de ver a história de amor mais bonita que alguém já imaginou. Por que diabos, pra mim, a paixão é a única coisa que faz sentido nessa vida? As pessoas tentam se matar o tempo todo… eu, você, todos nós. A gente tenta se matar quando se anula, quando deixa de ser quem a gente é, quando constrói um cercadinho e não deixa ninguém entrar porque acha que vai doer. Que doa… mas que não doa antes de acelerar meu pulso, corar minhas bochechas, mexer na minha fé, revirar meus pensamentos e dizer que gosta de mim por algum motivo que repare o meu espelho. Que doa. A gente só reclama mesmo. Odeio reclamações. Elas me lembram inflamações. Inflamação, inflamar, inflamada… Inflamar parece uma palavra bonita, mas é disso que a gente morre. Foi o Perricone que disse isso, eu não sei de nada. Vou só comer o Mirtilo que ele mandou porque eu quero sarar, quero meu espelho reparado, quero parar de reclamar e de inflamar.
Achei que eu nunca mais fosse me embriagar de nada nessa vida. Que engraçado, que ilusão achar que gente louca pode reagir de forma positiva a um tratamento de choque. A gente é o que é e eu não me conformo de ter deixado isso acontecer. Que idéia de merda ter passado tantos anos tentando ser uma pessoa mais equilibrada, mais bacaninha, mais sensata, mais, mais, mas… um “mas” bem grande pra tudo que eu achava que era melhor pra mim. Minha natureza é o que há de melhor em mim, nossa natureza é o que há de melhor em todos nós.
Eu gosto da imaginação da gente… Deus nos deu um Olodeck. Como é que se escreve isso mesmo? Foda-se. Não vou corrigir nada. Eu nunca faço isso, vou fazer agora por que? Como a gente se perde nessa porra de vida. Como a gente se perde pensando na bosta da carreira, da grana, do referendo… hahahahhaha. Tão bom poder escrever nossa risada. Eu ria muito, hoje eu me desespero. Você leu o comentário da Zel? Eu conheci a Xel em um… Xel… hehehe. Eu conheci a Zel em um sushi, mas ela teve que ir embora logo e a gente nem conversou direito. E ela é incrível e eu só percebi depois desse comentário. Ela é de uma franqueza tão absurdamente incrível que isso a torna especial e engraçada. Eu devia ter percebido… aquele casaco de pele, naquele dia, era, no mínimo, um sinal interessante. OK, eu não devia escrever agora. Hora ruim… não bom. Tô ferrada… vou acabar postando essa merda só pra morrer de vergonha e acumular mais uma desculpa pra dar fim nesse treco um dia.
A mãe de uma garotinha me mandou um e-mail lindo que até hoje eu não respondi porque nunca soube como retribuir amor, carinho. Se eu escrever pra ela dizendo que eu a amo por ter salvado meu coração em um dia de tristeza será que ela acredita? Tanta gente que passou por aqui já fez isso por mim, tanta gente vive fazendo… Eu sou uma vaca a maior parte do meu tempo. Que bicha ruim eu virei. Santo deus tô falando igualzinho as minhas tias.
Briguei com meu irmão porque ele não sabe receber presentes. Tô falando do mais velho. O mais novo sabe, o mais velho não. O mais velho entre os meninos porque eu sou a mais velha de todos eles. Mas não é só porque eu nasci primeiro. É porque eu nasci velha e, gente que nasce velha, é muito boa nesse negócio de dar bronca, aplicar sermão, ser chata pra caralho. É por isso que, às vezes, eu faço tipo e alimento a idéia que eles têm de que eu sou uma puta irmã do caralho de legal. Eu sou uma vaca por isso também… Só dou sermão para que eles não vejam o quanto eu preciso de um. Aliás, o Navegantes me deu um bom esses dias aqui nos comentários. Muito bonitinho… Teve também uma garota que disse que eu sou como os gatos. Que só gosto de quem não gosta de mim… Bonitinha ela também. Pior é que eu acho que ela tem razão e eu não gosto nada nada de ser assim. Também não gosto da idéia de ter animais de estimação… Antes eu achava que gostava de cachorros e não gostava de gatos. Mas eu não tenho nada contra os gatos, eles são interessantes. Na verdade eu não gosto muito é de pessoas muito carentes porque, pessoas muito carentes, se enchem de animais de estimação e tratam os pobres como se fossem barbies. Ah! Isso não tem lógica. Esquece. Eu não tenho bichos e sou carente assim mesmo, embora nunca vá admitir isso ou deixar transparecer minhas fragilidades e necessidade de afeto. Mas o meu irmão não sabe mesmo ganhar presente. Isso é fato. A gente dá alguma coisa pro cara e ele fica puto porque diz não precisar de nada. Ele se orgulha de achar que tem tudo o que precisa, de ter conquistado tudo o que tem. O problema é que ele ainda não aprendeu a cuidar do amor que ele conquista… Porque a gente só dá presente quando tenta exteriorizar o que sente no coração e ele ignora tudo o que vem do coração só pra dar uma de durão e não deixar transparecer o quanto ele carece dessas coisas. Vixe, repeti até as palavras… Tô falando dele ou de mim? Ou de nós dois? Ele é ridículo. Assim como muitos de nós não sabemos receber presentes e somos ridículos. Presente, presente, presente…
A gente vive reclamando do presente e sonhando com o futuro ou com o passado. Deve ser como dar um duro danado pra comprar um carro e, depois de adquiri-lo, pensar só no próximo. Ou como faço eu, que acho que nenhum presente vai conseguir superar os presentes que já foram dados. Tem gente que gosta mais das conquistas e quando o presente é um presente, não tem conquista. Deve ser por isso que ele fica assim quando ganha algo. Briguei com ele e eu sou pior do que ele, não igual. Também não sei cuidar do amor que recebo. Não sei cuidar de nada. Nem de bicho, nem de planta, nem de gente. Eu sou uma egoista que só pensa em se auto afirmar e é por isso que, gente como eu e meu irmão, só vai viver feliz para sempre com alguém, enquanto houver jogo de sedução. Porque o amor não nos interessa, nunca interessou.
A história de amor na televisão era linda… Ele deu o coração dele pra ela. Ele vai viver dentro dela. Não, não… foi um caso de doação de órgãos mesmo. Doar um órgão é uma história de amor. Uma história de amor que engana a morte. A única história de amor que tenta ser pra sempre de verdade. E eu vou dormir. Dormir, acordar e afundar esse post no meu mar de rascunhos inúteis, no meu cesto de vexames. Tem gente falando na rua… Tá clareando. Claríssimo. Passarinho. E nem é o passarinho boemio que começa a cantar sozinho as três da manhã. Seis da manhã… Caralho… Tá tudo girando e foi só um copo de vinho… Dois?



Escrito pela Alê Félix
9, outubro, 2005
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Algumas das lições que meus professores da época da escola tentaram fixar na minha mente foram:

1) vote
2) informe-se
3) questione

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Mesmo quando a aula era de matemática, era essa a mensagem que recebíamos no final. Acho que isso aconteceu porque eu estudei, a maior parte dos anos, em uma escola estadual onde os professores eram extremamente politizados. Sendo assim, não tinha como ser diferente. Eles sabiam que, devido às limitações estruturais do ensino, o máximo que podiam fazer pelos alunos era ensiná-los a pensar. O resto dependeria de cada um.
Durante muitos anos eu segui as lições que me foram passadas. Até que um dia aconteceu da lição número três anular as duas primeiras. Isso aconteceu nas eleições de 2002 quando eu decidi não votar, não justificar e dar uma banana para o sistema eleitoral e político deste país. Na época eu já tinha um blog e lembro de ter feito vários posts falando sobre a farsa da obrigatoriedade do voto. Lembro de ter ligado até para o TSE e nem eles sabiam me dizer o que realmente acontecia com as pessoas que ignorassem as eleições. Desde então estou irregular com essa minha obrigação de cidadã e, garanto a vocês, que nenhum bicho papão me comeu. Com o benefício de que me sinto aliviada de saber que não contribuí com o plano de assalto à sociedade dos mocinhos e velhinhos que escolheram a política para se beneficiar do grande esquema da democracia, da grande ingenuidade do povo. Simplesmente não acredito mais na ladainha de que é votando que mudaremos alguma coisa neste mundo. Hoje em dia só acredito que poderá haver mudanças quando a lição número três anular a lição número um – e não somente na minha cabeça, mas na sua também.
A lição número dois foi mais difícil de ser anulada. Primeiro porque a informação mora na nossa casa, bem na frente do móvel que deveria servir para breves momentos de reflexão: o sofá. A gente chega em casa exausto, abre a porta pra ter o mínimo de paz, senta no sofá e, antes que seja possível organizar um tiquinho de idéias, ligamos a televisão, o rádio ou pegamos uma revista que nos bombardeia de informações. E isso não é ruim. Quer dizer, não deveria ser. Não deveria, se realmente os profissionais de comunicação se prestassem a cumprir os juramentos que eles, certamente, fizeram quando se formaram em jornalismo. Não deveria ser se eles não dessem tanta prioridade para as suas opiniões e se não existisse uma coisinha delicada e simpática que me fez desprezar a grande maioria dos meios de comunicação, assim que o descobri: o jabá.
O jabá nada mais é do que um presente, um mimo. Um agrado que as empresas mandam para os jornalistas quando querem induzí-los a escrever sobre seus produtos ou serviços. E como jornalistas – quase sempre – levam muito a sério ética e comprometimento com a verdade, os jabás – quase sempre – viram notícia. O jabá é um exemplo leve e que explica bem como funcionam as pessoas e os veículos de comunicação. Na verdade, políticos (todos) e jornalistas (nem todos) sempre me transmitiram, em essência, as mesmas características de personalidade. Ambos começam suas carreiras por vaidade, necessidade de poder e idealismo. E ambos se tornam facilmente corruptíveis a partir do momento em que o idealismo é obrigado a lutar contra dois monstros tão grandes como o poder e a vaidade. É claro que isto pode acontecer com qualquer profissão, mas neste caso basta um mensalinho aqui para o cara votar ali. Basta um presentinho aqui que alavancamos seus negócios ali. Os presentinhos, eu sei que funcionam muito bem com matérias sem grande destaque, mas sempre me perguntei que tipo de “acordo”, “contato” ou “presente” existe quando a notícia vira matéria de capa. Foi assim que comecei a cagar e andar para revistas, jornais, etc. Foi assim que quase tive um treco quando passei pelo caixa do supermercado e vi a capa da Veja dessa semana: “7 razões para votar NÃO”.

Praticamente nas vésperas do referendo das armas, a principal revista do país decide, ao invés de INFORMAR, colocar em negrito e letras garrafais a “sua opinião”? Fiz uma cara de asco, mas considerei a possibilidade de que já tivesse saído ou sairia na próxima semana uma edição com “7 razões para votar SIM”. Mas aí me perguntei se haveria matéria para tanto e achei que algo estava errado. Enfrentei a minha aversão aos grandes veículos e comprei a dita. Abri antes de chegar no carro, com a esperança ingênua daqueles que esperam o mínimo de decência das pessoas e empresas que acham que têm algum poder. Abri, fui até a página 77 e lá estava novamente: “7 razões para votar não na consulta que pretende desarmar a população e fortalecer o contrabando de armas e o arsenal dos bandidos”. Em seguida – o pior – a confissão cara de pau:

 “ Nas páginas seguintes, VEJA alinha sete razões pelas quais JULGA correto votar NÃO no referendo sobre o comércio de armas de fogo convocado para o próximo dia 23. O voto no referendo é obrigatório, como nas eleições. O Estado brasileiro vai fazer a seguinte pergunta aos cidadãos: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. VEJA ACREDITA que a atitude que melhor serve aos interesses dos seus leitores e do país é incentivar a rejeição da proposta de proibição. O sucesso de uma consulta popular deriva, antes de mais nada, da correção e da honestidade da questão a ser respondida pelos cidadãos. A pergunta que será feita no referendo das armas é um disparate. Ela ilude o eleitor. É uma trapaça, pois, mesmo que o SIM vença por larga margem, “o comércio de armas de fogo e munição” no Brasil vai continuar.  ”

Grifos, negritos e maiúsculas foram feitos por mim.

Há uns dez anos eu tirava sarro da cara das pessoas que passavam a semana repetindo as notícias lidas durante o fim de semana. O assinante recebia uma VEJA da vida no domingo e saia repetindo as matérias para os colegas como se as opiniões dos jornalistas das revistas fossem dele, como se ele nunca tivesse visto aquilo escrito antes e como se tivesse pensado sozinho sobre todas aquelas questões. Era como se o cara carregasse uma faixa estampada na testa dizendo “Eu não penso, a Veja pensa por mim!”. Arght!
Ontem à tarde terminei de ler a matéria me perguntando quem é a “VEJA”; quem é a entidade “VEJA”, que acha que a gente precisa tanto assim de sua opinião; quem é a “VEJA”, que acha que sabe o que é melhor para o país. Quem é a “VEJA”? Ela é o jornalista Jaime Klintowitz, que assinou a matéria? É o senhor Eurípedes Alcântara, diretor de redação? Ou é o redator chefe Mario Sabino? Ou a “VEJA” seria alguém acima destes pobres funcionários com cargos bacanas? Nada contra essas pessoas, mas, se é pra eu levar em consideração a opinião de alguém, eu quero saber quem é a figura! Ou seriam as figuras? Figurões? Da editora Abril ou alguém de fora, interessado em continuar vendendo doces para as crianças? Quem é a “VEJA”, afinal? Quem é a “VEJA” que acha que deve opinar – ao invés de informar – em casos como este que são tão complexos? Se eu votar NÃO e um dia meu sobrinho morrer baleado pelo coleguinha da escola que encontrou a arma que o pai guardava dentro da gaveta, posso culpar a “VEJA” por ter induzido a população a manter armas de fogo por hobby? Quem é a “VEJA”? Por que eu devo acreditar que essa matéria está mais preocupada com a segurança da população do que com os cofres da indústria de armas? Quem me garante que esta matéria não é mais um tipo de “acordo” entre indústria e veículo de massa? Por que eu devo acreditar que há correção e honestidade nessa matéria? Quem será que está iludindo quem? Quem está trapaceando? Que interesses existem por trás de uma matéria tão explicitamente posicionada? Pelo menos uma resposta me parece clara: todos nós vimos, neste domingo, que revista e jornalistas não estão cumprindo com a ética e com o dever.

Engraçado, quem diria que a lição número dois me faria rever minha posição sobre a lição número um? Eu já estava em dúvida sobre a minha posição diante do voto nesse tipo de caso, mas, depois dessa, vou regularizar meu título de eleitor. Somente para este referendo, mas vou. O bom é que, quando eu decidi não votar mais, todo mundo me disse que eu pagaria uma fortuna em multas para regularizar meu título, além do mico e blá-blá-blá. Agora, pelo menos, vou poder contar para vocês como é simples não votar quando acharmos que não devemos votar e votar, quando acharmos que devemos votar.
Quanto à VEJA (quem quer que seja a “VEJA” e a quem quer que essa entidade se submeta), ou ela é uma revista burra ou deve achar que seus leitores são burros. Obviamente, a vaidade e necessidade de poder deles me faz acreditar que a segunda opção é a correta. Isso me faz lembrar de duas frases: “o problema de quem tem poder é achar que terá poder para sempre.”, dita por maridon. E outra que um dia eu emendei à dele: “é só a gente parar de pagar e comprar coisas dessa gente que esse tal de poder vai para o brejo rapidinho, rapidinho.”. Pobres assinantes…



Escrito pela Alê Félix
2, outubro, 2005
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Geraldine namorou poucos rapazes, começou tarde. Antes dos dezessete anos usava aparelhos nos dentes, não tinha bom senso para vestir-se e não depilava o buço. Bigoduda, não havia garoto que ousasse imaginar seus lábios na hora do deleite manual.
Foi somente depois das férias com a tia Cacilda, que a garota descobriu-se feminina. Para a surpresa de todos, ela voltou da capital renovada, com requintes e gestos de mulher feita, a depilação em dia, a pele hidratada, os dentes alvejados e os cabelos ao vento. Não demorou muito para os rapazes da cidade começarem a cortejá-la. Aos poucos, Geraldine deparou-se com os homens, os prazeres e a realidade sobre o sexo e a vida: beijou o primeiro com a mesma emoção de um nascimento, namorou o segundo com a paixão ingênua dos adolescentes, transou com o terceiro com a insegurança romântica das grandes iniciações e foi traída pelo quarto namorado com a própria tia Cacilda, em sua própria casa. Experiência mais do que traumática para que a garota voltasse ao guarda-roupa ridículo e parasse de se torturar com a pinça e a cera quente.
Geraldine passou nove meses e meio odiando os homens e a natureza sádica que enxergava neles. Até que, um dia, conheceu Silmara, a dona do instituto de depilação a laser e especialista em anestésicos e mulheres que haviam perdido a fé na heterossexualidade. Depois de cinco sessões de extrações a laser, Geraldine descobriu que gostava mais de carinho do que de sexo, mais de conversar do que adivinhar, mais de fantasias do que de invasão, mais de confissões do que de segredos, mais de amor e, cada vez menos, de perder o controle sobre os seus sentimentos. Seis sessões depois, Geraldine e Silmara assumiram o namoro e viveram felizes e sem pêlos para sempre.



Escrito pela Alê Félix
29, setembro, 2005
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Estacionei o carro em frente a casa da Marilu e toquei o interfone…

– Quem é?
– Eu…
– Já estou indo.
– Tá.

Mesmo depois da construção dos muros e das paredes internas, eu adorava aquela casa, minha segunda casa. Talvez, ela fosse a única coisa planejada na vida da Glória e da Marilu, o único lugar que fazia as duas refletirem e se unirem. Quando ela foi construída todos os cômodos eram abertos, só os banheiros tinham paredes e, mesmo assim, sob protestos da Marilu. Os muros altos da entrada foram levantados depois que a Glória e o Jorge se separaram. Surtado com a separação, ele tentou invadir a casa duas vezes. Como aquela não era mais uma época de paz e amor, Glória decidiu que era hora de estabelcer limites.
Os pais da Marilu eram hippies quando se conheceram. Foram apresentados em São Tomé das Letras, engravidaram em Arraial D’Ajuda, casaram em Trindade e pariram a Marilu no centro de São Paulo. Poucos anos depois, presos a realidade, eles se perderam. Seu Cláudio, o pai da Marilu, dizia que ninguém devia casar com o primeiro namorado, muito menos casar antes dos vinte anos. Não era difícil deduzir o porquê. Jovens, cheios de certezas e com um bebê não programado, eles fizeram o que puderam, mas não foi nada fácil. Pior ainda com uma filha como a que tiveram… Foram anos de rebeldia desnecessária tentando chamar a atenção dos pais, dos amigos, dos amores, de deus e o mundo. Ninguém era capaz de entender porque a Marilu se metia em tanta encrenca. Ela era forte, segura, bonita, inteligente, não precisava ter exagerado tanto. Quando o pai dela morreu, nós achamos que ela mudaria ou que, ao menos, pararia com as drogas mais pesadas. Foi uma pena o Cláudio ter morrido tão moço… Apesar das brigas, eu sabia o quanto a Marilu o admirava, o quanto precisava ter se entendido com ele. No dia do enterro, ela simplesmente desapareceu. Fez as malas e viajou sem avisar ninguém. Deixou apenas um bilhete colado na geladeira. Uma semana depois, tocou a campainha da minha casa aos prantos. Ela era assim… Precisava rodar o país pra conseguir superar suas angustias para depois voltar pra casa e chorar em paz as suas perdas. Desde a morte dele, tanto ela como a Glória haviam mudado muito… Elas e a casa que sempre fora o cenário perfeito para os melhores dramas da nossa adolescência.
Enquanto eu esperava minha amiga olhando aqueles muros altos e lembrando de tudo o que passamos juntas, eu me perguntava sobre os propósitos do destino de cada um de nós. E me deparava com o fato de que, talvez, fosse necessário alguém morrer para percebermos que precisamos aproveitar melhor nossas vidas. Talvez, todos os encontros e desencontros tivessem que ser vividos com mais tranqüilidade. Todas as separações, frustrações, todos os sentimentos de raiva, ciúmes, ódio… Nada daquilo deveria ser levado tão a sério. Talvez, o caos fosse necessário para que pudéssemos aprender a organizar as coisas na nossa cabeça, a nossa volta…
E eu só queria saber por onde começar… A impressão que eu tinha é que, quanto mais eu me mexia, mais estrago fazia. Não queria ter me separado do clone a poucos meses do raio do casamento. Odiava a idéia de que, se eu não tivesse insistido para o ex ir comigo naquela merda de festa, ele nunca teria conhecido aquela maldita flautista ajeitada. Como eu queria que, ao menos, ela fosse feia… Que, ao menos, tivesse uma profissão normal! Tinha que ter tantas afinidades com ele? Por que ela não era secretária, contadora, médica? Não, de jeito nenhum, tinha que ser musicista e, pra piorar, musicista de um instrumento fálico que devia causar curto circuito na cabeça pornográfica daquele imbecil do meu ex-namorado. Como eu odiava ainda pensar nele… Talvez, tudo aquilo servisse pra me levar a algum lugar melhor… Sim, melhor, bem melhor! Porque pior do que ter sido trocada por uma flautista, me iludido com um adolescente de tetas e rompido um casamento com aquele pão duro do clone, não era possível que ficasse.

– Alê!
– Iu! Onde você estragou esse cabelo?
– Em Roma, minha querida!
– Louca…
– Cansei da minha cara loira… Entra, vou pegar minha bolsa e a gente já sai.
– E aí você decidiu ter uma cara pink?
– Era pra ter ficado meio ruivo, mas eu errei nas misturas.
– E eu aqui pensando que a sua sanidade estaria sob controle…
– Caretice, caretice… Santa caretice! Você sabe que vai morrer com esse papo furado, não sabe? Você é o tipo de pessoa que poderia fumar, beber, cheirar, transar, se meter nas maiores roubadas que, mesmo assim, vai morrer careta. Não está na sua raiz compreender essas necessidades de mudança, Alezita.
– Eu transo…
– Bah!
– E desde quando essas coisas estão na cor do cabelo da gente?
– Se você não tem coragem nem para mudá-lo…
– Você ainda acredita no que diz?
– Até mudar de opinião.
– Hum… Poís eu acredito, sem a menor chance de um dia mudar de opinião, que rebeldia é não entrar na moda. É não precisar se melecar de tinta só porque todos estão se melecando… É assumir, curtir a raiz e não disfarça-la. Além do mais, embora eu esteja falando de rebeldia e não de couro cabeludo, você sabe muito bem que eu nunca faria o meu cabelo pagar o pato pelas minhas necessidades de mudança. Isso é coisa de mulherzinha desmiolada. Como você é, não como eu sou.
– Ai, ai… Saudade de você minha amiga careta. Foi uma pena você não ter ido com a gente.
– E deixar o meu trabalho milionário para passar um mês com você e a sua mãe embaixo do mesmo teto? Nem pensar! Falando nisso, cadê a sua mãe?
– Tomando banho. E vamos embora logo antes que dona Glória saia do banheiro e roube você o resto da noite.
– Saudades dela…
– Ah, não Alê. Hoje eu não quero ficar em casa não. Me ajuda a procurar a droga da minha bolsa e a gente sai de uma vez.
– Por que você sempre perde a sua bolsa?
– Olha só quem fala…
– Ok, ok… Apaga.
– E você? Me conta. Ainda na Teletel?
– Anran…
– Achei que dinheiro nenhum te faria acordar as seis da manhã…
– Eu também achava, mas descobri que a minha judia-pós-guerra é capaz de controlar até o meu relógio biológico.
– Esse seu medo de morrer pobre não tem o menor cabimento…
– Não é morrer pobre, é morrer na miséria. Já disse um milhão de vezes que a pobreza não me assusta. Acho até construtiva quando encarada como um estado temporário. Mas, enfim… O videotexto me trouxe muito mais problemas do que acordar cedo, ou ter que lidar com o meu inferno pessoal.
– Ainda viciada nesse negócio de conhecer gente sem cara pelo computadorzinho?
– Sendo gente…
– Até o dia que você encontrar um louco e…
– Achei!
– Anh?
– A sua bolsa, infeliz! Os loucos eu não preciso encontrar, eles estão por todos os lados.
– Que bom. Vamos embora.
– Vamos… Eu preciso beber alguma coisa.
– Que história foi aquela de casamento?
– Vamos, eu conto no caminho para o Tombaqui.
– Ótimo, assim você me conta do seu pedido de casamento e eu te conto do meu.
– O quê??

Digam o que quiserem, entre as mulheres, o assunto número um é a relação da vez, o assunto número dois é universo masculino e o assunto número três é fofoca sobre outras mulheres. Nem todas as mulheres são assim? Pode ser. As feias, as cansadas, as recém casadas e as mal amadas falam também da empregada, dos filhos, da vidinha profissional, da vidinha na faculdade e das coisas que passam na TV. Algumas, um pouco mais chatas, querem parecer inteligentes e passam a vida buscando assuntos diferenciados que giram giram e dizem mais sobre elas do que qualquer outra coisa que valha. Falar sobre os encontros e os desencontros é a diversão predileta de qualquer mulher. Principalmente das que sabem se divertir.
Esse era um dos discursos da Marilu… Um dos discursos que fazia com que as mulheres, normalmente, gostassem muito pouco dela. E, naquele momento, quando vi que a minha amiga mais solteira e mais adorável, podia casar, algo me dizia que, talvez, dali pra frente, nossas vidas nunca mais fossem as mesmas.
———————>> Continua.
Clique aqui para ler o Post I – O começo de toda a história do videotexto



Escrito pela Alê Félix
24, setembro, 2005
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Eu andava me sentindo um trapo envelhecido jogado num baú de quinquilharias… Andava, estou sarando. Sabe aquela sensação de acordar de manhã e sentir vontade de quebrar o espelho? Não sabe? E aquela tristeza que a gente sente quando o ziper da calça não fecha mais? Também não sabe, ô magrela? Sensação de ter sido trocada (o) por uma pessoa ridiculamente mais feia que você? Também não sabe? E lá lá, que vida mais sem adrenalina… Dia seguinte do maior porre da sua vida? Lembrou? Você não bebe? Ai meu saquinho… O cabeleireiro fez merda no seu cabelo e você acha que ele nunca mais voltará a ser o que era antes? Não ainda? Putz! Oh gente feliz… Você tropeçou, caiu um dente da frente, você tem um encontro bacanão e a secretária eletrônica do seu dentista te informa que ele morreu há duas semanas? Azar demais? Caiu um dente e você está completamente arruinada (o) de grana? Hum, sei… Você não faz idéia do que é passar uma temporada com o pé na miséria? Rabo é rabo, não é mesmo? Deixa eu ver… Sensação de que você está tão visivelmente velha (o) que qualquer tiozinho desconhecido anda te chamando de senhora (o)? Anran, você tem menos de vinte anos é? OK, eu desisto de escrever o que eu ia escrever, voltei a me sentir um cocozinho. Ando sensível… Sensível, trabalhando como uma retardada na parte chata da editora e fazendo das tripas o coração para o Blog de Papel e o Malvados (parte boa da editora) estarem prontos no lançamento, dia 12 de Novembro, na Feira do Livro de Porto Alegre. É isso. Fui. Adeus.

Ah! Antes que eu esqueça, nada dessas coisas aconteceram comigo nos últimos dias (a não ser o fato de me sentir um cocozinho e ser chamada de senhora sempre que boto o nariz na rua), assim como eu não quis dizer que estava incomodada com o fato de ter um montão de pessoas na lista do orkut. Eu gosto que as pessoas que passam por aqui, estejam lá. Foi só uma pirada com essa coisa de não conhecê-las e de ter um pouco de dificuldade de estreitar essas relações. Ando confusa. Sempre fui, né? Ok. Ok… deixa pra lá.



Escrito pela Alê Félix
22, setembro, 2005
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Não sei o que me deu ontem a noite… Eu estava no Orkut vendo minha lista de amigos desconhecidos e me senti extremamente ridícula. Eu sei que aquela quantidade de pessoas é fruto do blog e que isso é até legal, mas mesmo assim foi esquisito. Deu uma sensação de idiotice misturada com vazio, solidão. Quando eu vi, já estava me sentindo com uma placa de loser estampada no meio da testa, sabe? Tá, ok, eu sou encanada e tenho desses surtos que vão e vem. Sou eu que vivo afastando as pessoas, fazendo careta e dizendo que não gosto de ninguém. Eu sei… Mas, vamos cair na real, não há nada mais patético do que ter um milhão de “amigos”. Principalmente quando a gente não faz a menor idéia de quem eles são. Lembrei do Rube (maridon) dizendo que se a gente tem mais amigos do que dedos em uma mão, nós não temos nenhum.
No meio da paranóia lembrei do Clodovil e do que eu disse sobre ele há alguns bons anos. Para mim, era óbvio que uma pessoa arrogante e carregada de raiva existencial tivesse o comportamento agressivo que ele tinha. E também era óbvio que o final de alguém assim, seria se dar mal para aprender a pedir desculpas e dizer qualquer coisa que não fosse destrutiva. Lembrei do meu avô que morreu tentando resolver a relação com os filhos e da Yara que passou o resto dos seus dias, depois do câncer, correndo atrás dos amigos. Lembrei da minha avó de noventa anos que é forte como um touro, mas liga pra Deus e o mundo pedindo perdão – na véspera do aniversário – só porque ela acha, todo ano, que aquela será sua última comemoração. Detalhe: ela começou a fazer isto aos setenta e cinco anos, hoje em dia ela tem noventa e, mesmo assim, o ritual se repete anualmente. Lembrei do post abaixo, lembrei das pessoas que eu gosto sem que elas saibam o quanto eu gosto. Lembrei que, na semana passada, meu irmão me fez, sem querer, uma das declarações de amor mais bonitas que eu recebi na vida e que, ouvir aquilo, mesmo que eu tenha fingido que não ouvi, mudou a cor do meu vínculo com ele.
Com tudo isso na cabeça, acabei tendo a infeliz idéia de escrever testemunhos para as pessoas que eu conheço, gosto, para aqueles que eu sinto algum carinho, admiração e para os meus dedos da mão. E que coisa bizarra… Segui pelo alfabeto, ainda estou na letra G do raio da lista do Orkut, mas já estou morrendo de vergonha de ter começado com essa idéia babaca. Vou deletar tudo já já, eu sei. Definitivamente não lido bem com essas coisas de dizer o que eu sinto. Deletarei tudo, mas não antes de completar o alfabeto. Não vou fazer como o Clodovil, meu avô, minha avó e a Yara. Não vou esperar que a vida me faça tomar no cu para que eu abaixe a minha bola e seja menos estúpida. Na pior das hipóteses farei a contagem dos amigos de verdade… Ou não, se eles passarem de cinco.



Escrito pela Alê Félix
17, setembro, 2005
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Eu e meu pai sempre discutíamos quando o assunto era política. Mais especificamente, Paulo Maluf. Semana passada, quando eu soube da prisão, liguei pra ele para sacaneá-lo. Liguei em casa, a Quitéria atendeu, eu perguntei se meu pai estava, ela disse que não, ela perguntou se eu queria falar com a minha mãe, eu disse que não, conversamos um pouco e, em seguida, desligamos. Minutos depois eu sai e só voltei no fim do dia. Quando cheguei, uma tonelada de recados dele e da minha mãe me esperavam na secretária eletrônica. Eu não entendi o porquê de tanto desespero e liguei de volta perguntando o que havia acontecido. Ele atendeu e parecia preocupado. Quando eu disse que só tinha ligado pra dizer que o Maluf tinha sido preso, ele disse que já sabia e perguntou se a ligação era só pra falar sobre aquilo. Eu disse que sim e senti um certo desapontamento no tom de voz. Ignorei o tom de voz e desligamos o telefone depois das perguntas e respostas de praxe.
Com o telefone no gancho, voltei a pensar sobre o tom de voz… Só então percebi que aquela era a primeira vez que eu havia feito uma ligação para falar com meu pai e não com a minha mãe, ou com os meus irmãos. Só então eu percebi porque ele havia retornado a ligação tantas vezes, se preocupado… Passei o resto do dia pensando sobre essas relações familiares que mantemos mal resolvidas por achar que ignorar é mais simples. Fiquei pensando sobre pais, filhos, identificação, aceitação, imitação de comportamento, rebeldia, sobre como deve ser a relação de pai e filho dos Maluf, me perguntando sobre o que os dois conversariam presos na mesma cela e sobre o que, eu e o meu pai, conversaríamos se, um dia, fossemos obrigados a passar mais do que alguns segundos falando sobre amenidades.
Como é que a gente constrói uma ponte entre duas montanhas que nunca sairão do lugar e que são separadas por um abismo tão grande?
Questionamentos à parte, como lá em casa a gente não perde a piada…
Henrique, meu irmão, sobre o caso Maluf:

Bem que o Maluf podia ter sido preso pela Rota.
Apresentação (espetacular!) do Marcelo Médici na Terça Insana, no Avenida, onde ele faz um ex-presidiário e comenta o que os detentos disseram quando o Maluf foi preso:

Hum, adoro comida árabe…



Escrito pela Alê Félix
15, setembro, 2005
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Que a estrada seja longa,
Que a paisagem nunca deixe de impressioná-lo,
E que olhar pelo retrovisor seja sempre motivo de saudade.



Escrito pela Alê Félix
15, setembro, 2005
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