Estacionei o carro em frente a casa da Marilu e toquei o interfone…

– Quem é?
– Eu…
– Já estou indo.
– Tá.

Mesmo depois da construção dos muros e das paredes internas, eu adorava aquela casa, minha segunda casa. Talvez, ela fosse a única coisa planejada na vida da Glória e da Marilu, o único lugar que fazia as duas refletirem e se unirem. Quando ela foi construída todos os cômodos eram abertos, só os banheiros tinham paredes e, mesmo assim, sob protestos da Marilu. Os muros altos da entrada foram levantados depois que a Glória e o Jorge se separaram. Surtado com a separação, ele tentou invadir a casa duas vezes. Como aquela não era mais uma época de paz e amor, Glória decidiu que era hora de estabelcer limites.
Os pais da Marilu eram hippies quando se conheceram. Foram apresentados em São Tomé das Letras, engravidaram em Arraial D’Ajuda, casaram em Trindade e pariram a Marilu no centro de São Paulo. Poucos anos depois, presos a realidade, eles se perderam. Seu Cláudio, o pai da Marilu, dizia que ninguém devia casar com o primeiro namorado, muito menos casar antes dos vinte anos. Não era difícil deduzir o porquê. Jovens, cheios de certezas e com um bebê não programado, eles fizeram o que puderam, mas não foi nada fácil. Pior ainda com uma filha como a que tiveram… Foram anos de rebeldia desnecessária tentando chamar a atenção dos pais, dos amigos, dos amores, de deus e o mundo. Ninguém era capaz de entender porque a Marilu se metia em tanta encrenca. Ela era forte, segura, bonita, inteligente, não precisava ter exagerado tanto. Quando o pai dela morreu, nós achamos que ela mudaria ou que, ao menos, pararia com as drogas mais pesadas. Foi uma pena o Cláudio ter morrido tão moço… Apesar das brigas, eu sabia o quanto a Marilu o admirava, o quanto precisava ter se entendido com ele. No dia do enterro, ela simplesmente desapareceu. Fez as malas e viajou sem avisar ninguém. Deixou apenas um bilhete colado na geladeira. Uma semana depois, tocou a campainha da minha casa aos prantos. Ela era assim… Precisava rodar o país pra conseguir superar suas angustias para depois voltar pra casa e chorar em paz as suas perdas. Desde a morte dele, tanto ela como a Glória haviam mudado muito… Elas e a casa que sempre fora o cenário perfeito para os melhores dramas da nossa adolescência.
Enquanto eu esperava minha amiga olhando aqueles muros altos e lembrando de tudo o que passamos juntas, eu me perguntava sobre os propósitos do destino de cada um de nós. E me deparava com o fato de que, talvez, fosse necessário alguém morrer para percebermos que precisamos aproveitar melhor nossas vidas. Talvez, todos os encontros e desencontros tivessem que ser vividos com mais tranqüilidade. Todas as separações, frustrações, todos os sentimentos de raiva, ciúmes, ódio… Nada daquilo deveria ser levado tão a sério. Talvez, o caos fosse necessário para que pudéssemos aprender a organizar as coisas na nossa cabeça, a nossa volta…
E eu só queria saber por onde começar… A impressão que eu tinha é que, quanto mais eu me mexia, mais estrago fazia. Não queria ter me separado do clone a poucos meses do raio do casamento. Odiava a idéia de que, se eu não tivesse insistido para o ex ir comigo naquela merda de festa, ele nunca teria conhecido aquela maldita flautista ajeitada. Como eu queria que, ao menos, ela fosse feia… Que, ao menos, tivesse uma profissão normal! Tinha que ter tantas afinidades com ele? Por que ela não era secretária, contadora, médica? Não, de jeito nenhum, tinha que ser musicista e, pra piorar, musicista de um instrumento fálico que devia causar curto circuito na cabeça pornográfica daquele imbecil do meu ex-namorado. Como eu odiava ainda pensar nele… Talvez, tudo aquilo servisse pra me levar a algum lugar melhor… Sim, melhor, bem melhor! Porque pior do que ter sido trocada por uma flautista, me iludido com um adolescente de tetas e rompido um casamento com aquele pão duro do clone, não era possível que ficasse.

– Alê!
– Iu! Onde você estragou esse cabelo?
– Em Roma, minha querida!
– Louca…
– Cansei da minha cara loira… Entra, vou pegar minha bolsa e a gente já sai.
– E aí você decidiu ter uma cara pink?
– Era pra ter ficado meio ruivo, mas eu errei nas misturas.
– E eu aqui pensando que a sua sanidade estaria sob controle…
– Caretice, caretice… Santa caretice! Você sabe que vai morrer com esse papo furado, não sabe? Você é o tipo de pessoa que poderia fumar, beber, cheirar, transar, se meter nas maiores roubadas que, mesmo assim, vai morrer careta. Não está na sua raiz compreender essas necessidades de mudança, Alezita.
– Eu transo…
– Bah!
– E desde quando essas coisas estão na cor do cabelo da gente?
– Se você não tem coragem nem para mudá-lo…
– Você ainda acredita no que diz?
– Até mudar de opinião.
– Hum… Poís eu acredito, sem a menor chance de um dia mudar de opinião, que rebeldia é não entrar na moda. É não precisar se melecar de tinta só porque todos estão se melecando… É assumir, curtir a raiz e não disfarça-la. Além do mais, embora eu esteja falando de rebeldia e não de couro cabeludo, você sabe muito bem que eu nunca faria o meu cabelo pagar o pato pelas minhas necessidades de mudança. Isso é coisa de mulherzinha desmiolada. Como você é, não como eu sou.
– Ai, ai… Saudade de você minha amiga careta. Foi uma pena você não ter ido com a gente.
– E deixar o meu trabalho milionário para passar um mês com você e a sua mãe embaixo do mesmo teto? Nem pensar! Falando nisso, cadê a sua mãe?
– Tomando banho. E vamos embora logo antes que dona Glória saia do banheiro e roube você o resto da noite.
– Saudades dela…
– Ah, não Alê. Hoje eu não quero ficar em casa não. Me ajuda a procurar a droga da minha bolsa e a gente sai de uma vez.
– Por que você sempre perde a sua bolsa?
– Olha só quem fala…
– Ok, ok… Apaga.
– E você? Me conta. Ainda na Teletel?
– Anran…
– Achei que dinheiro nenhum te faria acordar as seis da manhã…
– Eu também achava, mas descobri que a minha judia-pós-guerra é capaz de controlar até o meu relógio biológico.
– Esse seu medo de morrer pobre não tem o menor cabimento…
– Não é morrer pobre, é morrer na miséria. Já disse um milhão de vezes que a pobreza não me assusta. Acho até construtiva quando encarada como um estado temporário. Mas, enfim… O videotexto me trouxe muito mais problemas do que acordar cedo, ou ter que lidar com o meu inferno pessoal.
– Ainda viciada nesse negócio de conhecer gente sem cara pelo computadorzinho?
– Sendo gente…
– Até o dia que você encontrar um louco e…
– Achei!
– Anh?
– A sua bolsa, infeliz! Os loucos eu não preciso encontrar, eles estão por todos os lados.
– Que bom. Vamos embora.
– Vamos… Eu preciso beber alguma coisa.
– Que história foi aquela de casamento?
– Vamos, eu conto no caminho para o Tombaqui.
– Ótimo, assim você me conta do seu pedido de casamento e eu te conto do meu.
– O quê??

Digam o que quiserem, entre as mulheres, o assunto número um é a relação da vez, o assunto número dois é universo masculino e o assunto número três é fofoca sobre outras mulheres. Nem todas as mulheres são assim? Pode ser. As feias, as cansadas, as recém casadas e as mal amadas falam também da empregada, dos filhos, da vidinha profissional, da vidinha na faculdade e das coisas que passam na TV. Algumas, um pouco mais chatas, querem parecer inteligentes e passam a vida buscando assuntos diferenciados que giram giram e dizem mais sobre elas do que qualquer outra coisa que valha. Falar sobre os encontros e os desencontros é a diversão predileta de qualquer mulher. Principalmente das que sabem se divertir.
Esse era um dos discursos da Marilu… Um dos discursos que fazia com que as mulheres, normalmente, gostassem muito pouco dela. E, naquele momento, quando vi que a minha amiga mais solteira e mais adorável, podia casar, algo me dizia que, talvez, dali pra frente, nossas vidas nunca mais fossem as mesmas.
———————>> Continua.
Clique aqui para ler o Post I – O começo de toda a história do videotexto



Postado por:Alê Félix
24/09/2005
0 Comentários
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Taina

setembro 25th, 2005 às 3:46

Agora só falta o post da saga!


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Luciana

setembro 25th, 2005 às 3:48

Algo me diz que essa historia do vtx tem fim triste…


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katia

setembro 25th, 2005 às 5:42

ai que pena Ale…fico pensando sempre…caraca será que eu conheci a marilu???? se naum conheci…que pena essa é uma figuraça!!!! kiakiakia…beijo gde!!!!mas com o tempo td muda um pouco…até eu mudei um pokinho…continuo meio tosca rsrsrs…


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lanis

setembro 25th, 2005 às 23:53

me encaixei nessa descrição de assuntos preferidos das mulheres x)
´´e cruel, mas eh verdade =D


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Carol

setembro 26th, 2005 às 14:53

Oláá! Aim, venho aqui sempre pra ver se a Saga do Primeiro Beijo terá fim e nunca a encontro. Você postará mais sobre ela ainda? Pelo que vejo, muita gente ainda procura um final para ela. ^^ Espero que você coloque o final aí pra gente! Beijão! ;**


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Sammy

setembro 26th, 2005 às 15:59

Gostei, Alê.. muito interessante…
Suas histórias são bastante interessantes e além disso é uma leitura que não cansa, pelo contrário; sempre fica a vontade de um gostinho de quero mais!
Bom, é isso… tenho que correr.. trabalhar…
Poderia ter nascido rica, mas prefiro o meu dia de hoje, a minha vida de hoje…
Bjks e fique com Deus
Sammy


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Vivi

setembro 27th, 2005 às 12:53

Eu nao sei pq mas amo todas as sagas contadas aki… nao sei o q escrever mais rs… só sei q to adorando esta historia do videotexto… bjx


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André Stern

setembro 28th, 2005 às 23:49

Ok, ok, link para o primeiro post, mas e para o último? Eu não faço mais idéia de onde tinha parado. xP
E Marilu usava drogas? o.O
Gostava de pensar que ela adoravelmente entorpecida ao natural. xP


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Paulão

setembro 30th, 2005 às 7:09

Oi!
Só pra dizer oi e estou semi-de volta…
bacci!


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