Algumas das lições que meus professores da época da escola tentaram fixar na minha mente foram:

1) vote
2) informe-se
3) questione

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Mesmo quando a aula era de matemática, era essa a mensagem que recebíamos no final. Acho que isso aconteceu porque eu estudei, a maior parte dos anos, em uma escola estadual onde os professores eram extremamente politizados. Sendo assim, não tinha como ser diferente. Eles sabiam que, devido às limitações estruturais do ensino, o máximo que podiam fazer pelos alunos era ensiná-los a pensar. O resto dependeria de cada um.
Durante muitos anos eu segui as lições que me foram passadas. Até que um dia aconteceu da lição número três anular as duas primeiras. Isso aconteceu nas eleições de 2002 quando eu decidi não votar, não justificar e dar uma banana para o sistema eleitoral e político deste país. Na época eu já tinha um blog e lembro de ter feito vários posts falando sobre a farsa da obrigatoriedade do voto. Lembro de ter ligado até para o TSE e nem eles sabiam me dizer o que realmente acontecia com as pessoas que ignorassem as eleições. Desde então estou irregular com essa minha obrigação de cidadã e, garanto a vocês, que nenhum bicho papão me comeu. Com o benefício de que me sinto aliviada de saber que não contribuí com o plano de assalto à sociedade dos mocinhos e velhinhos que escolheram a política para se beneficiar do grande esquema da democracia, da grande ingenuidade do povo. Simplesmente não acredito mais na ladainha de que é votando que mudaremos alguma coisa neste mundo. Hoje em dia só acredito que poderá haver mudanças quando a lição número três anular a lição número um – e não somente na minha cabeça, mas na sua também.
A lição número dois foi mais difícil de ser anulada. Primeiro porque a informação mora na nossa casa, bem na frente do móvel que deveria servir para breves momentos de reflexão: o sofá. A gente chega em casa exausto, abre a porta pra ter o mínimo de paz, senta no sofá e, antes que seja possível organizar um tiquinho de idéias, ligamos a televisão, o rádio ou pegamos uma revista que nos bombardeia de informações. E isso não é ruim. Quer dizer, não deveria ser. Não deveria, se realmente os profissionais de comunicação se prestassem a cumprir os juramentos que eles, certamente, fizeram quando se formaram em jornalismo. Não deveria ser se eles não dessem tanta prioridade para as suas opiniões e se não existisse uma coisinha delicada e simpática que me fez desprezar a grande maioria dos meios de comunicação, assim que o descobri: o jabá.
O jabá nada mais é do que um presente, um mimo. Um agrado que as empresas mandam para os jornalistas quando querem induzí-los a escrever sobre seus produtos ou serviços. E como jornalistas – quase sempre – levam muito a sério ética e comprometimento com a verdade, os jabás – quase sempre – viram notícia. O jabá é um exemplo leve e que explica bem como funcionam as pessoas e os veículos de comunicação. Na verdade, políticos (todos) e jornalistas (nem todos) sempre me transmitiram, em essência, as mesmas características de personalidade. Ambos começam suas carreiras por vaidade, necessidade de poder e idealismo. E ambos se tornam facilmente corruptíveis a partir do momento em que o idealismo é obrigado a lutar contra dois monstros tão grandes como o poder e a vaidade. É claro que isto pode acontecer com qualquer profissão, mas neste caso basta um mensalinho aqui para o cara votar ali. Basta um presentinho aqui que alavancamos seus negócios ali. Os presentinhos, eu sei que funcionam muito bem com matérias sem grande destaque, mas sempre me perguntei que tipo de “acordo”, “contato” ou “presente” existe quando a notícia vira matéria de capa. Foi assim que comecei a cagar e andar para revistas, jornais, etc. Foi assim que quase tive um treco quando passei pelo caixa do supermercado e vi a capa da Veja dessa semana: “7 razões para votar NÃO”.

Praticamente nas vésperas do referendo das armas, a principal revista do país decide, ao invés de INFORMAR, colocar em negrito e letras garrafais a “sua opinião”? Fiz uma cara de asco, mas considerei a possibilidade de que já tivesse saído ou sairia na próxima semana uma edição com “7 razões para votar SIM”. Mas aí me perguntei se haveria matéria para tanto e achei que algo estava errado. Enfrentei a minha aversão aos grandes veículos e comprei a dita. Abri antes de chegar no carro, com a esperança ingênua daqueles que esperam o mínimo de decência das pessoas e empresas que acham que têm algum poder. Abri, fui até a página 77 e lá estava novamente: “7 razões para votar não na consulta que pretende desarmar a população e fortalecer o contrabando de armas e o arsenal dos bandidos”. Em seguida – o pior – a confissão cara de pau:

 “ Nas páginas seguintes, VEJA alinha sete razões pelas quais JULGA correto votar NÃO no referendo sobre o comércio de armas de fogo convocado para o próximo dia 23. O voto no referendo é obrigatório, como nas eleições. O Estado brasileiro vai fazer a seguinte pergunta aos cidadãos: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. VEJA ACREDITA que a atitude que melhor serve aos interesses dos seus leitores e do país é incentivar a rejeição da proposta de proibição. O sucesso de uma consulta popular deriva, antes de mais nada, da correção e da honestidade da questão a ser respondida pelos cidadãos. A pergunta que será feita no referendo das armas é um disparate. Ela ilude o eleitor. É uma trapaça, pois, mesmo que o SIM vença por larga margem, “o comércio de armas de fogo e munição” no Brasil vai continuar.  ”

Grifos, negritos e maiúsculas foram feitos por mim.

Há uns dez anos eu tirava sarro da cara das pessoas que passavam a semana repetindo as notícias lidas durante o fim de semana. O assinante recebia uma VEJA da vida no domingo e saia repetindo as matérias para os colegas como se as opiniões dos jornalistas das revistas fossem dele, como se ele nunca tivesse visto aquilo escrito antes e como se tivesse pensado sozinho sobre todas aquelas questões. Era como se o cara carregasse uma faixa estampada na testa dizendo “Eu não penso, a Veja pensa por mim!”. Arght!
Ontem à tarde terminei de ler a matéria me perguntando quem é a “VEJA”; quem é a entidade “VEJA”, que acha que a gente precisa tanto assim de sua opinião; quem é a “VEJA”, que acha que sabe o que é melhor para o país. Quem é a “VEJA”? Ela é o jornalista Jaime Klintowitz, que assinou a matéria? É o senhor Eurípedes Alcântara, diretor de redação? Ou é o redator chefe Mario Sabino? Ou a “VEJA” seria alguém acima destes pobres funcionários com cargos bacanas? Nada contra essas pessoas, mas, se é pra eu levar em consideração a opinião de alguém, eu quero saber quem é a figura! Ou seriam as figuras? Figurões? Da editora Abril ou alguém de fora, interessado em continuar vendendo doces para as crianças? Quem é a “VEJA”, afinal? Quem é a “VEJA” que acha que deve opinar – ao invés de informar – em casos como este que são tão complexos? Se eu votar NÃO e um dia meu sobrinho morrer baleado pelo coleguinha da escola que encontrou a arma que o pai guardava dentro da gaveta, posso culpar a “VEJA” por ter induzido a população a manter armas de fogo por hobby? Quem é a “VEJA”? Por que eu devo acreditar que essa matéria está mais preocupada com a segurança da população do que com os cofres da indústria de armas? Quem me garante que esta matéria não é mais um tipo de “acordo” entre indústria e veículo de massa? Por que eu devo acreditar que há correção e honestidade nessa matéria? Quem será que está iludindo quem? Quem está trapaceando? Que interesses existem por trás de uma matéria tão explicitamente posicionada? Pelo menos uma resposta me parece clara: todos nós vimos, neste domingo, que revista e jornalistas não estão cumprindo com a ética e com o dever.

Engraçado, quem diria que a lição número dois me faria rever minha posição sobre a lição número um? Eu já estava em dúvida sobre a minha posição diante do voto nesse tipo de caso, mas, depois dessa, vou regularizar meu título de eleitor. Somente para este referendo, mas vou. O bom é que, quando eu decidi não votar mais, todo mundo me disse que eu pagaria uma fortuna em multas para regularizar meu título, além do mico e blá-blá-blá. Agora, pelo menos, vou poder contar para vocês como é simples não votar quando acharmos que não devemos votar e votar, quando acharmos que devemos votar.
Quanto à VEJA (quem quer que seja a “VEJA” e a quem quer que essa entidade se submeta), ou ela é uma revista burra ou deve achar que seus leitores são burros. Obviamente, a vaidade e necessidade de poder deles me faz acreditar que a segunda opção é a correta. Isso me faz lembrar de duas frases: “o problema de quem tem poder é achar que terá poder para sempre.”, dita por maridon. E outra que um dia eu emendei à dele: “é só a gente parar de pagar e comprar coisas dessa gente que esse tal de poder vai para o brejo rapidinho, rapidinho.”. Pobres assinantes…



Postado por:Alê Félix
02/10/2005
0 Comentários
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ju

outubro 10th, 2005 às 0:02

Excelente post. Sabe aquela “máxima”: Tudo que você sempre quis saber sobre o jabaculê mas ninguém teve c..oragem para escrever? Pois é! Parabéns e inté!


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Thais

outubro 17th, 2005 às 21:49

Referendo.


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flavinha

outubro 30th, 2005 às 20:04

nssssaaaaaaaaaa isso deve ser muito ruim hein ???????????? bom eu tenho 12 anos nuca tomei então naumposso falar nada


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Imaculado

abril 22nd, 2007 às 10:55

Eu queria saber como faz para regulariza o titulo de eleitor?


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