– Uma festa, oras bolas! Uma festa para comemorar o dia dos namorados.
– E quem aqui namora, eu posso saber?
– Acorda, Voadora! É por isso mesmo que vai se chamar festa dos incompetentes no amor. Uma festa para celebrarmos a liberdade, a amizade, a galinhagem e toda a nossa incompetência para namoros estáveis.
– Duvido que o seu Manuel libere o Fofão…
– Não agoura, Alê. Não agoura…
– Cara, ele tem que liberar! A festa já tem nome, mulheres… Só falta bebida e um lugar.
– Já vi tudo… Festa no Fofão era o que faltava.
– Que festa? Posso saber o que estão a tramar agora?

Seu Manuel nos pegou de surpresa e não estava para brincadeira. Também, não era pra menos. Seria pedir demais que, depois da presepada da delegacia, ele ainda fosse liberar as chaves da sucata de dois andares que ele mantinha escondida nos fundos da padaria. Ninguém sabia direito como diabos aquela imitação de ônibus inglês tinha ido parar lá. Zarolho contava a história de uma aposta entre o seu Manuel e o prefeito Jânio Quadros. Dizia que, graças a uma feliz coincidência e depois de um grande porre, o prefeito foi salvo pelo português de uma tremenda saia justa. Agradecido, ele o presenteou com seu maior sonho de consumo. Seu Manuel negava a história. Esbravejava dizendo que o ônibus era uma réplica montada a duras penas e que ele nunca na vida conhecera pessoalmente o prefeito. A construção da réplica seria uma boa desculpa se não fosse o fato de que ele escondia o Fofão como se fosse um cadáver no armário. Da noite para o dia o trombolho de dois andares apareceu no terreno que fazia fundos com a padaria, da noite para o dia os muros do campinho onde brincávamos foram levantados e transformados em uma garagem secreta. Seu Manuel bem que tentou escondê-lo de nós, mas com o Zarolho trabalhando pra ele e sendo nosso amigo, foi impossível. Depois de alguma resistência, o português acabou mostrando a relíquia pra nós, mas, por um bom tempo, fez um por um jurar segredo. O que nos fazia crer que, naquele mato, realmente havia coelho.

– Contem de uma vez! Que caras de palermas, são essas?
– Fala de uma vez, Zarolho…
– Sabe o que é, seu Manuel? A gente estava aqui pensando e… E sabe como é, né? Tem umas meninas novas por aí… E a gente estava pensando em uma festa…
– Não senhores. Não essa noite. Eu não sou pai de vocês por isto não vou aplicar nem sermão, nem chineladas que era o que todos precisavam. Mas, hoje, do bairro ninguém sai. Se quiserem ficar conversando no terreno atrás da padaria, tudo bem porque assim eu fico de olho em vocês. Caso contrário, esqueçam.
– Mas Seu Manuel… Ops, OK.

Às vezes não era necessário nenhum esforço pra convencer o seu Manuel…

– E sem “mas”. Vocês acham que são muito espertos, mas a mim vocês não enganam. Vocês deram muita sorte do delegado não prender o Oliveira por vandalismo, bestice, agressão e idiotice!

Seu Manuel devia ser a única pessoa do planeta que chamava o Zarolho por um dos seus nomes. Talvez porque “Oliveira”, fosse também um dos sobrenomes do português, talvez porque era o jeito dele de dizer que o considerava como se fosse um filho, talvez…

– Também não precisa humilhar, seu Manuel.
– Preciso sim! Você não é mais criança, rapaz! É um homem e tem que agir como tal. E vou dizer mais uma coisa: vocês podem ter escapado, mas não estão livres de serem punidos. Quero os cinco, às seis da manhã no refeitório do albergue. Estamos com mais quatro indigentes hospedados e a cozinheira terá que faltar amanhã.
– Seis da manhã! Pra fazer o quê?
– Criar vergonha nessas caras! Principalmente você, Alessandra. Depois do que você fez pela Maria deveria dar o exemplo e não estar em uma delegacia uma hora dessas.
– …
– E não me faça essa cara. Não foi culpa sua o que aconteceu com ela.

Que alivio… Era a primeira vez que ele falava comigo depois do sumiço da Maria dos Pacotes. Mesmo sabendo secretamente que ela nunca mais voltaria a vê-lo e me sentindo culpada por isso, o perdão dele já me confortava.

– Eu não tenho como ir não, seu Manuel. Amanhã tem muito pãozinho pra fazer porque é domingo e…
– E o senhor estará no albergue para preparar o café da manhã. Aqueles pobres são mais importantes do que o povo do bairro.
– Eu vou independente do horário. Pode contar comigo.
– Fala isso, porque você não dorme, Alê! Pó, eu tô acabadão. Foi um dia terrível… Puxado.
– Não quero conversa. Se estiverem cansados tratem de ir para casa e durmam. Não queriam ir a uma festa? Se estiverem dispostos para uma festa, precisam estar dispostos para o trabalho. Principalmente para o trabalho voluntário.
– Sermão…
– Vão, vão logo se divertir. Amanhã quero todos ajudando no albergue. E ai de vocês se atrasarem. O pai e a mãe de cada um vai saber o que aconteceu essa noite.
– Pai e mãe é sacanagem, português!
– A escolha é de vocês.
– A gente pode usar o aparelho de som do Fofão?
– Podem, mas já sabem: quero o ônibus encerado no dia seguinte.
– Uhu!
– A propósito…

O português abriu a porta do carro, abaixou-se até o porta-luvas e…

– Que diabos é isso, Oliveira?

Olhamos para a cara do Zarolho esperando uma resposta que explicasse o porquê daquele ovo preto que estava nas mãos do seu Manuel…

– Eu achei isto daqui lá nos fundos da padaria. O senhor pode me dizer do que se trata?
– Que desgraceira é essa, Zarolho?
– Desde quando galinha deu pra botar ovo crioulinho?
– Afe! Um ovo preto.
– É pintado!

Zarolho riu meio sem graça…

– É o ovo negro… Tá preto de canetinha preta… Mas eu juro que nunca fiz isso antes, seu Manuel! E não adianta vocês me olharem com essas caras de quem viu uma aberração! Podem dizer o que quiserem. Nos anos anteriores, no dia dos namorados, eu não saia pra tacar ovo em ninguém. Eu ia ao cinema, caramba! Eu juro!

– Então que ovo é esse Zarolho?
– É que na semana passada, no Dancing, eu pedi a Aninha em namoro…
– Aninha, a virgem?
– Dobra sua língua pra falar da Aninha, Voadora!
– Ei, relaxa! Vai ficar puto por quê? Ela está namorando o Ramon, seu filhote de cruz credo. Briga com ele e não comigo.
– Eu sei, eu sei… Foi por isso que eu deixei este ovo no sol. Pra ele ficar bem fedido e estalar na cabeça daquele banana antes que eles saíssem pra comemorar o dia dos namorados.
– Anh??
– Ah… Por isso que você marcou o danado com canetinha… Pra não misturar com os outros ovos. Entendi… Esse era o premiado… Meu querido, você é um gênio!
– Gênio uma ova, dona Marilu! Não quero vocês aprovando traquinagem um do outro. Você não tinha nada que fazer isso com o Ramon e com a Aninha, Oliveira! E eu já estou cansado dessas suas crises de rebeldia. Desse ano não passa a mudança do seu nome! Já falei com o advogado, mas ou você toma jeito ou não conte mais comigo nessa sua vida, rapaz!

Zarolho, o Um Dois Três de Oliveira Quatro, arregalou os olhos. Todos nós arregalamos os olhos… Enfim, o Zarolho mudaria o que mais lhe incomodava, o próprio nome.

– O senhor está falando sério?

Sim, ele estava. E, mesmo bravo com tudo o que havia acontecido naquela noite, ele sacudiu a cabeça afirmativamente, sorriu um meio sorriso com o canto dos lábios e tascou um peteleco na cabeça do Zarolho enquanto se abraçavam… Um abraço, um peteleco e uma ovada curtida no sol.

– Pô, seu Manuel! Logo com o ovo negro… Merda, meu cabelo vai feder durante um mês.
– Credo! Fedor…
– Melou seu esquema com as meninas do vôlei, hein Zarolho?
– Peraê, se o Zarolho não vai mais se chamar Um Dois Três de Oliveira Quatro, vai se chamar como?
– Vai se chamar Zarolho, ué!
– Deixa de ser ridículo, Ivo! Deixa o cara falar o nome…
– Eu conto pra vocês depois. Tem um nome que eu sempre quis ter. Vou pra casa tomar banho e vocês vão arrumando as coisas pra festa. Fui.
——————————–Continua.
Para ler o Post I, clique aqui.



Escrito pela Alê Félix
13, setembro, 2005
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Din don… Din don…

– Que horas são? Quem é o louco que está tocando a campainha uma hora dessas?
– Xiiii… Não bota a cara na janela que ela vai te ver! É a Marta… Aquela mulher que eu conheci ontem no parque… A hostess do Araçá.
– A janela está fechada, não tem como ela me ver.
– Dá pra ver pelas frestas. Sai daí antes que ela veja seu vulto.
– Vocês não combinaram de andar no cemitério do Araçá agora de manhã? Não acredito que você vai furar com a mulher logo no primeiro dia.
– Ela está acostumada a andar sozinha. Não precisa de mim…

Din don… Din don… Din don…

– Parece que ela vai insistir.
– Não tô acreditando…

Din don…

– É louca essa senhora? Não vê que eu tô dormindo?
– Você pediu pra ela te acordar, oras!
– E você parece que está do lado dela!

Din don… Din don…

– Se ela tocar mais uma vez eu vou abrir essa janela e mandar ela tomar…

Din don…

– Tomar?

Pulei da cama e abri a janela. Olhei pra baixo e…

– Quem ééé???

Como se eu não soubesse… Lá estava dona Marta, a recepcionista do cemitério do Araçá, com um tênis rosa choque, moletom azul adidas com listras brancas, sorriso de bom dia, óculos escuros daqueles grandalhões que deixam a gente com cara de mosquito e… E um espinafrado cabelo cor de abóbora!

– Só um minutinho… Só um minutinho, por favor.

Eu juro que teria mandado as favas minha educação se não fosse hilário imaginá-la com aquele cabelo, atendendo a parentada dos mortos do cemitério. Acabei sorrindo, fechando a janela discretamente e…

– Tomar aonde mesmo? Quanta gentileza, dona Alessandra…
– Quem se veste desse jeito? Você viu aquele cabelo? Por que você não me disse que ela estava vestida de Bozo? Eu teria atendido a campainha muito mais rápido.
– Ela te convidou pra fazer ginástica dentro de um cemitério! O que você esperava? Que ela fosse normal?
– Vamos caminhar. Nada de ginástica. E ela trabalha no cemitério, o que significa que não deve ser um caso de loucura, mas sim de praticidade. Que figura essa sujeita… Muito engraçada.
– Eu não falo mais nada… Agora me da um beijo de tchau e apaga a luz que eu vou tentar dormir e acordar com um dia menos bizarro.
– Tchau, tchau, tchau…
– Boa caminhada.
– Boa manhã de sono.

Desci as escadas correndo, abri o portão e…

– Oi! Desculpa a demora. Parece ridículo, mas esqueci completamente que combinamos de começar as caminhadas hoje.
– Combinamos ontem e você já esqueceu!?
– Pois é… Muito trabalho.
– Desculpa velha. Precisa ser mais criativa ou parar de inventar histórias.
– Anh?

Apesar da indignação com a grosseria, dei risada. Pessoas francas e folgadas sempre me fizeram rir.

– E eu não sei que você gosta de pessoas assim? Você teve um ataque de riso quando foi apresentada ao pai de um namorado e ele te chamou de Orca! Deve ter sido uma cena realmente incrível… Eu diria que deve ter sido seu momento mais espirituoso. Você já parou pra pensar que se, naquele dia, sua reação tivesse sido de ofensa ou qualquer outra que não fosse achar graça, sua vida teria tomado um caminho completamente diferente?
– Quê?? O que é que você está dizendo? Como sabe que…
– Sim! As pessoas não se dão conta de que são as reações que determinam suas relações. É fantástico como uma simples expressão pode mudar toda a trajetória de uma vida! Você já pensou…
– Só um minuto! Como é que você sabe dessa história?
– É… Lembra? O pai dele estava bêbado, seu namorado ficou morrendo de vergonha, achou que vocês terminariam antes mesmo de começar e mesmo assim você…
– Quem diabos é você? O que é que você está falando? Como é que você pode saber de algo que aconteceu há tantos anos? Eu não te conheço! Nos falamos ontem por acaso, mal conversamos e…
– Well, well, well… Não precisa morrer de medo. E tire essa expressão de pavor do rosto. Não combina com o seu cabelo.
– Olha aqui, eu não sei quem você é, mas eu vou…
– Vai o quê? Vai voltar correndo pra casa e passar o resto do ano olhando pela fresta da janela tentando compreender o que está acontecendo aqui fora? Ou vai tomar coragem pra subir essa ladeira comigo e seguir com a sua caminhada?

Por um segundo pensei em virar as costas, abrir meu portão e voltar correndo pra cama. Cheguei a erguer as sombrancelhas e botar as mãos na cintura em tom desafiador, mas a verdade é que eu só pensava que, nem morta, eu iria com aquele fantasma caminhar dentro de um cemitério.

– Eu não sou um fantasma. E andar fará você perder o medo. Além do peso, é claro!

Não é possível que essa vaca seja capaz de ler o meu pensamento…

– Que mania você tem de ofender as pessoas aí dentro dessa cachola, hein!

Mas que vaca maldita! Como é que ela faz isso?

– Well, well, well… Vamos. Eu conto no caminho. Mas, por favor, pare de me chamar de animal sagrado.

Senti a entrevista franzir mais do que o normal, medi a Bozolina dos pés a cabeça e antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa ou sair correndo …

– Tudo bem, tudo bem… Pode me chamar de vaca. Eu sei que exagerei na tintura, mas daí pra você me transformar na versão feminina daquele palhaço bocó é um pouco demais pra mim.

Santo Deus, ela lê mesmo os meus pensamentos! Não, não pode ser. Ela deve me conhecer de algum lugar, está de sacanagem… E se ela for paranormal? E se está com esse papinho de mãe Dina só pra me levar até o cemitério e roubar todo o meu dinheiro? Mas que porra é essa de “todo meu dinheiro”, criatura!? Quem você acha que é o, dona magnata?

– Ai, ai… O bom é que tem dias que a gente não precisa falar nada.

Acho que isso foi pra mim de novo… Merda. Como ela faz isso? Toma vergonha, Alessandra! Isso é truque.

– Acho tão engraçado quando as pessoas falam com elas mesmas e ainda se chamam pelo nome como se houvessem entidades dentro delas…
– Só vou com uma condição.
– Mas você é mesmo muito esquisita… Mesmo quando está se borrando de medo é arrogante. É arrogante mesmo diante da sua gigantesca ignorância.
– Vai ter que me ensinar como você faz isso ou eu não arredo o pé daqui.
– OK. Tchau.
– Ei, espera aí. Também não é assim!

Maldita curiosidade! Se ela for embora, não vou descobrir nunca.

– Eu tô brincando, Marta… Quer dizer, não estou. Eu quero mesmo saber quem é a pessoa que nós temos em comum e que contou pra você essas coisas sobre mim.
– O que você acha que eu estou fazendo? Escondendo um coelho dentro de uma cartola? Não é assim que funciona. Vamos embora e, pelo amor de Deus, não viaja nas suas teorias furadas.

Com a espalhafatosidade que lhe era peculiar, Marta ajoelhou na calçada, amarrou o cadarço do tênis, levantou, esticou-se como quem se alonga para uma maratona e saiu caminhando e resmungado…

– A curiosidade é a única coisa que pode ser maior do que o medo do ser humano… Deus me livre! Que seja… Pelo menos no seu caso, ainda bem.

Eu? Eu fui atrás… Rumo ao cemitério do Araçá, ao lado daquela doida. Truque, sacanagem ou paranormalidade, eu é que não deixaria a Bozolina ir embora sem dizer a que veio.

– Vamos começar direito. Bom dia pra você.
– Bom dia pra você também, dona Marta.
– Assim está melhor… Qual das duas ladeiras você prefere? Na-na-na… Não precisa responder. Não é necessário ser vidente pra ver que você prefere os atalhos. Andam chamando isso que você tem de síndrome da pressa, sabia? Mas enfim, ladeiras cansam. A gente conversa quando chegar no Araça.

Não dava nem pra argumentar. Enquanto ela falava, já estávamos no meio da ladeira e meu coração já estava na boca bloqueando a passagem de qualquer palavra que eu quisesse emitir. Aquele era definitivamente o melhor jeito de me fazer ficar quieta…
Continua——————–>>>
Clique aqui para ler o Post I – A Hostess do Araça.



Escrito pela Alê Félix
8, setembro, 2005
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Resenha sobre o livro Balde de Gelo no Jornal do Brasil de hoje. Leia e, na hora de comprar o seu exemplar, ligue aqui na editora. É mais barato, mais rápido e, de quebra, você ainda ouve alguns minutos da minha voz de taquara-rachada. Está esperando o quê? Telefone do lado direito, embaixo da propagando do livro. Beijinho.



Escrito pela Alê Félix
6, setembro, 2005
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Tenho visto essas tragédias ambientais e me perguntado se, em algum momento, passa pela cabeça das vítimas que o que está acontecendo é uma resposta do planeta ou se elas acham que é tudo culpa do azar, de Deus, do “governo”, do destino, da Santa Clara, dessas coisas todas que nos eximem de qualquer responsabilidade. Me pergunto se alguém tem lembrado de coisas simples como Tratado de Kyoto e todas essas tentativas bobas de reparar um pouco das agressões que cometemos (o tempo inteiro) contra o planeta. Será que embaixo d’água alguém pensa sobre isso? Será que alguém que perde as paredes da sua casa consegue, em algum momento, olhar melhor o que acontece do lado de fora do seu mundinho?
É uma pena que, com tanto lugar bom de ir para o beleléu, o Katrina tenha destruído um dos lugares mais interessantes dos Estados Unidos. Uma pena que, embora o país seja rico, o dinheiro só tenha servido para evidenciar que aqueles estados não são tão unidos assim. É uma pena, mas é só mais um episódio triste entre tantos outros que acontecem no mundo. É uma pena, mas é só começo dos resultados que ainda vamos colher por conta do nosso descaso, ganância, ignorância e preguiça.
Links sobre New Orleans e um pouco do que acontece do lado de lá:aqui e aqui.



Escrito pela Alê Félix
6, setembro, 2005
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Ela tinha razão, o Clã das Adagas Voadoras é maravilhoso. Aliás, depois de ver Herói, Clã e Kung Fu, cheguei a conclusão de que não existem filmes que são mais a minha cara. Vou até mudar o “Em construção” do meu perfil no Orkut para “Sangue, paixão e roupas de seda”. 😉
Obrigada pela dica, Prodígia!
E, por falar em Orkut, pra quem estiver com saudade dos posts da saga do primeiro beijo, a Deinha abriu um tópico na comunidade Amarula com Sucrilhos para que o povo pudesse contar suas histórias de primeiro beijo. Só ir até lá e escrever a sua, enquanto eu termino a minha por aqui. Dessa vez não é promessa de político, essa semana terá um post de cada historiona: Saga do Primeiro Beijo, O Videotexto, O Ovo Negro e os Incompetentes no Amor e A Hostess do Araça. Inté.



Escrito pela Alê Félix
3, setembro, 2005
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– Já alugaram o apartamento aí da frente?
– Não está vendo a garota arrumar a sacada?
– Que moça cuidadosa… Bem diferente da moradora antiga.
– Só é mais nova…
– Eitá! E desde quando a idade determina o zelo?
Olhei por cima dos óculos enquanto fechava o jornal e observava a garota, na pequena sacada do apartamento, cavando espaço no concreto para um pouco de terra.
– Vinte e poucos anos, não mais do que vinte e sete, recém-casada, controladora, perfeccionista, romântica. O casamento deve durar alguns anos. No mínimo cinco. Ela deve engravidar em dois, no máximo três anos. Se isso não acontecer o casamento terá que ser muito forte pra resistir… O casamento, o jardim e os móveis.
– Credo! Como a senhora faz isso? Não sabe nada da vida da moça e fica achando todo esse monte de coisa!
– A idade é fácil deduzir. Não só pela aparência física, mas também pelo semblante de sintonia com o tempo que ela carrega. Primeira casa, primeiro casamento, primeira mobília… Se ela tivesse mais de trinta anos, não estaria tão encantada com os detalhes e estaria mais preocupada com a idéia de engravidar do que com a de harmonizar o lugar onde vive. Sobre ser recém-casada, você já viu alguma mulher cuidar tanto de uma casa como ela está fazendo desde que mudou?
– Sei não, senhora.
– Uma mulher só faz isso em três situações: ela acabou de casar e está cheia de esperança, o casamento está em crise e ela está tentando se salvar e, por último, o marido a sustenta e ela entrou em um curso de decoração ou jardinagem. Eu aposto que o caso dela é o primeiro pelos seguintes indícios: essas flores são as mais populares no Ceagesp. Se ela estivesse matriculada em um curso de jardinagem teria comprado as flores mais populares entre as colegas de curso ou as mais exóticas de algum livro e não as mais compradas entre as donas de casa. As árvores ornamentais são óbvias: necessidade de controlar o tempo, a vida, o casamento, etc… Necessidade de controle e tentativa de manter sempre as boas aparências. Ela não apara somente as folhas e os galhos, ela apara e joga fora as frustrações enquanto aproveita para acreditar que está moldando seu futuro. Árvore da felicidade: já virou clichê entre os recém-casados. Principalmente entre noivas supersticiosas que acham que sal grosso e plantinhas da sorte podem mudar seus destinos. Mesinha e cadeirinha para dois em uma sacada minúscula: é a primeira coisa que uma mulher pensa em comprar quando vê uma área livre de apartamento. Tomar café da manhã com o marido, olhar a paisagem de prédios e janelas, fazer especulações sobre os vizinhos que eles não conhecem… Isso é sonho de consumo para qualquer moça romântica, qualquer moça que um dia tenha comprado o kit padrão de sonhos classe-média…
– Eu hein… Num entendi muita coisa do que a senhora disse não, mas achei tudo meio triste.
Eu sorri e voltei para o jornal…
– A senhora costuma acertar essas coisas?
– Anran… Sempre que a vida do outro fica parecida com o que já foi a minha.



Escrito pela Alê Félix
2, setembro, 2005
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Quando pequena eu ouvia minha mãe dizer que era muito feio encarar pessoas e situações estranhas. Eu ouvia e a obedecia desviando o olhar dos pés da Brucutu, da casa da Yolanda, do pai da Mariazinha, da tristeza do seu Joaquim… Obedeci até o dia que vi a Brucutu chorar sobre um par de saltos-agulha, obedeci até o dia que me dei conta de que eu era tão pobre quanto a Yolanda, desobedeci vendo o pai da Mariazinha ser preso, desobedeci quando assoprei pétalas de flor sobre as lágrimas do seu Joaquim. Desobedeci, muitos anos depois, quando estava dentro de um ônibus e uma indigente, com a cabeça cheia de verrugas, me fez descer alguns pontos antes.
Até hoje não entendo direito o que foi que aconteceu naquele dia… Eu estava em pé mesmo havendo vários bancos disponíveis. A mulher entrou, passou pela catraca e sentou-se muito próxima de mim. Próxima o suficiente para que eu não conseguisse desviar o olhar da sua cabeça de cabelos ralos, do couro cabeludo cheio de verrugas e do seu olhar fixo nos meus. Em qualquer outra situação, se algum desconhecido me olhasse daquele jeito, eu sairia de perto. Com ela foi impossível… Em uma fração de segundos, seus olhos lacrimejaram, sua boca tremia e ela me encarava como se eu fosse algum tipo de fantasma. Desconcertada e, inevitavelmente, segurando meu choro, tentei ser o mais discreta possível e sair do ônibus. Dei sinal, desci e me despedi da imagem daquela senhora vendo-a erguer-se na janela enquanto chorava e me seguia com o olhar. Uma imagem que durou o tempo de um ônibus desaparecer das minhas vistas, mas que permaneceu durante tanto tempo na minha lembrança, que uma verruga cresceu na minha cabeça poucos anos depois. Dois anos depois para ser mais exata, embora pudesse ter sido até cinqüenta. Qualquer saliência na cabeça me faria lembrar daquela mulher, daquele dia, daquelas verrugas, para sempre.
No começo, fiquei apavorada. Fui a dermatologistas, oncologistas, escrevi um testamento de bugigangas e decidi que não arrastaria o meu câncer no cérebro até a terceira idade. Todos os exames, inclusive um raio-x do crânio que eu obriguei o médico a solicitar, me disseram que aquilo era um nervinho estúpido e sem importância. Isso, óbvio, porque médico nenhum acreditaria que, na minha cabeça, o que existia era a idéia fixa de que, a mulher da cabeça de verrugas, era o meu futuro, que havia aparecido no meu passado, na tentativa de me mostrar como nós duas acabaríamos no final da nossa história. Uma versão dramática de algum filme barato com uma máquina do tempo eficiente. Filme barato e triste…
Eu enlouqueci com aquela verruga durante meses. E era um foda-se atrás do outro para aqueles que me chamavam de paranóica, doente e blá, blá, blá… Queria ver se fosse com eles, queria ver se fosse com vocês. Coincidência o cacete. O que aconteceu é que eu olhei tanto para a cabeça de verrugas que aquilo virou um medo e medos, ao contrário de sonhos, se materializam exatamente do jeito que a gente teme. Um medo que eu tomei coragem e cauterizei há uns cinco anos, mas que ficou dentro de mim de um jeito que passou a me pertencer. Aliás, como todos os outros medos. Por exemplo, eu tenho medo de ficar pobre, sozinha e louca. E esses medos são tão absurdamente fortes que me fazem crer que essas três situações estarão firmes e fortes ao meu lado no leito de morte. Não interessará o que eu fiz durante a minha vida para inverter o final. Não interessará ter trabalhado horas a fio, feito reservas financeiras, ter cuidado das amizades e da sanidade. Sonhos não interessam. Sonhos e planos são puras distrações e só servem para desviar nosso olhar das nossas sinas, das tristezas da vida e da alma. Servem para mostrar o que é nosso e o que não é nosso. Meus medos me pertencem, meus sonhos não. Não adiantou minha mãe me ensinar a não encara-los. De teimosa, eu olhei tanto, mas tanto para tudo o que me amedrontava, que hoje só me resta esperar que desviem o olhar de mim.



Escrito pela Alê Félix
26, agosto, 2005
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Antes que vocês encuquem com a maionese do post abaixo, está tudo bem comigo e com o meu casório. O post é resultado da minha nova mania de escutar músicas românticas em castelhano. Descobri com elas que sou mais brega, mais patética e mais apaixonada por histórias de dor de cotovelo do que eu imaginava. É um universo de letras tão tristes que me fizeram escrever o post aí debaixo, chorando, só de imaginar as dores que a gente sente quando está se separando. Não, não é masoquismo meu. Eu não gosto de sofrer, sofrer… Não qualquer sofrimento. Por exemplo, dor de queimadura eu não gosto. Muito menos dor de ouvido e dente. Puxão de cabelo e beliscão também não é minha praia. Mas eu tenho gostado de ouvir as paixões avassaladoras, tristes, dolorosamente boas e com finais trágicos e poéticos que os povos latinos cantam. Foi isso.
Beijinho e obrigada pelos e-mails e comentários de preocupação. Vocês são uns amores.



Escrito pela Alê Félix
21, agosto, 2005
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