Pelo direito de desejar em voz alta ou se rastejar por um homem ou fazer qualquer outro tipo de papelão dentro de casa ou em rede nacional. :-/
Toda quinta-feira uma turma de amigos se reúne para jantar e assistir Big Brother. Não vejo o programa, mas estive com eles em alguns dos encontros no último mês. Logo no primeiro jantar, dei graças a deus por não estar perdendo tempo diariamente com o programa, de tão chatos que me pareceram os integrantes. Todo mundo muito forçado, mas me simpatizei por uma moça de voz engraçada, que não parava de falar um minuto sequer, não ouvia ninguém e que – segundo me disseram – estava correndo atrás de um rapaz bem esquisitinho e que a tratava com uma indiferença quase patética.
Fiquei interessada pelo casal e meus amigos me contaram a história toda que rolou entre a Maria e o Mauricio, a saída dele do programa, a fofoca que ele ouviu de outra participante sobre Maria ser garota de programa e blablablá…
De cara, achei uma sacanagem fora do comum ele não contar a ela o que ouviu na casa de vidro, sobre ela ser garota de programa. Me pareceu claro, pela expressão indignada do Mauricio de Copacabana, que esse era o ponto chave da sua mudança de interesse por Maria. Compreensível que ele não queira se relacionar com uma prostituta, mas daí pra achar que Maria devia se dar por satisfeita com a volta desinteressada do rapaz, sem nenhuma explicação plausível, achei um pouco demais.
Maria não é o tipo de menina que está acostumada a levar toco de menino nem aqui nem na China. Ela é indiscutivelmente bonita, simpática, engraçada. Pode ser chata, mas é da natureza feminina perder a medida da chatice quando não entende o que está acontecendo. Se essa garota levou mais do que duas dispensadas na vida, foi muito. Aí ela entra em um reality show, fica com um cara que parece interessado mas que saí do programa um e volta em seguida completamente diferente. Convenhamos… Óóóóbvio que qualquer pessoa no lugar dela, estando em um jogo onde os integrantes batalham pela aprovação nacional, acharia que Mauricio foi pra rua, soube de alguma informação negativa sobre ela e por isso não a quis mais. E, não necessariamente sobre ser garota de programa (já que talvez ela nem seja de verdade), mas qualquer outro tipo de rejeição popular que o fizesse querer se afastar. Que mulher no lugar dela dormiria em paz dentro daquela casa com esse tipo de dúvida?
Não sei se é esse o motivo que a faz correr atrás dele. É só uma hipótese. Ela pode estar apaixonadinha de verdade, pode lidar mal com toco, pode ser maluca, pode ser um pouco de tudo isso e pode ser o que for. Sei é que eu olho pra Maria e acho ela uma graça de menina, uma rara figura que não fica fazendo tipo pra conquistar homem, não faz o jogo babaca que nos ensinam há décadas: “Quer conquistar um homem? Seja uma garota difícil, não demonstre interesse, não ligue no dia seguinte, espere sempre por ele, não dê na primeira noite, não dê muito, peça um tempo pra pensar quando ele te pedir em namoro, negocie sexo, negocie compromisso, cuidado com as suas roupas pra não parecer vulgar, tem que ser santa na rua e puta na cama, não seja muito puta na cama, cuidado com isso, cuidado com aquilo, não fale alto, não ria alto, não seja muito alegre, não, não, não, não, não, não seja quem você quiser ser! Nunca seja quem você realmente quiser ser!”.
Eu ODEIO essa castração social que ainda fazemos – mulheres e homens – com a alma feminina. Todas as mulheres que eu conheci na vida, todas – sem exceção – gostam mais de sexo do que todos – sem exceção – homens que conheci na vida. E antes que essa vire a questão principal do post, não me refiro a quantidade, mas a qualidade. Homens falam, falam, falam… Mulheres normalmente pensam em sexo, tentam fazer sexo, conversam com amigas sobre sexo e até estudam sobre sexo. Mulheres estão sempre tentando melhorar a qualidade da vida sexual (mesmo quando não se interessam tanto, mesmo que nunca tenham gozado), por julgarem importante pra saúde, pro homem que ela ama e pelo bem da relação. E, mesmo assim, todas elas – sem exceção – fazem silêncio sobre isso, porque foram massacradas com o ensinamento de que o correto é silenciar sobre o assunto, deixar o homem acreditar que é ele quem gosta mais, quer mais. Fazemos isso porque fomos ensinadas que é assim que se tem que amar um homem, respeitando as vontades dele acima das nossas. Nem questionamos se isso faz algum sentido ou não. Dizem pra nós mulheres que falar a verdade para um homem pode desmasculinizá-lo, mas sempre me perguntei que tipo de prazer eu teria com um homem que achasse masculinizante eu omitir e reprimir meu desejo por ele…
Sobre as atitudes de Maria, o que mais tenho ouvido enquanto acho graça é: “Maria não tem amor próprio”, “Maria não se dá o valor”, “Maria é vulgar”. Vou ser um pouco grosseira com meus amigos e amigas que participam desse coro e espero que eles e você que faz parte dessa turma me perdoe por isso, mas vou dizer o que penso porque Maria tem me inspirado a dizer o que penso. Se você tem dito essas coisas sobre ela, saiba que o que você está fazendo é espalhar velhos julgamentos sobre comportamento feminino num mundo que deveria ser melhor do que já foi para as mulheres. Essas frases super educativas deixam claro como a nossa evoluída sociedade acredita que uma mulher deve se portar… E isso não é bom! Você não vê que não é bom!? Você é uma pessoa careta, conservadora e não sabe se divertir e muito menos se deixar levar por uma boa sedução. Você está castrando o desejo de uma mulher livre, que faz o que lhe dá na telha e o faz com humor, com paixão, com toda a graça que a juventude, a beleza e o tesão podem proporcionar num processo de conquista. Homem pode, mulher não pode, né? Eu sei, eu sei… vocês vão alegar a parte vulgar. Uma banana pra parte vulgar! Vulgar é se fazer de boa moça pra dar golpe do baú, vulgar é parar de tomar anticoncepcional e não avisar o parceiro, é negociar sexo por bom comportamento do marido, vulgar é abrir mão do prazer pra viver de aparências… Eu também aprendi que ser vulgar é feio. Vi três episódios do programa, mas não sei se preciso mais do que isso pra achar uma porção de exemplos femininos e masculinos, muito mais vulgares do que o jeito da Maria.
Eu sei que não sou uma mulher comum, que não sou referência comportamental pra mulher nenhuma, que tenho atitudes muitas vezes mais parecidas com a de uma louca varrida como a Maria do que as de uma donzela que precisa ser protegida feito tanta mulher maquiavélica que existe por aí. Penso em menino desde os cinco anos de idade, fui emancipada aos dezesseis anos por ser muito saidinha e sai de casa com dezoito por ser muito assanhada. Já fui dona de um bar noturno e ao invés de aproveitar a farra casei com meu sócio e fui a mulher mais fiel e apaixonada do mundo. Fali e sobrevivi ao lado dele, enquanto alimentavam minha fama de maluca. Mantenho hoje três empresas diferentes de um jeito que costuma assustar grande parte dos homens comuns, sou sócia da ex-prostituta mais famosa do Brasil em um site e loja virtual de produtos eróticos femininos e dou uma banana para o que pensam (os seres humanos médios) sobre ela e a minha decisão de trabalhar hoje em dia ao lado dela. Gosto de sexo muito menos do que os homens acham que eu gosto, acho anti-higiênico ficar com uma pessoa por ficar, sou incapaz de me entregar completamente a um homem que eu não confie e goste verdadeiramente. Não me orgulho disso, só trato de respeitar minha necessidade de afeto tanto quanto meu desejo por orgasmos. Nunca quis ter filhos, nunca quis me casar de véu e grinalda e tive três longos relacionamentos que chamei de casamento. Um número de homens absurdamente menor do que a maior parte das moças direitas desse país assumem ter tido, por não poderem falar abertamente sobre quantidade sem parecerem vulgares. E, um número muito menor do que os homens acreditam que uma mulher com esse currículo acima realmente teria. A questão é: nem tudo o que vocês pensam que é certo é certo numa mulher. Mulher é um ser que essencialmente não faz sentido e deveria muito ser respeitada por isso de vez em quando.
Me separei há alguns meses e, sempre que vejo a Maria, dou graças a deus por “ter feito a Maria” e deixado claro para o meu ex-marido que no começo da separação eu o queria de volta. Fico me imaginando seguindo a cartilha que diz que o certo seria eu dar um tempo, esperar que ele voltasse no tempo dele e não no meu, e dou risada. O desejo é meu, o tempo é meu, não acho humano ensinarem para uma mulher que o certo é ela esperar pela natureza masculina enquanto anula a própria.
Às mulheres que esperam, digo que espero de todo o meu coração que um dia vocês morram enquanto esperam. E que, lá no céu, alguém seja capaz de mostrar a vocês a quantidade de vida que perderam enquanto faziam o papel social supostamente certo. Quero ver a cara de panaca de cada uma, se vendo desperdiçar vida por causa de homem. E olha que digo isso sendo uma das maiores curtidoras de sofrimento causado por menino que já vi. Mas eu sofro no meu tempo, em busca da minha verdade e não dando um tempo.
Agora pouco acabei de ler na UOL, três “especialistas” dizerem um monte de bobagem sobre os “erros” que Maria cometeu ao tentar reconquistar Mauricio. Na boa? Com todo respeito aos especialistas, fazia tempo que eu não lia tanta baboseira. Cada erro dito por esses caras nada mais é do que um adestramento feminino para que as mulheres sejam aceitas por homens inseguros, uma cartilha babaca e hipócrita de como conquistar um sujeito através de artimanhas e atitudes que não revelam os verdadeiros desejos, a verdadeira personalidade. Se uma mulher é naturalmente como eles dizem que é o certo ser, ok. Parabéns! Seja feliz do seu jeito, felicidades, minha nega! Mas, se uma mulher não é assim, please… Não tentem transformá-la na virgem imaculada que a nossa cultura machista e cheia de falsos moralismos julga ser a adequada. É ridículo! Vou colocar o link pra matéria do UOL lá no final do post, mas o resumo da ópera dito pelos três especialista foi o seguinte:
1) Seja indiferente, não provoque seu parceiro, anule totalmente seus interesses por outros caras enquanto você é desprezada por quem você realmente gosta, pois isso pode ser interpretado como provocação de ciúmes e isso é muito feio.
2) Não peça perdão. Homem pedir perdão é bonito, mulher pedir desculpa é coisa de quem não se dá o valor. Isso é muito feio pra uma mulher.
3) Desejo explícito de mulher não é excitante! Homem gosta disso, homem não gosta daquilo, não faça o que você quer, faça o que for necessário e “socialmente correto” para ter um homem. Uma mulher manifestar explicitamente os desejos é uma coisa muito feia.
4) Conforme-se com um fora, mesmo que o cara não tenha a decência de te contar que o fez porque deu ouvidos a uma fofoca. Não se conformar é muito feio!
5) Não tente seduzir com striptease e confissões sobre masturbações, isso não é uma coisa natural em rede nacional, só escondidinho na sua casa. Pra todo mundo ver é muito feito!
6) Homem não gosta de mulher bêbada, histérica, ansiosa, que fala e se exibe demais. Homem não gosta, homem não gosta, homem não gosta… Mude já pra conquistar o seu homem bêbado, histérico, ansioso, que fala e se exibe demais. O jeito dele de agir diz que ele tem a personalidade forte, mas o seu jeito de agir é considerado vulgar e isso é muito feio!
7) Seja misteriosa, arrogante, monte um personagem que seja mais facilmente comestível aos olhos do seu donzelo. Ser igual a Maria é muito feio…
Depois da pataquada toda acima, me sinto aliviada de dizer que não tenho a menor vergonha de dizer o que sinto, o que eu desejo, de pedir perdão, de eventualmente ser explícita, de me dar tanto valor a ponto de saber que não sou mulher para qualquer homem e que o mínimo que vou esperar do que vou escolher é que ele seja honesto quando me disser sim e quando me disser não. Me sinto aliviada por nunca ter pertencido ao grande grupo de mulheres que aceitam esses conselhos de especialistas só para garantirem um homem pra chamar de seu. Por não fazer a menor questão de fazer tipo, não castrar minha personalidade e meu desejo pra fazer bonito no salão… que alívio! Fico feliz de ver a Maria ser a Maria em rede nacional. Acho meio que certo que ela pegue uma Playboy muito bem vendida porque ela é uma linda, que saia dali para algum Zorra Total da vida porque ela é um quadro de humor pronto, que o Mau Mau nunca se dê conta da mulher que perdeu porque ele é mega tapado e que ela continue tendo o homem que ela quiser ter, sendo a puta mulher pra casar que muitos homens querem mas poucos merecem.
Sempre quis dizer isso e nunca tive coragem, mas não há nada que eu goste mais do que um homem que me deixe a vontade para conquistá-lo, que compreenda meu tempo, que me deixe acreditar que eu o seduzi. É bom ser conquistada, mas eu me sinto tão super gostosa quando conquisto. Que mal há nisso?
Maria me fez ter saudade da menina desmiolada que eu sou quando me apaixono, quando sou obrigada a fazer a Maria da relação pra tentar entender um moço cabeça dura. Meus amigos dizem que falo isso sobre ela porque não vejo o programa, porque ela é burra, porque isso, porque aquilo… Realmente não me interessa nada disso. Gente burra pra mim é gente que quer padronizar as almas desse mundo, é gente que não aceita que essa menina seja do jeito que ela sentir…
Gente burra, pra mim, é gente que acha que homem é um bicho tão inseguro que seria incapaz de amar e respeitar uma mulher que diga que o deseja em sua boca, misturando a palavra e a língua com leite condensado.
Deveríamos ser mais Maria, muito mais Maria…
O link da UOL? Aqui.


Escrito por Alê Félix
Escrito pela Alê Félix
13, março, 2011
O primeiro contrato deve ter sido inventado por alguém muito correto, só para nos fazer pensar. Aí, um dia, alguém muito ingênuo foi lá e assinou. Segundos depois, algum comerciante malandrão abriu um cartório na esquina.
Contratos devem ter sido inventados para se tornarem a maldição dos otimistas, a salvação dos distraídos e a arma dos astuciosos.
Quando um contrato se faz necessário é porque existe uma grande possibilidade de não sabermos aonde estamos nos metendo. No que diz respeito as coisas ligadas ao dinheiro, ok. No diz respeito aos vínculos afetivos, nem assim.
Escrito pela Alê Félix
12, março, 2011
Não vou olhar para o relógio. Que o tempo passe no tempo certo pra me fazer acordar.
Não vou andar em círculos. Vou caminhar até a cama e tentar descansar.
Não vou abrir a geladeira, não há amor no freezer.
Não vou abrir a janela, não quero mais cair.
Não vou dar ouvidos, não vou dar mais nada.
Não vou sair por aí, não quero estar em nenhum outro lugar que não seja aqui.
Não vou tocar no telefone. Chega de conversar…
Não vou ler, não vou escrever, não vou me entreter com outra dor que não seja a minha.
Há luz, mas não me parece haver saída.
Não vou procurar motivos, não vou entrar em desespero.
Nasci sozinha, vou morrer sozinha, já era tempo de aprender a dormir sozinha.
Vou começar tudo de novo… reaprender a respirar, rezar e esperar o dia clarear. Odeio essa parte!
Mais uma noite em claro, mais uma noite no escuro…
Mais uma noite em claro, mais uma noite no escuro…
Horas intermináveis sem dormir hoje, amanhã, depois de amanhã até que o sol entre por alguma fresta de janela, volte a cegar os meus olhos e me faça sonhar um pouco mais. É só esperar pelo grito do sol, da vida lá fora, daquelas ilusões que nos arrancam da cama pra nos jogar em algum outro caminho que preste, que nos faça crer. Um grito feito grito de amigo, de pai e de mãe quando eles aparecem pra nos educar e a gente curte. Um daqueles que urgem com voz professoral… “Toma jeito! E vai se deitar, vai descansar, vê se dorme!”.
E a gente obedece. Eu obedeço. Obedeço feito menina mal educada que só precisa nessa vida de um bom corretivo. Obedeço como quem espera que um pouco de luz acessa espante meus fantasmas. Um pouco de luz… No escuro eu não consigo dormir, mas durante o dia sou super herói…
E aí ela voltou a me atormentar… “Daqui a pouco é hora de criar vergonha nessa cara, daqui a pouco é hora de levantar, daqui a pouco você vai se arrepender de ter deixado a vida de lado, só pra remoer passado. Eu sei que você curte essa choradeira babaca, esse caminho estreito e limitado da dependência emocional mas daqui a pouco é dia, daqui a pouco acaba, daqui a pouco te enterram. E aí? Vai preferir o quê? Viver ou se enfiar em outra relação?”.
Não era uma voz amiga, nem de pai, nem de mãe. Era só uma versão de mim mesma, desdenhando de mim dentro da minha cabeça, uma voz fria e aparentemente sensata, que não é de falar muito, mas que fala o suficiente pras lembranças não me deixarem dormir.
Escrito por Alê Félix
Escrito pela Alê Félix
2, março, 2011
Tudo bem com você? Como você tem passado? Queria que você soubesse que tá foda e que eu não faço mais a menor ideia do que você pretende me tirando o chão depois de que tudo o que aconteceu…Eu sei que você tem mais o que fazer, mas cara… por favor, me manda pelo menos um beija-flor.
Escrito pela Alê Félix
25, janeiro, 2011
Perdi o vôo, um pouco do chão, um pouco da visão, mas sobraram as asas que nunca serão passíveis de corte, sobrou um coração que nasceu para pulsar no céu e não para ser acariciado na terra. Perdi mais um vôo, mas ainda tenho asas fortes para fugir, escapar pra onde eu puder até surgir novamente um caminho. Sobrou a natureza da minha alma, meu instinto de sobrevivência, meu espírito incontrolável, indomesticável, amém.
Mesmo abatida, ainda me resta um olhar de fúria e compaixão por esse desespero por afeto que nos cerca. Mas, exatamente pelo afeto, não me deseje cantarolando em uma gaiola de ouro que reluz somente a vaidade e a crueldade dos que confundem amor com posse. Não me confunda. Amor verdadeiro a gente contempla voando, partindo, voltando quando sente de voltar. Eu sei que eu perdi esse vôo chorando, mas perdi porque eu quis. Perdi para poder voltar a voar em paz, para reforçar minhas asas, para te deixar experimentar um pouco de alegria e ar puro, bem longe das minhas mãos. Perdi o vôo, mas não as asas. Gente como a gente não se deixa prender por covardia, não permance sem paixão e só retorna quando sente a profunda, honesta e declarada vontade de estar.
Escrito por Alê Félix
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* Qualquer semelhança com a realidade, a sua ou a minha vida é apenas uma mera coincidência. Esse é um blog de ficção.
Escrito pela Alê Félix
30, dezembro, 2010
Para se livrarem do medo de viver e morrer alguns rezam, outros matam. Nasci com o espírito daqueles que optam pela guerra e dispensam as flores, mas ontem aprendi a rezar ouvindo samba, a dançar sorrindo, a caminhar sem par. E o medo se foi e meu espírito esqueceu a que veio, dormiu um pouco em paz, como se só lhe bastasse cantar. Coisas do Rio, coisas do céu, coisas do Noel.

Feliz Natal aos que por aqui transitam, sejam vocês da guerra ou da oração. E que papai Noel não nos arranque as rosas, de nenhum de nós…
Escrito por Alê Félix
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Escrito pela Alê Félix
24, dezembro, 2010
Acordei pensando em desligar tudo, comprar uma velha máquina de escrever e respirar fundo até chegar o dia certo para morrer. Acordei precisando de um cigarro e um copo de café, mas eu não fumo e me falta coragem pra levantar, beber e pensar mais do que já estou acostumada. Acordei questionando a inteligência de quem passa a vida dentro de um livro e acredita que pensa ao repetir os pensamentos de um autor que morreu e mal viveu de tanto medo que tinha da vida. Acordei e desliguei o rádio. Eu amava porque choravam nas músicas que eu ouvia, não por ele. Talvez, ele, eu nunca nem sequer tenha ido com a cara. Dores que talvez nunca tenham sido minhas, pensamentos e sentimentos reverberados por quem grita, raramente por quem tem a voz mais suave.
Suavidade… onde é que a gente encontra suavidade, tranquilidade, afetuosidade? Não devia ser tão difícil amar sem se identificar ou proliferar… Não devia.
Preciso parar de acordar pensando em suicídio homeopático… Os semelhantes amam os semelhantes, semelhantes trepam com semelhantes como se pudessem trepar com eles próprios, semelhantes fazem filhinhos com semelhantes, semelhantes dão as mãos e fecham a roda para os dessemelhantes, semelhantes compram vidas semelhantes e se acham diferentes… Semelhantes curam-se pelos semelhantes, mas também se matam. E hoje eu acordei quase chorando de tanta falta que sinto dos meus semelhantes, mas com uma certeza que me tirou da cama. Se é pra morrer, que seja cobrindo alguém de porrada. Ou… Quando eu quiser. Porque, na boa, deus não tem mais nada a ver com isso.
Escrito pela Alê Félix
17, dezembro, 2010
Eu devia ter uns quatro anos de idade, mas a história foi tão comentada na família durante todos esses anos que deixou de ser lembrança para se tornar retrato. Dessas histórias que de tão presentes, deixam de parecer que aconteceram ontem e se tornam finalmente passado…
Lembro que um dos meus tios chegou na casa de minha mãe dizendo que meu bisavô não parava de perguntar sobre mim. Lembro de ter ouvido e continuado brincando no chão da sala. Algumas horas depois, minha mãe me chamou dizendo…
– Vamos lá na padaria ligar para o seu bisavô?
– Vamos!
Como eu adorava falar no telefone e o orelhão da padaria era o único no bairro, fui correndo. Não precisou me chamar duas vezes. Subi a ladeira deixando minha mãe para trás, voando pela calçada para não levar bronca por causa de carro.
Paramos na padaria para comprar as fichas telefônicas, mas o cheiro da fornada de sonhos fez com que nos lambuzássemos de creme antes da ligação. Passava um conhecido, outro, mais outro, ela papeava, eu lambia os dedos… Adorava cheiro de pão quente, recheio de baunilha, mas o que eu queria mesmo era ouvir as conversas das pessoas no orelhão. A boca cheia de sonho, os olhos caçando verdades, as orelhas em pé. Uma gula que engolia tudo o que via, ouvia, sentia. A fila do ônibus se misturava com a fila do telefone público, tamanhas eram as necessidades locais… “Bairro onde o ônibus faz ponto final era realmente pedaço de fim de mundo…”
“Olha aqui, dona! Se a senhora quiser me despedir é problema da senhora! Não… Não é verdade que eu faltei por isso na semana passada, meu filho ficou doente! Eu sei, eu sei que preciso do emprego, dona… Mas bairro onde o ônibus faz ponto final é pedaço de fim de mundo!”
E como gente perdida no fim do mundo era o que não faltava, na fila do orelhão as histórias mais ouvidas eram discussões entre patrões e empregados, marcação de encontro, mandação de notícia, gente ligando pra dar ou pedir algum tipo de desculpa…
“Oi, aqui é o João. Tudo bem com você? Ah… sei… que bom. Olha, tô ligando pra pedir desculpa por ontem… É eu passei muito mal… Não… Não se preocupa. Já tô bem sim. É… Mas não foi nada com você não. Foi mesmo aquela feijoada na casa da Meirinha. Achei até que você não ia mais falar comigo… Hum… Por isso que tô ligando, pra pedir desculpa pelo estrago que fiz na sua casa e… É, eu sei… foi mal”
Se eu fosse grande e não precisasse voltar pra casa junto com a minha mãe, nada me impediria de passar o dia todo ali, só ouvindo as conversas. Quanto maior a fila, mais divertido era, mais eu entendia sobre o mundo, sobre todos nós…
“Alôôô, dona Glóória! Nãooo tooô ouviiiindo. Fala mais alto! É o Severino sim. Tô ligando pra dizer que tive um inoportuno e não tenho como ir prai hoje… O que!? Não tô ouvindo! Fala um pouco mais alto… Olha, tá passando um caminhão, vai cair a ligaçããã…”
E o povo todo lá… Só vendo o seu Severino com a maior cara lavada, virada na cachaça antes mesmo do meio-dia, colocar o telefone no gancho e passar a vez pro próximo da fila, fingido que a ligação tinha caído. Voltava para o balcão do bar gargalhando com os amigos e virando suas doses de pinga goela abaixo. Soltava um último sorriso num segundo de expressão tão verdadeira, tão cheia de vazios e silêncios, que quase me fazia chorar. Perdi a conta da quantidade de vezes que vi seu Severino repetir histórias, mudar de emprego, correr do bar quando alguém dizia que a mulher dele estava virando a curva. Às vezes, acho que aprendi a mentir na fila do orelhão, tantas eram as necessidades de mentir, omitir e confessar diante das filas vestidas de platéia. A fila… A fila e eu, toda lá de orelha em pé! Mas, no meu caso, juro que não era só uma simples curiosidade pela vida alheia… Eu amava aquilo!
Quando o orelhão quebrava era um deus nos acuda de reclamação, mas quando alguém descobria um jeito de ligar sem precisar de ficha, virava herói. O carente do Betinho era o cara que sempre dava um jeito de consertá-lo, mesmo sem ter ninguém pra ligar. Fuçava, fuçava, era chamado de MacGyver, saía debaixo do orelhão aplaudido. Eu, no lugar dele, consertaria e não contaria pra ninguém nunca. Nunca. Olhava pro bestão do Betinho e pensava…
“Que imbecil… Vão usar até quebrar e vai ficar mudo de vez, outra vez.”
E era o que sempre acontecia… E, depois de quebrado, até a empresa de telefonia consertar, levava semanas, atrapalhava a vida do povo todo e lá se ia um pouco da graça da vida no fim do mundo. Nada de ligação nenhuma, nada das minhas preferidas ligações de amor. Ah, as ligações de amor… Quase me faziam pular de alegria. Pelo jeito da pessoa, antes de abrir a boca, eu já sabia se seria um papo de amor ou não. Moça nova e de roupa muito curta era certeza absoluta de ligação amorosa. Senhor muito perfumado, gente que fumava enquanto falava, algumas senhoras que bebiam antes, homens que bebiam durante, uma ou outra viúva, era ligação de amor na certa!
Lembro do moço que chorou numa despedida e me fez chorar junto, lembro da moça que chorou num pé na bunda e dei um jeito de apresentar para o moço que já havia chorado pela que partiu. Posso ter esquecido muita coisa nessa vida, sabe? Mas… de uma ligação de amor? Nunca.
Lembro de uma confusão que gerou uma revelação atrás da outra lá no bairro. O dono da farmácia havia morrido e semanas depois a mulher dele se pendurou no orelhão falando baixinho, se enfiando dentro da concha e dando de costas para os outros, cobrindo a boca… Era a pessoa abaixar o tom de voz e falar meloso pro povo todo já dar um passo a frente e acabar com o espaço pessoal. Todos grudavam no ser da frente, alegando que a pressão da proximidade era fundamental pra acabar logo com o telefonema e agilizar o movimento da fila. Mas é claro que eles diziam aquilo só pra ouvir a conversa, né?
Vez ou outra o povo deixava passar, mas as ligações silenciosas da viúva do farmacêutico se tornaram muito constantes, o falatório saiu da fila, virou fofoca… Até que, um dia, uma vizinha se encheu de esperá-la despendurar do telefone e soltou:
“tsc, tsc, tsc… o defunto nem esfriou e olha só a pouca vergonha dessa senhora!”.
A viúva fritou a cara de ódio, pediu licença na ligação, tapou o bocal do telefone e foi pra cima da vizinha que era a segunda de uma fila de mais de seis…
– É comigo que a senhora tá falando!?
– E que outra viúva alegre tem por aqui além da senhora!?
Não deu outra. A viúva largou o telefone, meteu as mãos na cintura e…
– A julgar pelas vezes que a senhora dormiu com o meu marido, tem eu e você, sua vagabunda!
Meu ouvido foi tampado pelas mãos da minha mãe, mas eu ouvi. As cabeças na fila viravam pra frente na resposta de uma, pra trás na resposta da outra e era um zumzumzum de “vixe!”, “agora vai!”, “é hoje!”, “vamo acaba logo com isso aí que eu tenho que trabalha!” e outras provocações ditas a espera de um desfecho maior. Eu sempre achava que a fila apartaria uma possível briga, mas todos só mexiam as cabeças, faziam graça e contemplavam a arena que vira e mexe o orelhão se tornava…
– Olha aqui! A senhora dobre sua língua e me respeite!
– Respeito o seu… (e tamparam meu ouvido…), sua sirigaita!
– Mãe, o que é sirigaita?
– Seu marido é que me procurava, sua seca!
– Mãe, o que é seca?
– Ah, é!? Pois saiba que ele procurava você e mais umas dez vadi… (ouvido tampado de novo) dessa merda de bairro de curioso!
– Mãe, tem que avisar a moça que ainda tem gente no telefone. Se ela não gosta de curioso, o curioso do lado de lá tá ouvindo tudo!
– Vambora daqui!
E lá fomos nós sem fazer a ligação desse dia e sem que eu me recorde bem do final da história das viúvas do farmacêutico porque passei muito tempo com o ouvido tampado. Minha mãe me puxava e eu virava o corpo, a cabeça, libertava as orelhas escancaradamente sendo a criança mais xereta daquele bairro tão legal, tão distante e ouvindo a amante gritar…
“Eu quero mais é morrer de saudade do seu marido!”.
Foi o último berro que me recordo, dessa vez, sem esquecer uma só palavra…
Mas… Onde é que eu estava mesmo? Ah! Eu estava falando sobre a ligação para o meu bisavô, que na verdade aconteceu em outro dia, num dia tranquilo que nada teve a ver com as confusões e a minha curiosidade sobre a vida dos outros. Um dia que fui até o orelhão com minha mãe, só para que ela soubesse do estado de saúde do bisa e me colocasse no telefone pra falar com ele por um tempão. Me deixou usar mais de três fichas e não se preocupou com a fila! Lembro de ter perguntado se o hospital que ele estava era de rico, já que tinha telefone até no quarto. Lembro do som do sorriso cansado, dele dizendo que eu era a sua bisneta mais engraçada e eu dizendo que engraçado era ele porque eu era a única bisneta que ele tinha. Lembro dele tossindo muito, dizendo que depois que saísse do hospital passaria na minha casa para pularmos amarelinha e que ele morria mesmo era de saudade de mim…
Alguns dias depois, quando me disseram que ele morreu, no auge das dúvidas e silêncio dos meus cinco anos de idade, achei que eu tivesse matado meu bisavô…
– Mãe, porque é que esse negócio de saudade mata a gente?
A pergunta foi feita no dia do enterro e o som de todos os choros não a deixaram ouvir nem responder. Lembro de ter perguntado para outras pessoas nos dias seguintes, mas ninguém responde nada direito quando a gente é pequeno. Continuei me sentindo culpada…
Numa das idas até a padaria, vi um policial no telefone e decidi me entregar. Escapei dos olhos da minha tia, corri até o moço, cutuquei-lhe a perna:
– Seu policial. Eu matei meu bisavô… Pode me prender.
Entreguei meus pulsos para serem algemados e fechei os olhos, mas nada aconteceu. Ele interrompeu a ligação, sorriu, perguntou pela minha mãe, me devolveu pra minha tia e eu continuei impune. Sem saída e justiça que me condenasse, a única coisa que pude fazer foi ficar de olho na amante do farmacêutico e ver quanto tempo levaria pra alguém mais morrer de saudade. Mas… Como ela nunca que morria, um dia eu cresci. Cresci e entendi tudo sozinha.
Hoje, assim como a amante do farmacêutico e o meu bisa, se for pra morrer, também espero que seja de saudade. Saudade do fim do mundo, dos sonhos, da minha mãe, das minhas tias, das mulheres que melhor me contaram seus amores, dos homens que melhor sussurravam ou esmurraram suas dores. Dos tios que nos visitavam, das viúvas do bairro, do seu João, seu Severino, do Betinho, das filas no orelhão. Saudade do bisa sorrindo de mim e querendo pular amarelinha tão velhinho do jeito que era… Quero mais é morrer de saudade.
Escrito por Alê Félix
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Escrito pela Alê Félix
24, novembro, 2010