Eu tinha dito que iria regularizar meu título pra votar no referendo, mas descobri que o prazo pra regularização acabou no mês passado. Dei graças a deus. Idéia estúpida aquela minha. Se eu tivesse regularizado, até agora estaria na dúvida sobre o que votar. Acho que, na hora H, seria sim. Mas enfim…
Algumas pessoas queriam saber como seria o processo de regularização do título caso eu o fizesse. Eu não fiz, mas meu irmão, que não volta e não dá as caras nas urnas há quatro eleições, passou pelo mico todo. Aliás, mico não, mico é votar.
Estou com ele no telefone… Ele tá dizendo que foi até o cartório onde ele tirou o título de eleitor, disse que queria regularizar a parada, apresentou o título e a carteira de identidade, rapidinho a mulher preencheu uns papéis, deu um boleto bancário pra ele pagar em qualquer banco no valor de R$9,10 (nove reais e dez centavos), ele pagou, voltou no cartório e fim. Isso tudo, segundo ele, sem fila e muito mais rápido do que o tempo que ele normalmente perdia na época que se dava ao trabalho de participar da palhaçada toda.
– O que foi?
– Medo…
– Medo do quê?
– De você morrer… De ter que ficar sozinha…
– Mais cedo ou mais tarde, isso vai acabar acontecendo.
– Eu vou ficar louca…
– Não vai, não.
– Claro que vou. Quem vai querer passar a vida ouvindo as bobagens que eu digo?
– Acredite, formará uma fila.
– E quem vai me cobrir quando eu estiver com sono e ficará na cama fazendo graça até eu adormecer?
– O próximo…
– … Eu não quero próximo. Além do mais, o próximo pode não entender nada de computadores. Já pensou? Quem vai arrumar meu micro quando ele der pau?
– O técnico.
– Quem vai programar o vídeo e gravar os programas que eu gosto?
– Seu irmão.
– E se eu ficar doente?
– A enfermeira.
– Mas… Onde eu vou encontrar alguém que tenha sempre as respostas que eu preciso?
– Nos livros.
– Quem vai lembrar de colocar meu óculos na bolsa quando eu for no cinema?
– Qualquer pessoa que queira ir ao cinema e saiba como você é teimosa e esquecida.
– Não… Eu prefiro morrer antes de você.
– Pode ser, mas você sabe que o contrário é mais provável.
– Você não entende… Se você morrer, quem vai cuidar de mim?
– Eu.
Dia 12 de Novembro na Feira do Livro de Porto Alegre.
Se você mora ou estará em Porto Alegre nessa data, me avise. Além do André Dahmer (autor do Malvados), eu e alguns autores do livro Blog de Papel, estaremos na cidade até o dia 15 de Novembro.

Um, um ano tomando todos os cuidados necessários pra não ficar gripada e vem o meu sobrinho e espirra na minha cara logo depois de receber seu presente do dia das crianças.
Uma gripe misturada com os dias mais quentes do ano… Eu vou morrer.
Engraçado, conheci pouquíssimas pessoas na minha vida que possuíam arma de fogo. Acho que duas pra ser mais exata. Vi de perto uma arma, no máximo, meia dúzia de vezes em trinta e um anos de vida e estive sob a ameaça de uma, somente uma vez.
Lá em casa, minha avó sempre dizia que filha dela jamais se envolveria com um homem que precisasse ter uma arma dentro de casa. Dizia: “não brinca com essa gente!”. Todas as filhas e netas concordaram e sempre acharam o ó do borogodó esses caras que falam em armas como se fossem parte do próprio pau. Uma tia minha chegou a terminar um namoro promissor com um sujeito que queria porque queria tirar porte de arma. E sempre nos pareceu uma atitude meio óbvia que, em uma sociedade, quem tem arma é bandido e que aqueles que precisam se defender com uma, ou estão de alguma forma envolvidos com bandidos ou estão com medo de assombração. Sim, porque as pessoas criam fantasmas em suas cabeças. Vocês viram, por exemplo, como o povo que é “NÃO fervoroso” é assustado? É, no mínimo, curioso o pavor que essas pessoas têm de ficar sem poder comprar uma arma. Aliás, queria saber quantas delas já as possui. A impressão que elas me passam é que, no dia seguinte do referendo, todas irão se armar até os dentes só pra fazer valer a lei. Como se estivessem no meio de uma guerra, como se estivessem com medo da vida mais do que de um possível assalto.
É estranho. Estranho saber que algumas, as que já possuem arma, estão fazendo até estoque de balas só por precaução. Estoque de balas pra atirar em quem? E as justificativas, então… uma melhor do que a outra. “Diga não a proibição!” Será que alguém sabe mesmo o que está dizendo quando diz isso? Daqui a pouco esses caras vão querer fazer referendo pra pena de morte e coisas do tipo. Quando eu era garota namorei um cara que foi proibido de andar por conta de uma bala “permitida”. O que ele deveria fazer depois disso? Tirar porte de arma, se esconder em casa e esperar pra dar o troco no próximo cara que tentasse lhe proibir viver? Graças a deus, pelo menos ele, não fez nada disso. Por mais piegas que digam que isso seja, ele disse sim pra vida. Foi tratar de namorar, se arriscar, aprender a dirigir e sobreviver sem suas pernas.
Eu sofri um seqüestro relâmpago dia desses e um amigo me disse: “tá vendo? se você andasse armada a história teria sido diferente”. Diferente do quê? Eu estou viva, estou bem, mal fui assaltada. Eu precisaria ser outra pessoa pra passar por uma situação dessas e achar que preciso de porte de arma no dia seguinte. Teria que pensar diferente, ter uma alma diferente.
Eu acho que é isso… Acho que a essência dessa história toda do referendo é essa. Ela expõe a alma das pessoas, expõe os medos, algo do caráter, expõe o que há por trás de cada discurso, de cada crença, de cada superfície. Não tô dizendo que quem vota SIM é isso e quem vota NÃO é aquilo. Não é nada disso. Tô dizendo que minha vó tinha razão: por melhores que sejam as intenções de um homem, como diabos você vai dormir ao lado dele com uma arma em sua cabeceira? Como diabos você vai viver com alguém que acha que precisa se armar para viver, sem ter nenhum grande motivo pra isso?
As pessoas deviam prestar mais atenção umas nas outras. Já ouvi cada papo furado. Gente dizendo: “você viu essa gente que vai votar SIM que ridícula? Sou da paz, sou da paz, o caralho. Bando de cordeirinhos babacas!”. E eu me pergunto, se o povo que votará SIM é isso, o povo que votará NÃO é o quê? Deixa eu ver se entendi… Ser a favor da paz agora é babaquice? É ruim querer viver em um mundo onde as pessoas não precisem de armas? Hum… sei. Mundo estranho. Mundo cada vez mais estranho. Cheio de jovens sem ideais, pessoas com medo de paz, amor… Gente que acha que precisa se armar. Mais? Como se violência a gente combatesse com violência e isso fizesse sentido.
Veja bem, volto a dizer que acho que existem boas e más pessoas em tudo que é canto. Tanto na galera do SIM, como na galera do NÃO. E seria um absurdo eu dizer o contrário porque tenho grandes amigos dos dois lados. Mas só por um momento, pare um pouco de ouvir os discursos e opiniões e ouça um pouco a sua intuição, o seu coração. Dá uma boa olhada na turma que vai dizer SIM no dia 23 e na turma que vai dizer NÃO. Tenta olhar direito. Não superficialmente, não o que elas dizem e defendem. Tenta olhar o tamanho do desespero que elas carregam no olhar e no tom de voz quando elas se manifestam. Tenta entender porque as pessoas têm tanto medo de uma mudança como essa. Depois que você fizer isso, mesmo que você ainda esteja em dúvida sobre o que votar no dia 23, te garanto que conhecerá melhor você mesmo e as pessoas a sua volta. Até porque escutar e observar sempre será o melhor jeito para se fazer escolhas na vida. Principalmente no que se refere aqueles que você quer e pode brincar.
Se vocês acompanham os Malvados do André Dahmer, convoco-os a entrarem na comunidade e deixarem o seu testemunho sobre as tiras. As melhores frases ou depoimentos serão selecionados e incluídos no livro que lançaremos em novembro. O nome do autor do depoimento, assim como endereço de blog (caso tenha) serão devidamente citados no livro, ok?
Diálogo da semana passada, logo depois de ler a matéria da Veja sobre o referendo:
– Na semana que vem tem resposta da Isto É.
– Claro que tem. A Veja levantou, eles só não cortam se forem burros.
– A Veja devia ter publicado essa matéria uma semana antes do referendo. Aí não teria tempo pra concorrência cair em cima deles.
– Qual você acha que será a chamada de capa da Isto É na semana que vem?
– “Nós não somos o centro do Universo, mas a Veja acha que é”.
Dito e feito. Erramos somente na capa da Isto É que veio com a chamada “7 razões para votar SIM, 7 razões para votar NÃO – SÓ VOCÊ DECIDE”. Erramos, mas não erramos tanto. Logo após o especial sobre o referendo, tem uma página inteira dizendo assim: “Nós não somos o centro do mundo. Você é”. Quase cai de costas. Fiz até um ola pra maridon. Eu no lugar do pessoal da Isto É teria pego um pouco mais pesado, mas eles mandaram bem. Foi uma resposta profissional, como todo veículo de comunicação deveria ser.
Hoje a noite, se der tempo, volto pra responder uns comentários e outras cositas sobre o referendo. Ah! Desculpem aí o post da bebedeira, tá? Caos! Agora chega de escrever porque daqui pra frente eu sou uma nova mulher. Sou a feliz proprietária de um personal trainer! Moreno, um metro e noventa e dois centímetros de altura (claro que eu não medi o menino! Meu Olho de Tandera é bom nessas coisas), rei do moletom, musculatura interessante, estrutura dentária promissora e… excelente profissional, excelente profissional.
Acho que maridon vai deletar esse post ou querer direito de resposta… Iu. Mulher casada não pode nem brincar. Droga. Tchau. Fui. Adoniran, meu personal, me espera.
conversando com um amigo, ele me perguntou porque eu não havia escrito sobre o seqüestro. Eu escrevi, mas escondi. É que eu estava tão triste naquela semana, que seria impossível olhar pra isso fora do rascunho.
Mês passado. Post escrito alguns dias depois…
Ontem, por volta das sete da manhã, um cara armado bateu na janela do meu carro e mandou que eu abrisse a porta do passageiro. Deu a volta pela frente do carro e eu pensei em atropelá-lo, mas não consegui. Ele entrou e mandou que eu “sentasse o pé”. Meus pés tremiam, minhas mãos tremiam e eu comecei a chorar enquanto guiava.
Ele estava nervoso. Olhava para trás o tempo inteiro e não parava de dizer que só queria se mandar dali. Eu também queria… Queria ir pra bem longe dele, daquela arma e de um pedaço da minha vida. Queria, tanto quanto ele, fugir para algum lugar que não tivesse um destino a me perseguir.
Minha bolsa estava embaixo do banco e ele não a viu. Assim como não me viu esconder o celular ao meu lado, pouco antes dele entrar no carro. Toda vez que ele tirava os olhos de mim, eu apertava os botões do aparelho e rezava para que caísse em casa e o Rube atendesse. Sem saber onde aquele seqüestro relâmpago poderia dar, eu torcia para que a idéia desse certo, ele ouvisse o que estava acontecendo dentro do carro e avisasse a polícia.
O cara perguntou se eu tinha dinheiro comigo, eu disse que não. Disse que tinha acabado de sair de casa para abastecer o carro e que só estava com o cartão de crédito. Em alguns momentos, eu me desesperava, achava que ele dispararia aquela droga de arma contra mim e acabava usando meu melhor escudo… Menti, disse que eu tinha filhos pequenos e que eles estavam me esperando para levá-los a escola. Disse que o caçula tinha apenas quatro anos e que era altista. Não me perguntem o porquê da mentira, achei que não bastaria dizer que as crianças tinham problemas de saúde. O problema teria que ter um nome se eu quisesse ser convincente e sobreviver. Disse que se acontecesse alguma coisa comigo eles ficariam sem ninguém porque eu não tinha marido e nem família… Tudo o que eu queria naquele momento era abraçar meu marido e minha família, tudo o que eu não queria naquele momento era ter filhos e considerar a possibilidade de morrer e deixá-los crescerem sozinhos. Ele, por sua vez, me interrompia dizendo que só queria ir embora, que nunca quis matar ninguém… E eu me perguntando quantas coisas ruins somos capazes de fazer mesmo sem querer.
Irritado com o trânsito, ele pegou o cartão de crédito que estava no console e mandou que eu parasse em um banco pra sacar dinheiro. Eu pedi que ele visse a data de adesão do cartão, disse que era um cartão novo e que só era usado para crédito. Era verdade, mas, com medo da falta de dinheiro estender a situação, pensei em avisar que a bolsa estava embaixo do banco. Pensei, mas as palavras não sairam.
O trânsito estava lento e ele queria, de qualquer jeito, que eu encontrasse um banco ou caixa automático na avenida onde estávamos. Eu disse que não fazia idéia de onde teria um, mas ele não acreditava e dizia pra eu acelerar. Uma viatura da polícia passou por nós e ele foi muito claro quando disse pra eu ficar quieta se quisesse continuar viva. A viatura passou, ele mandou que eu pegasse a marginal Tietê.
Mais trânsito, mais nervosismo. Mandou que eu parasse de chorar e fechasse totalmente o vidro para não chamar atenção. Disse pra seguirmos até o terminal rodoviário e continuava repetindo que só queria ir embora. Foi quando me dei conta de que o sujeito estava tão desesperado quanto eu, que ele não pretendia me matar e, talvez, só precisasse mesmo de dinheiro para fugir dali.
Chegando no terminal ele saltou do carro levando somente o cartão de crédito. Saiu correndo, escondendo a arma no corpo. Saiu sem desejar que eu tivesse boa sorte as crianças… Que crianças? Que sorte? Ele fugiu, eu voltei pra casa. Voltei chorando e sem nenhum abraço a minha espera. Sem abraços, sem família, sem filhos, sem nenhuma vida que valesse a pena ter sido preservada.