No começo dos anos 2000 eu dizia (e escrevia no blog) que “em breve” seria moda falar dos anos 80 e que rolaria uma avalanche de livros e filmes contando todas as histórias (principalmente as do cenário musical). Em Brasília, também por volta dos anos dois mil, meu ex-marido (na época um garoto que eu estava longe de conhecer), me contava que escrevia um roteiro de Faroeste Caboclo só para mostrar aos amigos do colégio, alegando que daria um puta filme. Ele tem isso guardado até hoje… Ou seja, todos nós pensávamos a mesma coisa, fosse por sermos naturalmente saudosistas ou porque aquela realmente foi a última década com algum encantamento envolvendo as pessoas, as artes, os comportamentos, a política.
Cheguei a achar que o “em breve” havia chegado com aqueles almanaques com fotos de Atari e Nina Hagen, mas eu estava errada.  A chuva das “produções de polaina” deve esquentar mesmo a partir desse ano e a TV, as editoras, o cinema e até a barraca de pamonha vai explorar isso ao máximo. Só essa semana, já ouvi falar de três grandes trabalhos em andamento e putz… Eu confesso: não consigo engolir o videozinho do dia dos namorados, adaptado para os tempos atuais, só porque é fundamental atender o cliente e vender tecnologia através das boas lembranças. Eu pensava nos livros, no cinema, em produções espontâneas que ganhariam espaço e, em seguida, poderiam até ser devoradas pelos oportunistas, até a gente não suportar mais ouvir Cazuza ou desejar enfiar uma batata na boca do Renato Russo.
Eu sei que é ingênuo, bocó à béça da minha parte esperar que, mesmo se tivesse sido um trabalho espontâneo, não se tornasse completamente comercial logo depois. Eu sei, mas fiquei triste de ver o começo dessa nova febre nas mãos de uma agência de publicidade, veiculada a uma marca, iniciada somente com o interesse de vender caixas de coraçõezinhos embalando celulares. Eu sei, eu sei e eu sei. O vídeo ficou engraçadinho, tô parecendo do contra, tenho o rabo preso com essa turma toda de publicidade, com as agências e não posso dizer nada (tô andando pra vocês, posso dizer sim! :b), mas tenho birra com empresas de telefonia que prestam um péssimo serviço mas, por serem as únicas opções do país, ganham fortunas para produzirem as publicidades certas e nos fazerem esquecer o quanto elas são escrotas e enriquecem as custas dessa nossa natureza de índio.
Enfim, relevem… Não é fácil pra uma adolescente que defendeu tanto o socialismo, crescer e ver uma produção tão capitalista, mesmo que hoje em dia eu não passe de mais uma consumidorazinha, uma capitalista babaca e… velha. Uma velha da melhor idade, melhor idade pros caras fazerem produtos e propagandas pensando em mim como “target”. Dá pra acreditar? Ainda não confio em ninguém com mais de trinta… Público alvo… Público alvo de adultos com dinheiro, lambedores de chefes, sem família, com família destroçada, sem tempo, sem vida, com ilusões afetivas e apegados a um passado tosco que misturava blusa verde limão com calça quadriculada. Que merda… Anos oitenta… Que é que eu tô falando? Vou tentar ter fé no futuro da nação, sabe? Porque o que deve ter tido de gente grande, nascida nos anos noventa, que viu o tal do vídeo e… “Eduardo e quem!?”.
Menos mau do que ver minha geração chorandinho com comercial no Youtube… Menos mau.


Escrito pela Alê Félix
9, junho, 2011
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É incrível como nosso ego nos faz procurar tanto amor fora e ignorar o tanto que há para ser cultivado dentro… Falo de família, falo dessa estrutura esquisita que nos condena a eternidade, oferece amor mesmo quando somos dignos de ódio, apresenta ao ódio mesmo quando somos dignos de amor, nos afasta, acolhe e – mesmo assim – trocamos por qualquer rapariga, rabo de saia, garoto bonito, festa de arromba, trabalho de adrenalina, trocado, qualquer bocado de amor que não se acha na esquina.

Passei o dia com o meu sobrinho, um pivetinho tagarela e afetuoso que – desde o dia que nasceu – me oferece muito mais do que recebe, me ensina sobre o amor muito mais do que fiz por merecer e me dá aulas sobre as verdades que procuro, embora eu tente cabulá-las só porque são dadas dentro de casa.

Vou cuidar da minha casa… Vou cuidar muito bem de todas as minhas moradias, todos os corações que permaneço, todos os lares que habito e me dão abrigo mesmo quando faço de tudo para não ser presente. Vou deixar de ser ausente, doente, demente… Juro.




Escrito pela Alê Félix
7, junho, 2011
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“As vezes me sinto uma mulher assustada, consumida por amores que me engolem e me cospem. Me sinto absorvida por sentimentos contraditórios, caçando amores passageiros, experimentando homens confusos,  descartando os que são verdadeiros.
E sempre há um querer que não posso, uma aflição de corroer coração, um tanto inesgotável de remorso.
Como se todos eles me espancassem enquanto eu cantasse, me ameaçassem e eu desdenhasse. Como se todos rasgassem um pedaço do meu vestido, depois me pedissem perdão e, envolvidos por todo o melodrama, terminassem na minha cama, até mesmo por falta de opção.”


Escrito pela Alê Félix
7, junho, 2011
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Sabe aquele tipo de gente que tem tanto medo de perder o pouco que tem e por isso se torna agressiva, provocadora, inconveniente? Conheci poucas pessoas assim no decorrer da vida (ainda bem). Quando as reconhecia, mesmo a distância, achava a postura deselegante, desesperada e essas são características que me levam a adotar desprezo imediato… Ou, em casos extremos, a vontade de dar uma boa surra em quem tanto pede pra apanhar.

O curioso é que só recentemente descobri o real sentimento que elas me despertam… Percebi que, toda vez que me sinto provocada a dar esse tipo de tapa, se eu olhar com um pouco mais de cuidado pra vida da figura e para o cenário todo que nos levou a essa situação, em seguida só o que resta é o sentimento de pena e alívio. Pena por constatar os medos e as misérias da vida de quem não se enxerga e sofre pra manter tão pouco em sua vida, alívio por saber que ainda tenho bons olhos e uma mão firme para acenar um adeus ao invés de dar um tabefe. Não quero meu cenário tomado por histórias toscas, tão breves quanto o prazer que podem me dar e figurantes desesperados.  Mal vale a própria pena…



Escrito pela Alê Félix
3, junho, 2011
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Andei desenhando uma linha para separar o passado do presente para não mais permitir que eles discutam. Mas, foi só rabiscá-la um pouco, perder um pouco das habilidades das mãos, para que a linha se tornasse um abismo e quase me fizesse despencar para sempre entre um e o outro.

Como ainda sou forte, antes de cair, consegui sacar um lápis de cor marrom pra dar força as raízes e um verde pela preferência das cores que me despertam a fé. Risquei em poucos traços um único galho de árvore , desses que surgem como se fossem mágica nos filmes de ficção e salvam os bons mocinhos. Subi assustada até o topo, cheia de folhas verdes coladas nas mãos e me dei conta do tamanho da queda, dos abismos que, quase sem querer, eu vinha desenhando e colando, misturando tudo para que nenhuma lembrança deixasse de me pertencer. Salva e tomada pelo fato de que todas as lembranças estão se desprendendo de mim, acho que passei a ter mais foco no passo do que nas linhas que desenho para só para me distrair com o tempo, os riscos e meus pensamentos.



Escrito pela Alê Félix
31, maio, 2011
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As vezes, mesmo sabendo que minhas contas são pagas porque vivo conectada, penso seriamente em deletar meus perfis, desconectar e achar um jeito de pagá-las vendendo água de coco na beira de alguma praia, bem longe de tantos fios, conexões ilusórias e vazios…
Mas aí eu lembro dos anos que vivi antes da internet, dos meios que circulei, dos nomes que já me batizei, das vidas que reinventei e dos amores, amigos e ofícios que o vento se encarregou de apresentar para o meu próprio inferno. Lembro da quantidade de vezes que, sob o sol e sobre o sal, pensamentos semelhantes me ocorriam sempre que eu pensava em suicídio enquanto construía castelos de areia disfarçados de paraíso. Lembro e, mesmo consciente de todos os fins, continuo nadando – viciada e de saco cheio do mar, sem a menor fé no horizonte e com todas as minhas forças – contra essas inevitáveis correntes da vida.
Um dia, se deus quiser – num desses momentos que aos olhos dos outros tudo parece castelo e só a gente sabe o peso da areia, num desses dias que mesmo sabendo voar nos sentimos jogados sozinhos em alto mar – espero sinceramente encontrar uma nau de coragem que me faça compreender de vez todos os sentimentos que nos arrastam da praia ao além-mar… Ou, simplesmente, que  me dê fôlego para desistir em paz em vez de descansar em paz.


Escrito pela Alê Félix
29, maio, 2011
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Anos atrás escrevi no Arpoador, lá na minha cidade maravilhosa, essa história aqui…

http://tinyurl.com/6drn7fb que foi achada por um diretor de cinema – Felipe Joffily e agora estamos no Festival de Cannes http://tinyurl.com/6jza9og.

E agora vim pra França as pressas participar do Festival de Cannes, passear pela Europa e ver meu roteiro nesse gol de bunda incrível que tô achando que fiz no cinema! Tão aí as informações e o meu twitter pra quem quiser acompanhar as novidades. Vou aproveitar pra escrever sobre os lugares todos, comidas todas, belezuras e meninos lindos todos, além de outras obviedades. Fui!

Saiu no O Globo “Sobre o Menino do Rio de @felipejoffily é um ensaio

lírico” http://t.co/g5HiFDv

Meu twitter @AleFelix – www.twitter.com/alefelix



Escrito pela Alê Félix
16, maio, 2011
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Saíamos do carro e a minha vontade era a de sair correndo, brincando, pulando dentro do carrinho do supermercado, mas eu ficava quieta. O acordo entre eu e meu pai era que, se eu me comportasse, poderia escolher algum presente no final das compras. Era só o que me fazia obedecer, não vou mentir depois de velha. Com a maior cara de pau, eu dava a mão pra não morrer atropelada enquanto cruzávamos o estacionamento, olhava para um lado e para o outro como  sempre eles me pediam e normalmente eu esquecia de fazer. Entrávamos pela porta principal, a porta de vidro se fechava e finalmente… voilà! Eu estava livre pra correr e brincar a vontade, contanto que não causasse nenhuma confusão!

Naquele dia, não quis entrar no carrinho nem muito menos ficar sentada naquela cadeirinha ridícula feita para bebês medrosos e sem a noção correta das alegrias de cada um daqueles corredores. Passei um tempo olhando a quantidade de flores diferentes que eram expostas na porta de entrada, tirei o dedo quando me pediram pra não mexer nas plantas mais exóticas e atravessei a seção de frutas e legumes sem muito interesse, apesar de gostar das cores. Ignorei a parte do arroz com feijão que só interessava aos meus pais, pensei em levar para o carrinho uma novidade de biscoito que tinha visto na televisão e ouvi minha mãe dizer – já um pouco distante – que não era pra eu me afastar muito.

Aquele era um dos passeios mensais mais divertidos que fazíamos em família e nem me venham dizer que era só porque éramos uma dessas famílias que acha que alimento é amor (embora realmente sejamos uma dessas)!

Quando se nasce em um bairro muito pequeno e muito pobre, ir mensalmente fazer a compra do mês em um SUPERmercado (e de carro!), ao invés de pegar fiado no mercadinho do seu Joaquim, já seria algo grandioso por si só, mas também tinha a questão do espaço, que era o que mais me fascinava. Talvez pela segurança da época, ali meus pais me deixavam solta e, sentindo medo de me perder deles, aproveitava cada momento de liberdade.

Eu devia ter uns cinco, seis anos de idade, no máximo. Minha irmã uns quatro, mas a diversão dela era ir na cadeirinha ridícula. A missão para os meus pais era a compra do mês, pra mim era desbravar a imensidão de novidades que eu poderia encontrar em cada metro quadrado daquele lugar gigantesco.  Podia correr, rodopiar estrelas (eu só girava nos corredores vazios), me esconder embaixo das gôndolas na seção das roupas, subir no carrinho de compras enquanto minha mãe não o enchia…

Normalmente eu nem via o tempo passar mas, naquele dia, nem tudo aconteceu como de costume.

Lembro de ter ficado entretida com uns peixes de aquário na seção voltada para animais de estimação e, quando voltei para a direção que meus pais deveriam estar… Cadê eles? Procurei num canto, no outro, embaixo das prateleiras, entre uma roupa e outra, nos corredores mais prováveis, estiquei o pescoço pra enxergar caixa por caixa e, de repente, me dei conta de que estava perdida.

Senti as pernas bambearem, os ombros contraírem, a barriga tremer. Um aperto no peito que parecia me roubar o ar… Uma porção de lágrimas empoçaram nos meus olhos e senti a minha boca cerrar num medo tão grande que – qualquer um que me visse – provavelmente morreria de pena de mim. Sabe rostinho de criança sentida, perdida e que está prestes a chorar aqueles choros que parecem tão honestos que nenhum abraço parece capaz de consolar?

Eu nunca havia me perdido… E que sensação ruim imaginar que “perdida” significava ter perdido pai, mãe, irmãzinha rídicula, irmão caçula que havia ficado com a minha vó, irmão que se tornaria o caçula e que eu estava brigando pra escolher o nome, minha vó brava, minha vó das flores, meu avô contador de histórias, meu avô cheiroso, minhas tias malas, meus tios que me levavam na garupa da bicicleta, minha cama, meus cadernos, as meninas que pulavam corda comigo na rua, minha tia Maria que me dava aula na escolinha e me acalmava conversando sempre que eu sentia muito medo do desconhecido… “Me perder” era perder de vista as pessoas que eu amava ou não ter nunca mais como reencontrá-las. “Me perder” seria ser obrigada a construir um novo caminho de sobrevivência, não ter como voltar para a rotina que conhecia e não agredia meu espírito. “Me perder” seria ter que crescer sozinha no mundo e aquela era uma sensação de desamparo que me engolia de dentro pra fora, me fazia sentir como se eu fosse a criancinha bocó de algum filme de terror ruim.

Já entrando em desespero, comecei a pensar as mais trágicas desgraças que eram possíveis de se passarem pela cabeça de uma criancinha bocó!

* Eu não podia dizer a nenhum desconhecido que estava perdida pois ele veria que eu era aparentemente uma criancinha idiota e me levaria para um laboratório aonde eram extraídos cérebros de criancinhas idiotas.

* Eu seria levada pra uma casa de gente ruim que bate e obriga crianças a venderem coisas no farol.

* Na casa de gente ruim, alguém bem ruim extrairia o meu cérebro até eu ficar com a cabeça deformada, partida no meio até o queixo e recebendo três vezes mais pelas balas vendidas no farol.

* Eu viveria pra sempre sozinha pelas ruas e arredores do supermercado, teria que encontrar vassouras e cobertores pra improvisar uma cabaninha habitável até me tornar gente grande. Até o dia que eu seria bem grande, a maior do mundo e construisse uma nave espacial que resgatasse crianças das casas de gente ruim.

* Na minha nave espacial, todo mundo poderia tomar a minha fórmula mágica para ser encontrado pelos pais, pelos amigos ou poderia entrar na minha máquina do tempo e voltar para o segundo anterior que nos faz não ouvir nada a nossa volta e se afastar das nossas pessoas.

Uma moça se aproximou de mim perguntando aonde estavam os meus pais, mas eu corri. Quem me garantiria que ela não era uma das sequestradoras oficiais das casas de gente ruim?

Comecei a chorar pra valer quando lembrei que eu ainda não havia decorado o endereço de casa, nem o telefone do trabalho do meu pai e toda a minha vida estava arruinada pra sempre porque eu havia enterrado a caixa nova de bijouterias (parecia um baú de pirata, era fundamental que fosse enterrada!) da minha mãe no quintal e nunca mais ela a acharia, nem me perdoaria por ter desaparecido com tudo o que pra ela era tão valioso…

Nunca, nunca mais eu seria feliz, nem brincaria na rua, nem dormiria no quentinho, nem nunca mais ganharia nada do meu pai no final das compras, nem nada… Nunca mais tudo!

– Como é o seu nome, menina?
– …

Óbvio que eu não ia dizer nada! E nem era porque ele tinha cara de gente ruim, era só porque eu não conseguia parar de chorar mesmo…

– O gato comeu sua língua? Ok, não quer falar não fala. Vai que você é uma garotinha muda, não é mesmo?

Tive vontade de gritar que eu não era uma muda coisa nenhuma, de morder a canela dele, mas ele foi mais rápido…

– Prezados senhores, tem uma menina perdida e chorando sem parar embaixo da prateleira dos novos brinquedos, seção oito, comendo um pacote de biscoito. Pai e mãe, favor virem buscá-la.

Nem precisei morder aquela canela esturricada, embora tenha sentido vontade de fazê-lo engolir aquele microfone… Só não fiz isso porque nada, nada é mais reconfortante do que ver a cara do pai e da mãe da gente, de qualquer gente que pra nós é gente boa, depois de termos nos afastado tanto.

Depois desse dia, me perdi mais uma meia dúzia de vezes, mas por algum motivo a vez seguinte sempre era mais fácil de lidar e encontrar do que a anterior. De vez em quando, eu me perguntava porque é que eu continuava arriscando ir pra longe, se a possibilidade de me perder estava sempre nessa direção… Mas eram só pensamentos que passavam e nunca que me impediram de seguir a diante.

Não tenho mais cinco anos,  mas toda vez que me sinto sozinha, toda vez que me sinto uma pessoa menor do que o resto da humanidade, é como se eu ainda fosse incapaz de voltar pra casa e ter meu mundo de volta. Nessas horas, por maior que eu já seja, é como se o supermercado agora fosse o mundo e, chorar sentida embaixo de algum lugar quentinho, ainda fosse minha única salvação.



Escrito pela Alê Félix
11, maio, 2011
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