Acordei de regime! Cortei alguns defeitos como a arrogância, a teimosia e a minha inesgotável preguiça. Cheguei à conclusão de que preciso muito melhorar a aparência da minha personalidade.

A preguiça, por exemplo, tem sido de longe minha maior falha. Chego a ter preguiça até de conhecer pessoas, acredita? Se alguém não me desperta o interesse nos primeiros minutos, adeus! Não quero mais saber… E juro que nesse caso não tem a ver com a arrogância, nem só com o egocentrismo bocó que tento domesticar, mas com a mais pura e genuína preguiça. A pessoa começa com papinho, tédio. Começa com nhenhenhem, durmo. Demonstra não ter noção, morro.

Mas eis que o tempo vai, o tempo voa e sair, mesmo que por diversão, também tem me cansado. Não só mentalmente, mas também fisicamente. Cheguei a achar que o regime da personalidade precisava se estender pro corpitcho rechonchudo que deus me deu. Comecei a caminhar, cortar todos os excessos de coisas e alimentos que não preciso no dia a dia. Entrei numas de que quero optar por uma mente leve, uma vida leve, um corpo leve, gente leve, papo leve (algo dificílimo pra mim, que só sei falar de relação).

Uma hora andando, duas, três e tô viciada! Comecei até a achar que nasci pra fazer peregrinações! Só ando com receio desse negócio de ter que tomar água. Encanei que água é realmente uma parada que limpa. Dannn, eu sei, tô falando sério. Parece retardadice minha, mas é serio. Já ouviram falar de terapia da água? Gente que se cura bebendo água, que evita doenças e não sei o que mais só bebendo água de forma um pouco mais consciente do que o normal. Já ouviu falar? Tô achando que vou testar. Principalmente porque percebi que já fiz muita bobagem com o corpão de maria-parideira que deus me deu… Passei a vida tomando refrigerante no lugar de água e achando que pele de pêssego era fruto de creme de colágeno e mão de esteticista. Maluca e fútil, eu sei.

Aliás, por favor, me lembrem de aparar diariamente a futilidade, tá? O regime de construção do caráter agradece. Vou caminhar e tomar água diariamente. E fazer peregrinações, seguir em frente numa versão 2.0!

Mas aí eu pensei também… “Cara, mesmo caminhando, eu passo muito tempo trabalhando… Como é que vou fazer pra lembrar de tomar água, enfiada na internet o dia todo?”.

Plugada com o invisível que sou, eis que deus ouviu minhas preces e caiu na minha caixa postal o e-mail de uma agência de publicidade, me perguntando se eu não queria uma geladeirinha que tuitava e vinha carregada de água…

Dá pra acreditar? O universo conspira! 🙂 E o resultado dessa brincadeira toda de pensamentos e viagens na maionese é que quem acompanhar o meu perfil @AleFelix, receberá alguns tweets da mini-geladeira por alguns dias. Isso, além de conferir se a minha personalidade tá mesmo ficando bonita ou se vai continuar deixando a desejar…

A Bonafont, água da Danone, é a empresa que lançou a mini-geladeira que comporta 4 garrafinhas de água e tuíta! A Wundermn desenvolveu a tecnologia, inspirada na recomendação da Organização Mundial da Saúde, que orienta essa média diária de consumo de água. Digam o que quiserem, eu achei cabulosa!

E em breve vão rolar minhas peregrinações! Vou fazer o Caminho dos Jesuítas lá no Espírito Santo, assim que eu tiver uma brecha do trabalho. Aguardem aí!



Escrito pela Alê Félix
31, agosto, 2011
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Ignorei antúrios e copos de leite… Desprezei cravos e crisântemos. Fiz bem me quer e mal me quer com lírios e girassóis… Não reguei narcisos, nem jacintos… Nunca conversei com as rosas. Mastiguei amores perfeitos, assim como engoli uma e outra boca de leão. E hoje eu me arrependo… Só me arrependo. Caminhei brincando de chutar as pedras e, hoje, vejo que elas se espalharam e acumularam diante dos meus próximos passos. Arrependo-me com todas as lágrimas que poderiam ter banhado o resto de verde que restava na última curva… E me sinto atravessando um deserto sem o menor sentido, sem a menor graça, quase sem nenhuma esperança. Sem vergonha nenhuma eu volto atrás, assumo equívocos, tomo outro rumo, confesso minha culpa, prometo entrar na linha e te tratar como deveria. Mas você diz que é oásis e eu te imploro por água. Eu me arrependo… Digo e ajoelho, mas não tenho como deixar de repetir que nossa coragem para seguir em frente é desejável, a minha para o arrependimento deveria ser louvável, mas a sua para fugir de mim sempre foi detestável. Me arrependo, mas não entendo… Pra que tanto “não” depois de sabermos que os êxtases só precisam de “sim”? E lá vou eu vendo as pedras acumulando, acumulando, acumulando. As flores secando, secando e secando… Flores? Que flores, não é mesmo? Não chove, sinto frio, me alimento de cinzas orando por um pouco mais de cor. Não chove, mesmo que eu chore. E sigo achando que Deus não vai mais me ouvir, vai me punir com o seu não e mais alguns pedaços de concreto. Vai dizer que acostumei, já peguei o jeito e que, tantas foram as vezes que pisei sobre as flores do asfalto que só me resta a distração de colher as pedras pelo caminho…



Escrito pela Alê Félix
30, agosto, 2011
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Meu bisavô paterno era um grande sedutor… Das lembranças que tenho dele, a mais forte foi a que me levou até a Itália no começo desse ano. Não deu certo encontrá-lo por lá, voltei triste achando que ele não estava mais comigo e que toda a alegria repetida na memória, podia ter se perdido e me confundido com o passar dos anos.

Já bem grandinha, lá pelos meus quatro anos, quando eu chegava em sua casa, corria para o berço de balanço que ele havia feito pra mim. Qualquer pai e mãe ao ver o bisavô ter o trabalho de cortar madeiras e preparar um berço pra bisneta, devia achar que aquilo seria um presente pra casa onde o bebê moraria, mas não era essa a intenção do velhote…

O berço ficaria na casa que ele escolheu morar depois da morte da minha bisavó, uma que ficava em frente a uma praça sem flores, mas cheia de postes de luz que ele dizia serem casinhas de vidro que hospedavam gotas de fogo. Os dias dependiam do sol forte naquela rua, mas as noites eram sempre encantadoras mesmo que chovesse, fizesse frio ou calor. E ele me levava pra rua no mesmo instante que meus pais entravam na casa, pedia pelo amor de deus para deixarem ele ficar comigo um pouco, alegava que as moças da rua adoravam ver homem cuidando bem de criança. Era irresistível…

Todo mundo ria da sua veia galanteadora… Chegava-se a achavar que ele disfarçava o afeto que tinha por mim dando desculpas para paquerar na rua, assim não daria bandeira de sensibilidade familiar. Meu pai contava que a vida dele tinha sido uma enorme festa, que a vida de caixeiro viajante foi escolhida só para que ele não se perdesse da própria vida. Chegava nas cidades e, dizem, faziam festas para recebê-lo. Minha bisavó sempre querendo matá-lo, se matar ou matar meia duzia de mulheres que o rodeavam. Dizia que morreria do coração, morreu de velhice, minha nona… E pedindo que ele não demorasse muito a encontrá-la do lado de lá, pois tinha medo de não encontrar muitos motivos pra sorrir, fosse no céu ou no inferno. Todo mundo chorou ao ouvir o último pedido, ele fez o sinal da cruz.

E eu me amarrava naquele balanço do berço… Meu bisavô não carecia de grandes recepções ou comemorações pra se divertir. A festa era ele, a festa estaria onde ele estivesse, sempre. E o Dom Juan bigodudo me levava pra tomar sol ou lua na calçada, arrastava o berço no braço, me colocava no outro feito pacote de pão. Puxava uma cadeira, se ajeitava e começava a cantarolar suas músicas prediletas em italiano…

Eu não entendia nada, mas pulava sem parar dentro do berço. As senhoras paravam diante da cena rapidamente, rodeavam o berço tecendo elogios mentirosos sobre a fofura de criança franzina e quase triste que eu era, ouviam meu bisavô floreando palavras para presenteá-las, exibindo o berço feito pra bisneta e com as suas próprias mãos. As mãos grandes que surgiam enquanto ele dobrava os punhos da camisa, sabendo que detalhes e dedicação nunca deixariam de prender os olhos e o coração de uma mulher. E juntava uma, duas, três e ele partia para a cantoria, a voz mais adequada para os momentos que existiam mais mulheres a nossa volta, do que ele seria capaz de administrar através das suas próprias palavras.

Eu havia esquecido tanto dele… Lembrava do berço, das mulheres em torno de nós cantando em italiano enquanto eu me acabava de pular no pequeno colchão e de achar ele o cara mais atraente e divertido do mundo… Não lembrava das músicas direito, mas sabia que morreria sem esquecer do seu olhar.

Trinta anos depois, minha mãe me liga num domingo a tarde, com frio, chuva e sem nenhum som que despertasse a minha atenção. Queria saber se eu estava bem, saber porque diabos eu não apareço mais e dizer que meu pai anda impossível, não pára mais em casa, ninguém sabe da vida dele e blá, blá, blá.

Por via das dúvidas, liguei pro meu pai em seguida só pra saber se realmente ainda havia esperança daquele coração de setenta anos continuar achando que tem vinte. Ele atendeu cantando e continuou cantando, sem nem sequer me dar um “alô”.

“Sapete perché il mondo va? Perché intorno al mondo gira l’amore…
E allora com’è, oh mamma dimmi tu, che avevo un bel biondino e ora non l’ho più?”

– Que música é essa?
– Gigliola Cinquetti!
– Canta mais aí!

“Caro bè bè, tu non lo sai… Chi non ha soldi non naviga mai navega sempre. Caro bè bè, la verità… È una farfalla che viene e che va.”

Ele vai morrer achando que tem vinte anos…

– E onde foi que você aprendeu italiano pra cantar bem assim!?
– Você não vai acreditar!

Ele é empolgado pra caralho… Eu devia ter usado o Caps Lock pra escrever essa última frase dele.

– …Eu ouvi essa música esses dias! Do nada! Olha, tô quase acreditando que veio do além, sabe? Porque lembrei na hora de onde já tinha ouvido! Seu bisavô vivia cantando! Você lembra? Acho que você ainda não era nascida…
– Era…
– Ou era? Era!? Puxa vida… Então você também lembra!

Não… Ele não cheira. A única droga que ele usa na vida é banana com mel e aveia no café da manhã, antes do cooper matinal. Há quarenta anos…

– Fui atrás da música e achei! Demais esse negócio de internet, né!? Eu não sei nem ligar aquele computador, mas seu irmão gravou pra mim, mostrou como era e eu achei sensacional! Agora fico ouvindo o dia todo, não sai mais da minha cabeça…
– A mamãe tá achando que essa sua felicidade é mulher…
– E desde quando mulher pode ver homem feliz sem achar que é outra mulher?
– E não é?
– Não! Escuta essa música! Felicidade é essa música! Ouve! Ouve… Fica aí no telefone que vou pôr pra você ouvir. Olha só…

E aumentou o som do carro, e eu sorri e foi como se meu bisavô surgisse ao meu lado, com todas as moças sacudindo vestidos a nossa volta… Quase consegui cantar um pedaço junto com meu pai, sem fazer a menor ideia da pronuncia das palavras ou mesmo seu significado. Um instante de festa num dia frio, mesmo eu achando que estava completamente sozinha.

Velhote filho da mãe, meu bisa… Eu devia imaginar que ele nunca desampararia nenhuma das mulheres da sua vida, em momento algum.

“E ele me disse… Não pense sobre isso, menina. A vida é uma esperança que caminha. No coração deixei-lhe uma estrela. Caminha que a estrada é linda!”.

Gira l’amore (caro bébe)



Escrito pela Alê Félix
22, agosto, 2011
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Cada dia que passa me sinto mais forte, mesmo que ainda não passe de uma completa despreparada pra lidar com as mudanças impostas pela vida…

Meu melhor e mais breve amigo de todos os tempos acabou de voltar pra Argentina. Deixei ele no aeroporto, prometi escrever, mas ainda não consigo. Gonzalo me fez lembrar novamente do valor da amizade, da alegria, da sintonia que nos basta. Achei que eu fosse morrer de chorar vendo ele ir embora, mas não foi o caso. Nunca precisei me separar de amigos que moram a mais de dois mil quilômetros da minha casa e achava que, no caso dele que é o cara mais legal e engraçado dos últimos anos da minha vida, doeria mais do que me separar de uma porção de namorados. Foi o contrário, acabei descobrindo que ver um amigo ir embora não é, nem de longe, uma situação dramática e sentimentalóide como é com alguém que gostamos de amor apaixonado e não de amor de amizade. Voltei do aeroporto de Guarulhos muito melhor do que já voltei de outras cidades vizinhas. Dessa vez, sem lágrimas, sem inseguranças, com vontade e disposição para nos encontrarmos de novo e assim que possível. Sem drama, sem nenhum tipo de não. Talvez, essa seja a diferença entre as relações de amor de paixão e as de amor de amizade… As de amizade não tentam nos fazer feliz, mas abrem espaço pra simplesmente sermos.

Mas vamos deixar isso pra lá, depois eu falo mais de Gonzalo. Agora, tenho que assistir um filme de terror e não faço ideia de como fazer isso com atenção. Minha vida no mundo do cinema está cada vez mais intensa, fechei com mais duas produtoras de cinema o trabalho de coordenação das redes sociais e estou mais segura e satisfeita com a minha decisão de ter escolhido priorizar escrever e me deixar levar por esses caminhos que o cinema tem me levado.

Mas vamos deixar isso também pra lá…Preciso parar de enrolar escrevendo esse monte de nhenhenhem, essa tentativa descarada de evitar os dois DVDs de terror que estão na minha frente. Como perder o medo de tudo o que é visivelmente uma bobagem? Como é que faço pra ver um tipo de filme que sempre me recusei a assistir? E o pior é que dessa vez nem namorado pra segurar a minha mão e me contar as partes que vou perder fechando os olhos, vou ter. Nem namorado, nem meu amigo argentino querido que se estivesse aqui, estaria se divertindo com a missão de ver sangue, terror, criaturinhas sinistras e dona Katie Holmes…

Algumas distâncias são arregaçadoramente tristes… Não vai ser fácil deixar de ser medrosa, não vai ser fácil deixar de ter medo do escuro. Não vai, mas eu vou.



Escrito pela Alê Félix
20, agosto, 2011
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Querido Deus, essa semana prometo lavar minha boca com sabão, ser menos tagarela sobre relação, pegar leve com os bons drinks e voltar a fazer o dever de casa sem reclamação sobre a sua pessoa. Por favor, continue achando que tenho menos de dez anos e cuidando de mim como de costume, tranquilo? Sei que no ar, no ar, você é assim… Brilho do farol, além do mais, amargo fim, simplesmente sol. Mas sei também que você sabe que o que sai de mim vem do prazer de querer sentir o que eu não posso ter. E que o que faz de mim ser o que sou – você sabe – é gostar de ir por onde ninguém for. Sendo assim, caro Deus, não vou fugir meu bem, pra ser feliz só pólo sul. Prometo viver, viver e não fingir, esconder no olhar, pedir não mais que permitir. E juro por você que vou continuar com a imaginação e a disposição necessárias pra me manter na lista da pivetada do alto coração, mais alto coração. Sem mais por essa semana, valeu aí, beijo, sou fã, te clicaria em curtir se a página tivesse sido criada por você e não pelos paga-paus, não é xaveco, valeu de novo, se me ajudar a fechar aquele contratinho fico te devendo essa, amém e até a semana que vem. Fui, mas na falta de um rock do bom ou quem sabe jazz, som sobre som… Bem mais, bem mais…



Escrito pela Alê Félix
15, agosto, 2011
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Desmoronamos no chão… No mesmo instante senti suas pernas entrelaçarem minha cintura. O cansaço era tanto que me permiti repousar o corpo por um instante. O cheiro, o suor, a adrenalina, os sentidos se misturavam e eu sentia a cabeça girar. Desde que o conheci, não conseguia controlar meus pensamentos. Não, eu nunca havia sentido nada tão forte. Os quadris perfeitamente encaixados se movimentavam vez ou outra e me confundiam ainda mais. Mas não… Não podia ser assim. Tentei lutar, sabia que não resistiria a outro golpe como aquele.

O cheiro… Que cheiro bom ele tinha. Cheiro de homem, cheiro de homem forte, que não se dá por vencido nunca. Um cheiro que me embriagava, um cheiro que me levaria à lona em questão de segundos se eu perdesse a concentração.

Mas era só tesão… Um tesão fincado na alma, um olhar de contemplação, inevitável e destruidor.

Não podia olhar em seus olhos… Eles me denunciariam. Denunciariam toda a minha fraqueza e fragilidade. Como era difícil resistir àquele corpo, aquela pele… Desviei o olhar o quanto pude.

Tudo o que eu queria era me entregar sem resistência, sem medo… Não, aquele não era o local apropriado. Queria acariciá-lo, beijá-lo, sentir a língua além da rigidez daquele maxilar. Queria que ele me penetrasse, me penetrasse profundamente a carne virgem e latejante.

Um friozinho gelado e entorpecente percorria minha espinha toda vez que seus lábios encostavam no meu pescoço, nas minhas orelhas. Nossas respirações ofegantes batiam em um só compasso… Uma sincronicidade de sons e gemidos que me faziam enlouquecer de desejo.

Bruscamente ele virou o jogo. Rolamos pelo chão até que ele segurou meus braços com força e ficou em cima de mim. Seu membro roçava minhas partes mais íntimas… Pude senti-lo por completo, pude sentir a espessura, o tamanho, pude imaginá-lo milimétricamente. Imaginei-o desavergonhadamente em minha boca, rijo e cheio de gozo. Minha imaginação me levaria à loucura se tivesse mais tempo. Aquilo precisava acabar logo.

Senti seus dentes em minha orelha. Gritei. Gritei um grito que misturava raiva e prazer. Não, não podia me deixar levar pela emoção, ele não podia fazer isto comigo. Aquilo não era certo. Revidei, revidei como pude às suas agressões. Revidei com dor, com hematomas e ferimentos que, certamente, o tempo não curaria. Revidei com todas as forças que ainda me restavam, até que ele desistiu.

Ao ver aquele homem, o homem que eu desejei, o homem que eu quis pra mim, ao vê-lo prostrado aos meus pés; eu chorei. Chorei como eu nunca havia chorado. Chorei diante de uma multidão que aplaudia, de pé, a minha vitória enquanto eu me dava conta da minha derrota.

Nada mais seria como antes em minha vida. Ele não sabia, ninguém poderia saber mas, ambos, estávamos diante de um grande fracasso. Para mim ficou claro que aquele era o nosso último encontro e o começo de uma vida que eu não me permitiria viver. Era o fim de uma carreira de vitórias. Vitórias que um dia afirmaram a minha masculinidade e que agora me traíam. Ele levantou, me abraçou e disse quase sem palavras…

– Parabéns, meu camarada! Grande luta. Prometo que no ano que vem eu tiro de você este cinturão e recupero meu lugar no pódio.

* Escrito no começo dos anos dois mil no site Clube da Lulu, publicado no livro Balde Gelo. Na época o título era só “A Primeira Vez” e muita gente não entendeu que o que eu havia feito era só uma brincadeira ao agarra-agarra das lutas de Vale Tudo que, aos meus olhos, eram altamente eróticas e não me deixavam acreditar que aqueles rapazes não achavam gostosinhas algumas daquelas encaixadas da luta. Como estou recuperando os textos do site antes que ele seja deletado, ao reler essa publicação depois de todos esses anos longe dela, quase não a salvei de tanta vergonha. Deus do céu como isso é ruim… Ruim e vulgar, mesmo sendo uma tiração de sarro. E olha que tiração de sarro tem passe livre no quesito coisa ruim da minha vida! Enfim… Tá salvo, mas que fique claro que é só pra eu nunca esquecer de que publicar na internet é uma coisa e em um livro pode se tornar a morte. Se arrependimento matasse, queria ver quantos escritores ruins estariam vivos nesse mundo!



Escrito pela Alê Félix
11, agosto, 2011
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Ela levanta antes do sol, prepara o café de olhos fechados, acorda os filhos com o coração apertado, sacode o marido sem nenhuma alegria e se prepara para mais um dia. Se maquia de fantasia, se veste de mulher maravilha e se equilibra no salto, do alto da independência que acredita que conquistou.
Chama todos para o café, chama mais uma vez, dá bronca na empregada, coloca os filhos no ônibus escolar, despede-se do marido com o beijo diário, marcado pelo atraso do horário.
Dispara seus gritos acumulados na buzina do carro, organiza sua agenda em pensamento, respira a saudade de um último trago de cigarro. Com o trânsito parado e a mente acelerada, segue para o trabalho que só que lhe dá é trabalho.
Distribui sorrisos de bom dia, almoça alface, devora chocolate, liga para os filhos para certificar-se de que está tudo sob controle na terceirização da boa educação. Dá ordens, recebe ordens, dá conselhos à colega ao lado e esquece dos próprios caminhos onde possa ter errado.
Corre para a academia depois do expediente, precisa estar em forma. Corre para casa, o jantar não demora. Na mesa, conversa com o marido sobre o dia. Com os filhos, verifica a lição de casa, faz papel de mãe. Sem vontade, desiste do papel de esposa, mas finge um pouco mais. Determina a hora de todos dormirem e lê um conto de fadas enquanto acompanha com o olhar o adormecer do seu lar.
Ela não dorme. Não consegue. Toma um banho, lava a alma e o cansaço, mas não consegue dormir.
Tenta distrair-se no computador, mas acaba pagando contas, lendo más notícias e o resumo da novela perdida. Olha com frio na barriga para uma sala de chat, pressiona o “Enter” com uma leve sensação de pecado, sorri diante da tela, mas foge antes que a brincadeira ameace o seu reinado.
Questiona-se por um instante, proíbe-se de pensar. Agarra-se as certezas da rotina, da inabilidade pra liberdade, da vida que acredita ter sido uma escolha…
Estica as pernas no confortável sofá da sala, folheia algumas revistas e se dá por satisfeita por ter uma família. Aperta os olhos em busca do sono perdido, o sono não vem. Ela abre os olhos, olha à sua volta, abre a janela, fecha a porta, volta pra cama, apagam-se suas luzes diante da falta de show. Ela também está só… Completamente só.

* Escrito em 2005 no site Clube da Lulu. Salvando o passado antes que o provedor o jogue na fogueira do delete.



Escrito pela Alê Félix
10, agosto, 2011
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Cortei o dedo com a faca do pão quando eu tinha uns cinco anos de idade e lembro, até hoje, do tanto que chorei achando que o corte me mataria. Um dia antes do acidente mortífero, uma vizinha havia falecido atropelada, ensanguentada no meio da rua. Eu não sabia nada sobre a morte, mas o zumzumzum da rua me dizia que tinha a ver com sangue, cabeça no mundo da lua e um passaporte para o céu.
Minha tia me deu um cutucão tentando ensinar a lição…

– Ó o que dá não olhar pro lado antes de atravessar a rua! Viu? Morreu de cabeça no mundo da lua! Igualzinho vai acontecer com você se não prestar atenção por onde anda.

Um homem na calçada dizia pro outro…

– Perdeu muito sangue… Já era. A morte é certa.

Meu avô apareceu no meio do povo, viu minha tia urubuzando a tragédia, me arrastando com ela e tratou de nos tirar de lá…

– Já pra casa as duas!
– Eu quero ver!
– Ver o que, menina? Gente morrer?
– Por favor! É a primeira vez que eu vejo de perto! Quero ver se a alma sai realmente pelo nariz! Por favor, deixa eu ficar… por favor, por favor.
– Vô, o que é morrer? O que é vai sair do nariz da mulher!? Me contem!
– Tá vendo o que você fez? A menina tem cinco anos, não tem idade pra saber dessas coisas não. Você nunca viu a morte e ela nem sabia do que se tratava até você trazê-la até aqui.
– Com a idade dela eu já sabia o que era… Não tenho culpa que ela é mimadinha bunda mole.
– Eu não sou bunda mole!
– É sim! Tem medo de tudo, é cheia de nhenhenhê… Blerg!
– Então me conta o que é morrer já que você sabe!?
– Não vou contar nada! Por sua causa a gente tá indo embora…
– Vô… me conta vai… O que é morrer?
– É uma viagem… Sem volta. Para o céu.
– Tipo… de avião?
– Não, sua burra! Só a alma que vai embora, não o corpo.
– O que é alma?
– É o fantasma que fala na cabeça da gente e que sai pelo nosso nariz rumo ao céu quando o coração para de bater. Mas só vai pro céu quando a alma tá muito cortada de emoção, repleta de sentimentos vividos…
– Quer parar de falar besteira pra menina! Vamos embora. Venham… Venham pra cá que levo vocês de volta pra casa.
– A gente tem um fantasma que mora dentro da gente!?
– Tem. A alma.
– E porque ela vai pro céu quando a gente morre?
– Nem sempre… Pode ir pro inferno se você for ruim e não aprender a fazer carinho nas suas cicatrizes. Se a alma estiver cheia de feridas que dão nojo e te fizerem sentir ódio, você vai pro inferno sim.
– Vôôôô… é verdade isso?
– Lá vai a chorona começar a chorar.
– Não vou nada! Eu sou forte!
– Não ouve o que a sua tia diz… Vamos embora. Não quero mais ouvir conversa.

Não chorei na hora, mas senti muita vontade e me senti tão, mas tão fraquinha e sem conhecimentos das coisas que talvez nunca mais adiantasse dizer que eu era forte e devesse assumir que não passava de uma mimadinha bunda mole.

Mas… No dia seguinte, depois de cortar o dedo na faca de pão, ao entrar em desespero achando que eu ia morrer, minha mãe tentava me acalmar e segurar enquanto minha avó ligava a torneira e empurrava minha mão pra debaixo da água, na tentativa de lavar o sangueiro todo. Minhas tias olhavam a cena e eu achava de verdade que nunca mais voltaria a vê-las, que estava prestes a deixar as brincadeiras da rua e veria, numa fração de segundos, meu fantasma ir para algum lugar que eu ainda não era capaz de saber se seria bom ou não.

Apesar de nunca ter feito nada aparentemente muito errado, já tinha dúvidas se meu destino seria o céu ou o inferno e se alguma das minhas malcriações ou pirraças infantis poderiam ser interpretadas como feridas na alma. Como eu não sabia de nada, só me restava experimentar as novidades dos sentimentos como a culpa e os questionamentos sobre a brevidade do corpo e como lidar com as emoções.

Quando o corte estancou e eu vi que não morri, apesar de ter soluçado todo o resto do dia e sentido muito, muito medo… Percebi que alguns cortes são menos profundos do que parecem na hora que o sangue se mistura com a água corrente e as nossas lágrimas. Minha mãe chorou comigo naquele dia, de tanto que me viu sentida. E pediu que eu me tornasse uma moça mais forte, menos chorona. Já, minha avó, profetizou o tempo de todos os meus processos de cura…

– Daqui dois anos você nem vai mais lembrar que isso aconteceu, nem vai reparar na cicatriz e vai rir desse escândalo horroroso que acabou de fazer. Ouça sua mãe e seja forte. É importante se machucar…
– Mas eu não quero morrer!
– E eu não quero que você seja covarde. Não vai ser um machucadinho qualquer que vai te matar.
– Vai sim!
– Não vai. Isso é mimo. Ser uma garotinha mimada é uma falha dos pais, mas tornar-se uma mulher mimada será uma falha sua. Você vai querer ser assim quando crescer?

Desligada que sou, me cortei diversas vezes depois daquele dia, chorei um pouco menos, mas nunca deixei de chorar toda vez que me machucava ou sentia medo ou perdia alguém pra vida ou pra morte. Nunca me senti forte, não consegui evitar alguns escândalos, mas disfarcei o suficiente pra não ver minha mãe chorando junto comigo ou deixar minha avó a par das minhas falhas de caráter. Percebi que os cortes doem mais na hora, que a dor passa, mas é ilusão achar que não vai doer mais um pouquinho nos dias seguintes. Aprendi que até cicatrizar é melhor deixar as facas de lado pra não correr o risco de sofrer de dor com um corte em cima do outro. E que a cicatriz pode ficar bem feia por um tempo, mas realmente se torna parte do nosso corpo em pouco menos de dois anos. Algumas mais largas, outras quase invisíveis, mas todas elas com uma história de vida ou de morte, de céu ou inferno, de família ou fantasma e um único remédio: aconteça o que acontecer, não esquecer de encher a alma de soluções antissépticas e rezar pra ela ter experimentado tudo o que precisava para – um dia – escapar pelo nosso nariz e se mandar direto para o céu.



Escrito pela Alê Félix
9, agosto, 2011
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