Meu bisavô paterno era um grande sedutor… Das lembranças que tenho dele, a mais forte foi a que me levou até a Itália no começo desse ano. Não deu certo encontrá-lo por lá, voltei triste achando que ele não estava mais comigo e que toda a alegria repetida na memória, podia ter se perdido e me confundido com o passar dos anos.

Já bem grandinha, lá pelos meus quatro anos, quando eu chegava em sua casa, corria para o berço de balanço que ele havia feito pra mim. Qualquer pai e mãe ao ver o bisavô ter o trabalho de cortar madeiras e preparar um berço pra bisneta, devia achar que aquilo seria um presente pra casa onde o bebê moraria, mas não era essa a intenção do velhote…

O berço ficaria na casa que ele escolheu morar depois da morte da minha bisavó, uma que ficava em frente a uma praça sem flores, mas cheia de postes de luz que ele dizia serem casinhas de vidro que hospedavam gotas de fogo. Os dias dependiam do sol forte naquela rua, mas as noites eram sempre encantadoras mesmo que chovesse, fizesse frio ou calor. E ele me levava pra rua no mesmo instante que meus pais entravam na casa, pedia pelo amor de deus para deixarem ele ficar comigo um pouco, alegava que as moças da rua adoravam ver homem cuidando bem de criança. Era irresistível…

Todo mundo ria da sua veia galanteadora… Chegava-se a achavar que ele disfarçava o afeto que tinha por mim dando desculpas para paquerar na rua, assim não daria bandeira de sensibilidade familiar. Meu pai contava que a vida dele tinha sido uma enorme festa, que a vida de caixeiro viajante foi escolhida só para que ele não se perdesse da própria vida. Chegava nas cidades e, dizem, faziam festas para recebê-lo. Minha bisavó sempre querendo matá-lo, se matar ou matar meia duzia de mulheres que o rodeavam. Dizia que morreria do coração, morreu de velhice, minha nona… E pedindo que ele não demorasse muito a encontrá-la do lado de lá, pois tinha medo de não encontrar muitos motivos pra sorrir, fosse no céu ou no inferno. Todo mundo chorou ao ouvir o último pedido, ele fez o sinal da cruz.

E eu me amarrava naquele balanço do berço… Meu bisavô não carecia de grandes recepções ou comemorações pra se divertir. A festa era ele, a festa estaria onde ele estivesse, sempre. E o Dom Juan bigodudo me levava pra tomar sol ou lua na calçada, arrastava o berço no braço, me colocava no outro feito pacote de pão. Puxava uma cadeira, se ajeitava e começava a cantarolar suas músicas prediletas em italiano…

Eu não entendia nada, mas pulava sem parar dentro do berço. As senhoras paravam diante da cena rapidamente, rodeavam o berço tecendo elogios mentirosos sobre a fofura de criança franzina e quase triste que eu era, ouviam meu bisavô floreando palavras para presenteá-las, exibindo o berço feito pra bisneta e com as suas próprias mãos. As mãos grandes que surgiam enquanto ele dobrava os punhos da camisa, sabendo que detalhes e dedicação nunca deixariam de prender os olhos e o coração de uma mulher. E juntava uma, duas, três e ele partia para a cantoria, a voz mais adequada para os momentos que existiam mais mulheres a nossa volta, do que ele seria capaz de administrar através das suas próprias palavras.

Eu havia esquecido tanto dele… Lembrava do berço, das mulheres em torno de nós cantando em italiano enquanto eu me acabava de pular no pequeno colchão e de achar ele o cara mais atraente e divertido do mundo… Não lembrava das músicas direito, mas sabia que morreria sem esquecer do seu olhar.

Trinta anos depois, minha mãe me liga num domingo a tarde, com frio, chuva e sem nenhum som que despertasse a minha atenção. Queria saber se eu estava bem, saber porque diabos eu não apareço mais e dizer que meu pai anda impossível, não pára mais em casa, ninguém sabe da vida dele e blá, blá, blá.

Por via das dúvidas, liguei pro meu pai em seguida só pra saber se realmente ainda havia esperança daquele coração de setenta anos continuar achando que tem vinte. Ele atendeu cantando e continuou cantando, sem nem sequer me dar um “alô”.

“Sapete perché il mondo va? Perché intorno al mondo gira l’amore…
E allora com’è, oh mamma dimmi tu, che avevo un bel biondino e ora non l’ho più?”

– Que música é essa?
– Gigliola Cinquetti!
– Canta mais aí!

“Caro bè bè, tu non lo sai… Chi non ha soldi non naviga mai navega sempre. Caro bè bè, la verità… È una farfalla che viene e che va.”

Ele vai morrer achando que tem vinte anos…

– E onde foi que você aprendeu italiano pra cantar bem assim!?
– Você não vai acreditar!

Ele é empolgado pra caralho… Eu devia ter usado o Caps Lock pra escrever essa última frase dele.

– …Eu ouvi essa música esses dias! Do nada! Olha, tô quase acreditando que veio do além, sabe? Porque lembrei na hora de onde já tinha ouvido! Seu bisavô vivia cantando! Você lembra? Acho que você ainda não era nascida…
– Era…
– Ou era? Era!? Puxa vida… Então você também lembra!

Não… Ele não cheira. A única droga que ele usa na vida é banana com mel e aveia no café da manhã, antes do cooper matinal. Há quarenta anos…

– Fui atrás da música e achei! Demais esse negócio de internet, né!? Eu não sei nem ligar aquele computador, mas seu irmão gravou pra mim, mostrou como era e eu achei sensacional! Agora fico ouvindo o dia todo, não sai mais da minha cabeça…
– A mamãe tá achando que essa sua felicidade é mulher…
– E desde quando mulher pode ver homem feliz sem achar que é outra mulher?
– E não é?
– Não! Escuta essa música! Felicidade é essa música! Ouve! Ouve… Fica aí no telefone que vou pôr pra você ouvir. Olha só…

E aumentou o som do carro, e eu sorri e foi como se meu bisavô surgisse ao meu lado, com todas as moças sacudindo vestidos a nossa volta… Quase consegui cantar um pedaço junto com meu pai, sem fazer a menor ideia da pronuncia das palavras ou mesmo seu significado. Um instante de festa num dia frio, mesmo eu achando que estava completamente sozinha.

Velhote filho da mãe, meu bisa… Eu devia imaginar que ele nunca desampararia nenhuma das mulheres da sua vida, em momento algum.

“E ele me disse… Não pense sobre isso, menina. A vida é uma esperança que caminha. No coração deixei-lhe uma estrela. Caminha que a estrada é linda!”.

Gira l’amore (caro bébe)



Postado por:Alê Félix
22/08/2011
16 Comentários
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Magdiel

agosto 24th, 2011 às 8:40

Passei rápido, mas, o que li, me agradou muito. É bom saber que existem pessoas que prezam por transmitir a beleza da vida nas palavras. Abraços, parabéns


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tiago guilherme

agosto 26th, 2011 às 12:22

oi


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Millena Coelho guimarães

agosto 26th, 2011 às 12:25

adorei sua historia pois ela relata um momento muito especial da sua vida
tambem queria ter um momento como esse


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Anna Thaylla Venceslau França

agosto 26th, 2011 às 15:47

Amei muito pois é verdade por que o mundo gira sim em torno do amor
e ele é a coisa mais importante na nossa vida =)


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Gabriela Negreiro Coelho

agosto 26th, 2011 às 15:53

amei a história pois adorei a parte que fala quando você era um bebê#


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Lucas

agosto 27th, 2011 às 9:32

Esse texto é muito interessante


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Lucas

agosto 27th, 2011 às 9:34

Esse texto é muito interessante pois ele relata um momento muito especial da sua vida
tambem queria ter um momento como esse


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lindaiane de A. Coelho

agosto 28th, 2011 às 9:58

oi


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lindaiane de A. Coelho

agosto 28th, 2011 às 9:59

ola


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ismael cleiton

agosto 28th, 2011 às 11:05

tiago tu nem leu


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ismael cleiton

agosto 28th, 2011 às 11:05

nem lucas leu


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Rute Kelly

agosto 28th, 2011 às 11:36

Gostei muito dos posts não lii todos mais o q eu
lii me fez muito satisfeita amei!!
Bjus!


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Rute Kelly

agosto 28th, 2011 às 11:42

eu amei os posts
parabens pela sua criatividade
bjus


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Millena Coelho guimarães

agosto 28th, 2011 às 13:06

f


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Vitoria Karoline

agosto 30th, 2011 às 15:42

São Muito bonitas as historias. Adorei *–*


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wanderson a. castro

agosto 31st, 2011 às 12:53

Esse texto é muito interessante pois ele relata um dos momentos mais especiais da sua vida gostei muito acho interessante assuntos de o amor!


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