Andei desenhando uma linha para separar o passado do presente para não mais permitir que eles discutam. Mas, foi só rabiscá-la um pouco, perder um pouco das habilidades das mãos, para que a linha se tornasse um abismo e quase me fizesse despencar para sempre entre um e o outro.

Como ainda sou forte, antes de cair, consegui sacar um lápis de cor marrom pra dar força as raízes e um verde pela preferência das cores que me despertam a fé. Risquei em poucos traços um único galho de árvore , desses que surgem como se fossem mágica nos filmes de ficção e salvam os bons mocinhos. Subi assustada até o topo, cheia de folhas verdes coladas nas mãos e me dei conta do tamanho da queda, dos abismos que, quase sem querer, eu vinha desenhando e colando, misturando tudo para que nenhuma lembrança deixasse de me pertencer. Salva e tomada pelo fato de que todas as lembranças estão se desprendendo de mim, acho que passei a ter mais foco no passo do que nas linhas que desenho para só para me distrair com o tempo, os riscos e meus pensamentos.



Escrito pela Alê Félix
31, maio, 2011
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As vezes, mesmo sabendo que minhas contas são pagas porque vivo conectada, penso seriamente em deletar meus perfis, desconectar e achar um jeito de pagá-las vendendo água de coco na beira de alguma praia, bem longe de tantos fios, conexões ilusórias e vazios…
Mas aí eu lembro dos anos que vivi antes da internet, dos meios que circulei, dos nomes que já me batizei, das vidas que reinventei e dos amores, amigos e ofícios que o vento se encarregou de apresentar para o meu próprio inferno. Lembro da quantidade de vezes que, sob o sol e sobre o sal, pensamentos semelhantes me ocorriam sempre que eu pensava em suicídio enquanto construía castelos de areia disfarçados de paraíso. Lembro e, mesmo consciente de todos os fins, continuo nadando – viciada e de saco cheio do mar, sem a menor fé no horizonte e com todas as minhas forças – contra essas inevitáveis correntes da vida.
Um dia, se deus quiser – num desses momentos que aos olhos dos outros tudo parece castelo e só a gente sabe o peso da areia, num desses dias que mesmo sabendo voar nos sentimos jogados sozinhos em alto mar – espero sinceramente encontrar uma nau de coragem que me faça compreender de vez todos os sentimentos que nos arrastam da praia ao além-mar… Ou, simplesmente, que  me dê fôlego para desistir em paz em vez de descansar em paz.


Escrito pela Alê Félix
29, maio, 2011
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Anos atrás escrevi no Arpoador, lá na minha cidade maravilhosa, essa história aqui…

http://tinyurl.com/6drn7fb que foi achada por um diretor de cinema – Felipe Joffily e agora estamos no Festival de Cannes http://tinyurl.com/6jza9og.

E agora vim pra França as pressas participar do Festival de Cannes, passear pela Europa e ver meu roteiro nesse gol de bunda incrível que tô achando que fiz no cinema! Tão aí as informações e o meu twitter pra quem quiser acompanhar as novidades. Vou aproveitar pra escrever sobre os lugares todos, comidas todas, belezuras e meninos lindos todos, além de outras obviedades. Fui!

Saiu no O Globo “Sobre o Menino do Rio de @felipejoffily é um ensaio

lírico” http://t.co/g5HiFDv

Meu twitter @AleFelix – www.twitter.com/alefelix



Escrito pela Alê Félix
16, maio, 2011
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Saíamos do carro e a minha vontade era a de sair correndo, brincando, pulando dentro do carrinho do supermercado, mas eu ficava quieta. O acordo entre eu e meu pai era que, se eu me comportasse, poderia escolher algum presente no final das compras. Era só o que me fazia obedecer, não vou mentir depois de velha. Com a maior cara de pau, eu dava a mão pra não morrer atropelada enquanto cruzávamos o estacionamento, olhava para um lado e para o outro como  sempre eles me pediam e normalmente eu esquecia de fazer. Entrávamos pela porta principal, a porta de vidro se fechava e finalmente… voilà! Eu estava livre pra correr e brincar a vontade, contanto que não causasse nenhuma confusão!

Naquele dia, não quis entrar no carrinho nem muito menos ficar sentada naquela cadeirinha ridícula feita para bebês medrosos e sem a noção correta das alegrias de cada um daqueles corredores. Passei um tempo olhando a quantidade de flores diferentes que eram expostas na porta de entrada, tirei o dedo quando me pediram pra não mexer nas plantas mais exóticas e atravessei a seção de frutas e legumes sem muito interesse, apesar de gostar das cores. Ignorei a parte do arroz com feijão que só interessava aos meus pais, pensei em levar para o carrinho uma novidade de biscoito que tinha visto na televisão e ouvi minha mãe dizer – já um pouco distante – que não era pra eu me afastar muito.

Aquele era um dos passeios mensais mais divertidos que fazíamos em família e nem me venham dizer que era só porque éramos uma dessas famílias que acha que alimento é amor (embora realmente sejamos uma dessas)!

Quando se nasce em um bairro muito pequeno e muito pobre, ir mensalmente fazer a compra do mês em um SUPERmercado (e de carro!), ao invés de pegar fiado no mercadinho do seu Joaquim, já seria algo grandioso por si só, mas também tinha a questão do espaço, que era o que mais me fascinava. Talvez pela segurança da época, ali meus pais me deixavam solta e, sentindo medo de me perder deles, aproveitava cada momento de liberdade.

Eu devia ter uns cinco, seis anos de idade, no máximo. Minha irmã uns quatro, mas a diversão dela era ir na cadeirinha ridícula. A missão para os meus pais era a compra do mês, pra mim era desbravar a imensidão de novidades que eu poderia encontrar em cada metro quadrado daquele lugar gigantesco.  Podia correr, rodopiar estrelas (eu só girava nos corredores vazios), me esconder embaixo das gôndolas na seção das roupas, subir no carrinho de compras enquanto minha mãe não o enchia…

Normalmente eu nem via o tempo passar mas, naquele dia, nem tudo aconteceu como de costume.

Lembro de ter ficado entretida com uns peixes de aquário na seção voltada para animais de estimação e, quando voltei para a direção que meus pais deveriam estar… Cadê eles? Procurei num canto, no outro, embaixo das prateleiras, entre uma roupa e outra, nos corredores mais prováveis, estiquei o pescoço pra enxergar caixa por caixa e, de repente, me dei conta de que estava perdida.

Senti as pernas bambearem, os ombros contraírem, a barriga tremer. Um aperto no peito que parecia me roubar o ar… Uma porção de lágrimas empoçaram nos meus olhos e senti a minha boca cerrar num medo tão grande que – qualquer um que me visse – provavelmente morreria de pena de mim. Sabe rostinho de criança sentida, perdida e que está prestes a chorar aqueles choros que parecem tão honestos que nenhum abraço parece capaz de consolar?

Eu nunca havia me perdido… E que sensação ruim imaginar que “perdida” significava ter perdido pai, mãe, irmãzinha rídicula, irmão caçula que havia ficado com a minha vó, irmão que se tornaria o caçula e que eu estava brigando pra escolher o nome, minha vó brava, minha vó das flores, meu avô contador de histórias, meu avô cheiroso, minhas tias malas, meus tios que me levavam na garupa da bicicleta, minha cama, meus cadernos, as meninas que pulavam corda comigo na rua, minha tia Maria que me dava aula na escolinha e me acalmava conversando sempre que eu sentia muito medo do desconhecido… “Me perder” era perder de vista as pessoas que eu amava ou não ter nunca mais como reencontrá-las. “Me perder” seria ser obrigada a construir um novo caminho de sobrevivência, não ter como voltar para a rotina que conhecia e não agredia meu espírito. “Me perder” seria ter que crescer sozinha no mundo e aquela era uma sensação de desamparo que me engolia de dentro pra fora, me fazia sentir como se eu fosse a criancinha bocó de algum filme de terror ruim.

Já entrando em desespero, comecei a pensar as mais trágicas desgraças que eram possíveis de se passarem pela cabeça de uma criancinha bocó!

* Eu não podia dizer a nenhum desconhecido que estava perdida pois ele veria que eu era aparentemente uma criancinha idiota e me levaria para um laboratório aonde eram extraídos cérebros de criancinhas idiotas.

* Eu seria levada pra uma casa de gente ruim que bate e obriga crianças a venderem coisas no farol.

* Na casa de gente ruim, alguém bem ruim extrairia o meu cérebro até eu ficar com a cabeça deformada, partida no meio até o queixo e recebendo três vezes mais pelas balas vendidas no farol.

* Eu viveria pra sempre sozinha pelas ruas e arredores do supermercado, teria que encontrar vassouras e cobertores pra improvisar uma cabaninha habitável até me tornar gente grande. Até o dia que eu seria bem grande, a maior do mundo e construisse uma nave espacial que resgatasse crianças das casas de gente ruim.

* Na minha nave espacial, todo mundo poderia tomar a minha fórmula mágica para ser encontrado pelos pais, pelos amigos ou poderia entrar na minha máquina do tempo e voltar para o segundo anterior que nos faz não ouvir nada a nossa volta e se afastar das nossas pessoas.

Uma moça se aproximou de mim perguntando aonde estavam os meus pais, mas eu corri. Quem me garantiria que ela não era uma das sequestradoras oficiais das casas de gente ruim?

Comecei a chorar pra valer quando lembrei que eu ainda não havia decorado o endereço de casa, nem o telefone do trabalho do meu pai e toda a minha vida estava arruinada pra sempre porque eu havia enterrado a caixa nova de bijouterias (parecia um baú de pirata, era fundamental que fosse enterrada!) da minha mãe no quintal e nunca mais ela a acharia, nem me perdoaria por ter desaparecido com tudo o que pra ela era tão valioso…

Nunca, nunca mais eu seria feliz, nem brincaria na rua, nem dormiria no quentinho, nem nunca mais ganharia nada do meu pai no final das compras, nem nada… Nunca mais tudo!

– Como é o seu nome, menina?
– …

Óbvio que eu não ia dizer nada! E nem era porque ele tinha cara de gente ruim, era só porque eu não conseguia parar de chorar mesmo…

– O gato comeu sua língua? Ok, não quer falar não fala. Vai que você é uma garotinha muda, não é mesmo?

Tive vontade de gritar que eu não era uma muda coisa nenhuma, de morder a canela dele, mas ele foi mais rápido…

– Prezados senhores, tem uma menina perdida e chorando sem parar embaixo da prateleira dos novos brinquedos, seção oito, comendo um pacote de biscoito. Pai e mãe, favor virem buscá-la.

Nem precisei morder aquela canela esturricada, embora tenha sentido vontade de fazê-lo engolir aquele microfone… Só não fiz isso porque nada, nada é mais reconfortante do que ver a cara do pai e da mãe da gente, de qualquer gente que pra nós é gente boa, depois de termos nos afastado tanto.

Depois desse dia, me perdi mais uma meia dúzia de vezes, mas por algum motivo a vez seguinte sempre era mais fácil de lidar e encontrar do que a anterior. De vez em quando, eu me perguntava porque é que eu continuava arriscando ir pra longe, se a possibilidade de me perder estava sempre nessa direção… Mas eram só pensamentos que passavam e nunca que me impediram de seguir a diante.

Não tenho mais cinco anos,  mas toda vez que me sinto sozinha, toda vez que me sinto uma pessoa menor do que o resto da humanidade, é como se eu ainda fosse incapaz de voltar pra casa e ter meu mundo de volta. Nessas horas, por maior que eu já seja, é como se o supermercado agora fosse o mundo e, chorar sentida embaixo de algum lugar quentinho, ainda fosse minha única salvação.



Escrito pela Alê Félix
11, maio, 2011
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Fui a moça cabeluda da foto, a que está envolvida pelos braços do Gil, o moço bonito de regata vermelha. O moço brincalhão de batom e lenço na cabeça é o Renato, que reencontrei depois de muitos anos e me presenteou com algumas das fotos do nosso passado.

O Gil, o moço bonito agarrado a minha cintura, foi o meu primeiro namorado sério e o primeiro que me fez ter a certeza de que o amor seria – pra mim – o sentimento das “primeiras vistas”, das experiências intuitivas, da fé, independentemente de qualquer fim que tivéssemos.

O conheci antes dele me conhecer, só de observá-lo passando de um lado para o outro da escola e arrancando suspiros de todas as moças que o admiravam pela beleza e a fama de misterioso que, na verdade, era somente timidez. Eu também suspirava, mas não era só por achá-lo bonito e sim pela já anunciada intuição de um amor que poderia vir a sentir.

Alguma coisa dentro de mim me dizia que um dia ele viria até mim, me daria um beijo e se tornaria o primeiro grande amor da minha vida. E, tanto não era aquele um pensamento sem cabimento que, mais ou menos um ano depois de eu saber que ele existia, ele também passou a acreditar…

Eu estava ajudando na organização do festival de música da escola, as bandas ainda não estavam prontas para se apresentarem e eu respondia perguntas mais do que respirava até que, houve um momento que precisei me afastar do burburinho. Parei próxima ao portão de saída e vi que ele havia saído do colégio pouco depois de mim. Se aproximou com um sorriso discreto, mas que era impossível não sorrir de volta. Como se ele me conhecesse há anos, parou ao meu lado e disse…

– Você já viu um escorpião no céu?

Lembro de ter ouvido a pergunta, olhado para aqueles enormes olhos azuis e quase flutuado por alguns instantes enquanto sentia uma de suas mãos tocando levemente a minha cintura e direcionando meu corpo para que eu me deixasse guiar pelas indicações da outra mão.  Sem dizer mais nada, conduziu meu olhar com o dedo indicador e pontilhou o céu estrela por estrela, como se estivesse desenhando um escorpião no meio daquela escuridão de outono.

Olhei novamente pra ele toda feliz ao ver a constelação e, numa fração de segundos, para a minha total surpresa, antes que eu sequer tivesse tempo para dizer “muito prazer, meu nome é Ale”, ele…

– Tchau… Um dia a gente se vê.

Nas semanas seguintes, a única informação que consegui sobre o paradeiro do rapaz era que havia mudado de turma, de horário e desaparecido das aulas por um tempo.

Pensei no Gil por semanas, parei de contar a história do escorpião pela décima nona vez para as minhas amigas, parei de me perguntar como faria para encontrá-lo novamente, parei com tudo. Parei e, num dos dias mais frios daquele ano, ele apareceu novamente…

Já era inverno, eu tinha acabado de socorrer uma amiga de dentro da caixa d’ água da escola e estava completamente molhada, tremendo de frio, sem ter muito o que fazer além de correr pra casa. Passei pelo portão em direção a rua e vi o meu menino de olhos azuis entrar pelo portão principal, vir em minha direção de braços abertos, passos largos, com um sorriso tão escancarado de saudade que minha única reação foi correr ao seu encontro e retribuir o abraço que ele me oferecia. Podia parecer desculpa, mas eu estava realmente com frio, não dava pra me desvencilhar daqueles braços.

Depois de horas abraçados sem dizer muita coisa, sem quase precisar dizer nada, ele nunca mais desapareceu. Eu lembro de ter dito…

– Meu nome é Alê…

E ele sorrir e dizer…

– Eu sei…

Todo santo dia ele me esperava no final da aula, ia comigo até o ponto de ônibus e me agarrava tão forte pela cintura que me fazia perder meia dúzia de ônibus certos, toda santa noite.

Vivíamos uma época de regras claras, roteiros de relacionamentos bem definidos onde os meninos pediam em namoro e as meninas respiravam aliviadas por não precisarem alimentar inseguranças, nem nada que as fizessem se sentir experimentas e descartadas ou experimentadas conforme as conveniências de ambos. Eram namoros de paz, ingenuidade, de andar de mãos dadas. Mesmo assim, ao lado dele, esqueci totalmente das regras do jogo…

Pra dizer a verdade, era tão bom estar apaixonada por aquele moço lindo, que enchia meu ego de segurança, que as palavras por muito tempo realmente não se fizeram necessárias. Depois, com o tempo, como ele nunca havia me dado a formalidade dos namoros normais, uma porção de dúvidas passaram a se formar na minha cabeça e, todas as coisas boas que tínhamos juntos, a partir dali começaram a deixar de ser.

Amigas, ele tinha aos montes… Quem me garantiria que eu não era só mais uma? Carinhoso, ele era até com os irmãos… Quem me garantiria que eu não era só mais um querer bem?

Eu tinha quinze anos, ele dezessete. Ele tinha acabado de arranjar um emprego, eu comecei a me envolver com movimento estudantil. Eu apaixonada, ele aparentemente apaixonado mas, diante da dúvida, um dia em um congresso do movimento estudantil, conheci o André…

André era um cara brilhante, um garoto de dezoito anos que falava feito presidente da república e que no futuro destruiria muitas das minhas crenças, minhas regras de relacionamento e os meus três primeiros namoros sérios. E, infelizmente, o Gil foi o primeiro moço que perdi graças ao julgamento nebuloso que eu tinha sobre meus sentimentos com relação ao André…

Voltei do Congresso com ele na cabeça e o Gil no coração. Não, eu não fiquei com o André no Congresso, de forma alguma. Mas, assim como a minha intuição um dia me contou da importância do Gil, também me contou da do André.

O namoro com o Gil se fortalecia através do tesão e a minha confusão com o André através da admiração. O Gil eu beijava, o André eu escutava. Passava horas conversando com um e achava uma delícia quase transar sem tirar a roupa com o outro. Enquanto o André me confundia e fazia pensar, eu acalmava meu corpo vendo o Gil quase me tocar e sempre recuar, me amar e ter medo de confessar.

Eu sonhava com o Gil entrando escondido pela janela do meu quarto, dormindo sem roupa ao meu lado e desaparecendo no meio da noite, como se pudéssemos mover nosso desejo através de encantos. E, mesmo com tanta vontade, nunca dormimos, nunca acordamos…

A primavera foi embora e levou com ela todo o suor que derramamos exercitando nossa imaginação e o tesão que poderíamos sentir um pelo outro. Durante o verão, comecei novamente a me perguntar porque ele nunca havia me pedido em namoro, feito toda a corte que era comum entre os outros meninos. Morri de ciúme ao ver ele correr pra abraçar um amiga, do mesmo jeito que um dia ele havia feito comigo. Chorei dias seguidos em um fim de semana que ele me deixou ir embora sozinha e não me acompanhou até o ponto de ônibus, só pra conversar um pouco mais com a maldita da amiga. E me enchi de insegurança a tal ponto que voltei a olhar para o André com curiosidade, a respirar política ao invés da ideia de transar pela primeira vez. Passei a me perguntar o que é que eu realmente queria da minha vida, do meu futuro, do meu namoro com o Gil.

No dia de Natal, no mesmo dia que essa foto foi tirada, ele me disse que gostava (não disse que amava) de mim pra casar, que queria ter filhos comigo, que estava pensando em me dar uma câmera fotográfica para que eu pudesse estudar e me tornar a fotógrafa que andava comentando querer ser.

Estávamos a caminho da minha casa e eu fiquei em silêncio o percurso inteiro pensando no que ele havia dito e no último discurso que o André havia feito em um encontro de estudantes secundaristas. Gil puxou outro assunto, eu disfarcei o silêncio, tirei o André da minha testa e desabafei…

–  Preciso de um tempo. Preciso de espaço, preciso descobrir quem eu sou…

Sabe todas as desculpas esfarrapadas que damos quando não conseguimos dizer a verdade?

Passei anos sem ver o Gil e, lá pelos meus dezenove anos, passei a odiar o fato de ter terminado com o Gil, com o Cadu (segundo namorado sério) e com o Edu (terceiro namorado sério), sempre por causa do André, dono de uma personalidade que me confundia tanto que só fui capaz de compreender depois de muito, muito tempo.

Hoje, ao ver essa foto, a primeira lembrança que tive foi a do motivo real do porque terminei com o Gil. Uma triste verdade que nunca confessei pra ele e nem mesmo pra mim. Pra ele eu disse que precisava de um tempo sozinha, pra mim eu disse que precisava crescer, virar gente, ouvir “eu te amo” sem medo, transar antes de casar e provavelmente não ter filhos.

Mas afinal, o que eu devia ter dito? A verdade. Devia tê-lo libertado ao invés de amarrado – por meses – a espera de que um dia nos encontrássemos e o meu tempo necessário já tivesse passado. Devia ter dito que eu estava terminando porque gostava ou achava que gostava do André. Era só isso que ele merecia ter ouvido para seguir em frente, em paz e sem ilusões.

Eu virei fotógrafa, ele saiu da casa dos pais muito jovem e pagou um preço muito alto por isso. Eu mudei de turma, ele se isolou completamente. De vez em quando sentia saudade de beijá-lo, mas passava sempre que o André discursava, me convencia e me chamava para socorrê-lo emocionalmente das merdas que vivia se metendo com mulheres e pessoas erradas.  Sempre que isso acontecia, eu esquecia de um e permitia que o outro continuasse invadindo meus pensamentos e estragasse meus bons relacionamentos.

Muitos anos depois, quando soube tudo o que o Gil passou depois que terminamos, senti uma vontade imensa de voltar no tempo e dar um tapa bem forte na minha cara. Um tapa que me obrigasse a ser menos egoísta e confessasse que eu estava cega por um e insegura com o outro. Eu sei que não tenho como voltar atrás, mas sinto muita vergonha de ter omitido a verdade e achado melhor ser a garotinha confusa que aprisionou uma alma só para o caso de tudo ter dar errado com o André ou com o meu futuro. Além dos arrependimentos, sem a influência do André e das confusões da adolescência, restou a saudade e uma leve tristeza por não ter dado ao meu primeiro namorado, todas as minhas primeiras e melhores descobertas.

Talvez, amar seja o doloroso exercício de confessar todas as nossas verdades.

PS – Obrigada pelo amor de uma vida inteira, mesmo que eu nunca tenha merecido, mesmo que a gente nunca tenha dito “eu te amo”.



Escrito pela Alê Félix
10, maio, 2011
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Dia desses, jogando conversa fora com um desconhecido, comentei que eu achava que o “calcanhar de Aquiles” de uma mulher é a sua autoestima. Algo equivalente ao que representa o tamanho do pênis para o homem, sabe?

Expliquei que conhecia mulheres lindas, inteligentes e que por não se sentirem seguras quanto a essas características, estavam sempre sozinhas e mal empregadas. Algo equivalente ao fato de que também já tinha ouvido dizer que existe homem que é mega traste, super incompetente em vários quesitos da vida mas que – por anunciar aos quatro cantos o dote de 23cm que carrega – acaba despertando o interesse de algumas mulheres e tornando forte sua personalidade entre os homens.

Aí eu tava pensando como é que eu consegui manter minha autoestima tão em dia durante toda a minha vida… Porque ok, eu nasci mais pra bonitinha do que pra feia, mais pra inteligente do que pra burra. Mesmo assim, não foi nada fácil crescer gordinha, morena no estilo básico dos olhos castanhos e a grandessíssima normal que sou. Isso, fora o fato de que além de tudo sempre tive a boca e o coração soltos, desses que confessam que amam, desejam e espantam os meninos menos resistentes. E homem é o bicho que mais destrói com a autoestima de uma mulher, sabe? É um poder absurdo esse que ofertamos aos homens. Eu bem que queria, mas infelizmente não sou diferente… Sou capaz de sobreviver a dez guerras e sair sorrindo, mas desmancho em lágrimas e me sinto a pior mulher do planeta se o cara que eu gosto gostar mais de uma lambisgóia do que de mim.

Graças a deus, minha queda de estima passa rápido e não costumo gostar a longo prazo de homem cego mas, às vezes, acontece. E confesso que ver os meus 23cm se abalarem por tão pouco é muito duro, viu? A unica vantagem é reconhecer claramente que, quando passa, sinto um alívio enorme por ser como sou… É bom saber que  a minha autoestima tinha tudo pra ser um micro-pau, mas se tornou um mega-pau. Uma estima digna desses apelidos de chat, sabe? “Loiro 21cm”, “Bem dotado dos 19cm”… Entraria facilmente como “Morena 21cm” nessas salas! Ou um “Rechonchuda dos 23 e de ferro!”, algo nessa linha, caso exibição de autoestima fosse reconhecido como atrativo feminino e pudesse ser mensurado através dos centímetros ou habilidades extras.

Odeio me relacionar com pessoas que fazem eu me sentir uma pessoa menor do que me sinto ou do que realmente sou. Sei dos meus defeitos, do meu nariz grande, do meu quadril enorme, das minhas cicatrizes da vida, da alma e do corpo mas – por algum motivo bizarro – aprendi a olhar no espelho e me achar bonita, gostosona, brincalhona e capaz de tudo… Até de equilibrar a toalha nos meus 23cm de confiança, me divertir com meus atributos em paz, sem muita maluquice.

Hoje em dia, depois de tanto treinar e esfolar esse meu “big-pipi” com as paixões cegas que a vida já me deu, acho que me tornei o tipo de mulher esquisita que ao invés de perguntar “O que ela tem que eu não tenho!?”,  responde “Se prepara pra morrer de saudade de mim.”.



Escrito pela Alê Félix
9, maio, 2011
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Escrito pela Alê Félix
8, maio, 2011
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“A gente se mata perdendo a razão…
Em cada decepção é parte de mim que se vai.
E então vamos vivendo sem rumo, morrendo aos poucos. Provavelmente, completamente equivocados…”



Escrito pela Alê Félix
7, maio, 2011
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