Não falei nada. Não tive coragem. Dona Célia parecia tão chateada com a briga que teve com o marido, que não tive
coragem de abrir a minha boca grande para falar sobre as minhas frescuras. Fechei os olhos, deitei sobre o
não-tecido e tratei de não pensar nos meu nojos.
As duas horas de massagem teriam passado tranqüilamente se naquele dia eu tivesse me limitado a ficar quieta. Diante
do silêncio desconfortável que reinava na casa, me vi na obrigação de ser solidária com a dor da dona Célia. Eu sei
muito bem como uma mulher sofre com o silêncio posterior a uma briga. Nestas horas nós queremos tudo, menos ficar
caladas. Puxei conversa:
– Célia, você tem certeza que quer fazer essa massagem hoje? Por mim, podemos agendá-la para um outro dia. Não há
problema algum.
Foi o suficiente para a mulher desatar a falar e não parar mais. Durante os quarenta e cinco minutos do primeiro
tempo, ela se queixou do marido, justificou sua agressão com a frigideira, enumerou os defeitos apresentados
durante os vinte e cinco anos de casados, culpou-o pelo distanciamento dos filhos que ela não via há tempos (uma
semana!) e narrou todos os detalhes dos problemas de trabalho que o marido levava para casa.
Enquanto ela falava, um dos poodles, que estava trancado na sacada do apartamento, começou a latir desesperadamente.
Por um momento achei que eu tinha sido salva pelo gongo, já que ela precisaria salvar o cão da ventania que queria
levá-lo embora. Mas ela o acolheu, sem encostar-lhe as mãos (eu fiquei de olho), tomou um copo de água para ganhar
fôlego e voltou a soltar a matraca.
O poodle irritadinho continuou estranho. Se não era o vento forte que estava lhe perturbando, ou era a voz da dona,
que não parava nunca, ou o animal só podia estar possuído por um pit bull. A massagista parecia ignorar a existência
do cão que corria em círculos, como se quisesse morder o próprio rabo. Ele alternava um rosnado com um latido e me
encarava como se eu fosse um filhote de gato apetitoso besuntado de gel redutor. Dona Célia continuava falando, mas
o repertório tinha mudado da água para o vinho. Subitamente os problemas de relacionamento dela com o marido foram
substituídos por belíssimas histórias da época que eles namoravam, do tempo que os filhos moravam com eles e dos
esforços que ele fazia para não deixar a empresa entrar no vermelho.
Mulher é realmente um bicho estranho. Eu, dura, com medo de ser devorada por um poodle endemoniado e ela repetindo
as qualidades do marido para justificar o gesto insano de ter lhe atirado uma frigideira na cabeça. A consciência
pesada, em um corpo feminino, deve ser responsável por pelo menos quarenta por cento de sua massa corpórea. Nunca
tinha visto alguém odiar e amar em um período tão curto de tempo.
O poodle havia perdido a razão de vez. Começou a saltar diante dos meus olhos e a rosnar quando se aproximava da
altura da maca. De frente para aquele bicho descontrolado e com receio de interromper o processo de auto-análise que
passava a massagista, eu cochichei um: “SHHHHHHH! Já pra fora”.
Nem o cachorro, nem a mulher me ouviram. Não era possível! Será que eu havia morrido? Estava sonhando ou o quê? Quem
é que podia relaxar com aquela confusão?
Não conseguia pensar em nada que pudesse ser feito. Não era justo reclamar do cachorro, seria outro papelão. Já não
bastava ter chutado um dos poodles da primeira vez? Decidi proteger a cabeça com as mãos, caso o cão conseguisse
alcançar a maca e rezei para que o monólogo de duas horas da mulher do pires acabasse o mais breve possível.
– Ele é um bom homem, vou preparar um jantar especial para nós dois esta noite. O que você acha?
– Eu? Eu acho tarde… Quer dizer, eu acho que… pode ser que fique tarde! Melhor a senhora se apressar.
– Já estou no final. Que bom que você veio hoje, não sei o que teria feito sem essa nossa conversa. Amei falar com
você! Sinto que podemos ser grandes amigas.
– É, é… pode ser.
Fui levantando da mesa de massagem achando que o pestinha do poodle me morderia assim que eu pusesse os pés no chão.
Aquilo era hora de estar pelada? Que situação humilhante. Uma coisa é ser mordida devidamente coberta com roupas,
outra é ser atacada por um mini cão enquanto procuro meu sutiã… Meu sutiã! Não o encontrava de jeito algum! Eu
tinha certeza de que o tinha colocado junto com as outras peças de roupa. Dona Célia seguia em direção à cozinha
quando ouço sua voz de espanto:
– Que sutiã é esse, Xuxinha?
Não podia ser verdade… o que eu imaginava ser um cão masculino era uma desajustada cadelinha que só podia estar
usando drogas naquele dia. Além de passar duas horas saltando como uma rã diante dos meus olhos e me ameaçando com
seu latido histérico, a cretina ainda tinha, entre a sua língua babenta e os dentes, o meu sutiã de renda importada
que estava entre os top 3 do maridon.
Não pensei duas vezes: voei nua e cheia de dedos na garganta da bichana e dei-lhe uma sacudida. Ela soltou minha
lingerie, pegou-a com uma dentada ainda no ar e correu para a sala desfiando toda a renda italiana que ainda
constituía uma peça.
Dona Célia a cercou de um lado eu corri do outro, a cachorra atravessou a sala por baixo da maca, que nos separava,
e fugiu para o banheiro. Eu e a mulher do pires corremos atrás. No corredor, pedaços da minha renda azul marinho
espalhados por cada canto. Xuxinha sacudiu com seus dentes, mais uma vez, o que restava da minha peça íntima e
largou-a no ralo do banheiro. Passou por mim, com focinho empinado, misto de desprezo e vingança.
Incrédula, joguei as sobras do sutiã na lata do lixo, me vesti, pedi para dona Célia que não esquecesse da idéia de
preparar um jantar de reconciliação para o marido e dei adeus a ela e aos seus cães.
No elevador, ainda sem acreditar em tudo que estava acontecendo, tive uma crise de riso. Sem querer olhei para o
alto e vi que tinha, meio camuflada, uma câmera no teto. Dei-lhe uma encarada, a porta se abriu e fui em direção à
portaria para pegar o carro e ir embora. O porteiro, aos risos, foi buscá-lo para mim.
Aproveitei que a guarita estava vazia para investigar se, dali, ele podia ver as imagens das câmeras do prédio. Abri
a porta de vidro fumê e dei de cara com vários monitores. Um deles mostrava a cabine vazia do elevador que eu
acabara de sair. Ao olhar outro, quase cai de costas! O filho da mãe tinha gravado minhas passagens anteriores e,
por diversão, ficava reprisando-as em um dos aparelhos. Vi incrédula todas as minhas caretas de repulsa feitas na
saída da minha primeira sessão de massagem.
– Dona! Me perdoe pelo amor de meu padrinho Cícero?
Dei um salto de dois metros de susto! Eu gritei de desprevenida e ele se assustou com o meu grito e acabou gritando
também.
– Eu sei lá quem é seu padrinho Cícero! O senhor é louco? O que é que as minhas caretas estão fazendo aqui?
Rubro de vergonha o homem começou a se explicar:
– A senhora não se aporrinhe que isto não vai se repetir. É que dona Célia me disse que a senhora era uma mulher
importante, que era escritora de revistas de amor e prazer a dois. Disse que eu podia encontrar as revistas com as
estórias que a senhora escreve na banca de jornal e eu comprei todas pra ver se encontrava alguma de autoria da
senhora.
Era difícil crer que a mentira boba do SPA tivesse ganho proporções tão grandes. Olhei sobre a mesa e vi a pilha de
revistas Julia, Sabrina, entre outros livrinhos de banca com contos picantes e semelhantes às novelas mexicanas. O
homem se apressou em pegar uma delas, sacou a caneta do bolso da camisa e perguntou:
– Sem querer abusar da sua boa vontade, a senhora poderia me dar um autógrafo?
– Que autógrafo o quê, meu senhor? O senhor nem sabe se fui eu mesma quem escreveu essas coisas! Acredita em tudo
que a dona Célia diz, é?
– Acreditar eu não acredito muito não, mas, depois que eu vi as caras que a senhora faz no elevador, não tive mais
dúvida de que a senhora é boa no assunto.
Muda, corada e boquiaberta, coloquei as fitas com as gravações dentro da bolsa, peguei a revista, rabisquei um nome
fictício e a seguinte mensagem: “Seu velho safado, vá se divertir às custas da sua avó!”.
Saí batendo o pé e desapareci de lá, mas, logo depois, acabei ficando com dó do pobre homem e suas fantasias
esquisitas. Bem ou mal, falar aquilo das minhas caras e bocas era no mínimo um elogio. Voltei para casa sem sutiã e
com cara de entendida no assunto.
Até que o dia tinha sido interessante, pena que não deu para aproveitar os efeitos da massagem feita com o pires. Eu
já estava até acreditando que celulite tinha solução.
Ah! Dei um fim nas fitas antes que acidentalmente elas fossem parar em algum site erótico de gordinhas com
expressões faciais de orgasmo, mas até hoje fico com a pulga atrás da orelha me perguntando se as que eu peguei eram
cópias ou originais.



Escrito pela Alê Félix
13, dezembro, 2002
Comentários desativados em A mulher do pires (Post VII): A última sessão.
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Por que todos os possuidores de blogs ficam escrevendo coisas, aparentemente sem sentido, em seus diários, em
determinadas épocas? Estou falando das inúmeras aparições, nos blogs, das famosas peladonas da Playboy. É só para
ter visitas? Que bobeira. Bando de narcisistas sem escrúpulos! : ) O pior é que tem um monte de gente que cai de
pará-quedas nestes blogs. É quase uma pegadinha. Nem fotos os caras colocam!
Então tá, vamos sacanear os bobões que chegarem aqui, através dos sites de busca:
EXTRA! EXTRA! FOTOS EXCLUSIVAS DA KELLY KEY NUA E SEU SUPOSTO “CACHORRINHO”, NA PLAYBOY DE DEZEMBRO!
… enganei o bobo na casca do ovo, enganei o bobo na casca do ovo, enganei o bobo na casca do ovo…



Escrito pela Alê Félix
13, dezembro, 2002
Comentários desativados em Tem coisas que eu não entendo
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Só pra lembrá-los que o sorteio será no dia 15/12. Quem não se cadastrou ainda, corra. Já tem mais de setenta
pessoas inscritas. Os posts abaixo explicam como participar.
Dia 15 o sistema irá sortear os nomes e enviará uma mensagem com o nome do seu amigo. Aí basta entrar em contato com
a pessoa, pegar o endereço de correspondência dela e preparar a carta ou o cartão que deverão ser escritos
obrigatoriamente à mão.
Acho que não há necessidade de ser algo secreto, já que o ideal é que as pessoas saibam um pouquinho sobre a outra
antes de enviarem a carta. Por isso, logo depois do sorteio, fica aberto para contarmos quem tirou quem, ok?
Ah! Eu já sarei. Estou pronta pra outra! Mas na próxima, vou optar por acompanhar a galera do suquinho. :b



Escrito pela Alê Félix
13, dezembro, 2002
Comentários desativados em AMIGO NÃO SECRETO ENTRE AUTORES E LEITORES DE BLOGS
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A dor de cabeça foi embora com a chegada do enjôo. Um enjôo típico de quem perdeu o hábito de beber e estava em
processo de purificação do corpo e da alma com o veganismo. (piada interna: veganismo=celibatário ou agnóstico).
Trabalhar não resolveu, só contribuiu para que o sono ficasse insuportável e eu fizesse um monte de bobagens. Atendi
um cliente com voz de tele-sexo, às oito da manhã, achando que era sonho. Alguém quer comprar meus clientes de
internet? Aceito ofertas. Quero só a editora pra mim, só ela e mais nada.
Eu sei que eu prometi, mas hoje não vai rolar “a mulher do pires”, não. Amanhã, se eu estiver sarada, eu termino.
Enquanto isso, vocês podem ir se deliciar com os responsáveis pelo meu dia de cão: o Marco Aurélio que dispensa apresentações porque já é uma
celebridade, o Jaime, meu bom e velho amigo que, por causa
das más companhias, anda cheirando fumaça de cigarro e o Lêle, que nasceu astrofísico e está fazendo propaganda enganosa, lá no blog dele, sobre a sua
aparência física. Na verdade, não vou ser injusta com ele, isso é coisa do Marco, que leva vida de marajá e fica
inventando moda.
Os outros meninos que me mataram de rir e beber, ontem à noite, foram: o Tatoo, que é um dos caras mais engraçados e
figura que eu já conheci, e o Maridon, que a cada dia que passa se parece mais com o George Clooney. Ai ai… é fogo
namorar homem bonito, dá trabalho, mas é tão bom de olhar. : )
Tatoo e Maridon não querem saber de ter um blog, acham que isso é coisa de mulherzinha. Mas pode deixar que eu vou
continuar insistindo, quem sabe não os venço pelo cansaço.
Beijo de boa noite pra vocês. Tá cedo, mas eu preciso sarar. Ah, tem muita menina naquele amigo secreto, uma média
de três moças para um rapaz. Será possível que blog é coisa de mulherzinha, mesmo? Meninos, inscrevam-se já! Inté.



Escrito pela Alê Félix
12, dezembro, 2002
Comentários desativados em Ai…
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Que dor de cabeça… Não tenho mais idade para dez chopes nem com o maridon, por perto, para dividi-los comigo. O
pior de tudo, é acordar dando razão para certa pessoa que
passa a noite no suco de laranja, gasta 1% do valor da conta e se diverte igual.
Deixa pra lá. O que importa, é que eu ainda sei decifrar o destino pelas linhas da mão. Basta aparecer uma boa vítima. : )
Como pesa essa cabeça! Vou ter que pegar no tranco hoje. Será que trabalhar cura ressaca?



Escrito pela Alê Félix
12, dezembro, 2002
Comentários desativados em Putz!
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Você se cadastra no endereço www.amigosecreto.com.br e confirma seu cadastro. Depois de cadastrado clique no link
“Entrar em um Grupo já Existente”. O nome do grupo é Caligrafia. Fácil e sem segredos.
Dia 15/12 eu clico um botão e o site sorteia quem vai tirar quem. A partir dai, é só mandar um e-mail anonimamente
(o site dá essa opção) para quem você tirou, trocar algumas mensagens, passar o endereço de correspondência e enviar
até o dia 20/12 uma carta ou cartão escritos à mão para o seu amigo secreto.
Beijo na bochecha e amanhã eu termino a saga da mulher do pires.



Escrito pela Alê Félix
11, dezembro, 2002
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Não vou cuspir no prato que tenho comido. Eu tenho meus talentos. Vou deixar a modéstia que me assombra trancada no
banheiro e confessar: eu sei ganhar dinheiro. Me disseram que isto é um talento, então vou passar a dizer que foi
com ele que eu nasci.
Não, eu não sou rica. Nunca fui. Pago aluguel, tenho um carro velhão que eu amo de paixão e não tenho dinheiro
acumulado. Ai você me pergunta: e o que tem feito com o talento? E eu lhe digo:
Um dia minha avó me ensinou a fazer bolinhos de chuva. Era dia de sessão da tarde e cobertor. Minha mãe havia feito
pipoca e eu pedi para minha avó me ensinar a preparar os bolinhos de chuva que ela fazia tão bem. Depois de muita
farinha de trigo esparramada pela cozinha, minha travessa de bolinhos estava pronta. A primeira coisa que fiz quando
terminei de salpicar-lhes açúcar foi embalar o refratário em uma toalha e avisar a minha mãe que eu iria vendê-los
em frente à escola que tinha na nossa rua. Fui até o portão principal do colégio, esperei dar o sinal do recreio e
vendi tudo. Não sobrou nem o açúcar, até os professores foram lá comprar meus bolinhos. Eu tinha oito anos.
Depois desse evento, não parei mais. Vendi geladinhos coloridos para os moleques que soltavam pipa na esquina de
casa; na escola, fazia reuniões no banheiro das meninas com os produtos da Avon e vendia poemas e cartas sob
encomenda. Ok, vou explicar. Eu tinha uns doze ou treze anos quando conheci a nova professora de português – a
antiga havia se aposentado. Foi amor à primeira vista, ela dava uma aula apaixonante, divertida e nada convencional;
conseqüentemente tomei gosto pelas aulas de língua portuguesa. Certa vez, ela cismou que eu sabia escrever e começou
a me dar dicas extracurriculares de livros e escritores. Metida como eu era e movida pelos elogios da minha mestra,
não quis desapontá-la e desatei a escrever poemas, poesias e estórias de amor. Minhas amigas da sala de aula
começaram a ler as coisas que eu escrevia e, pouco tempo depois, minha mesa tornou-se atração turística com meninas
por todos os lados, suspirando em cima da minha papelada. Não deu outra: cinqüenta centavos por escrito, baseado em
fatos reais. A meninada me contava em que pé andava o namorico, me dava alguns detalhes sobre os dois, eu escrevia,
elas pagavam e o negócio estava feito. Babau, meus intervalos! Eu não tinha mais recreio, aula vaga, nada. Alunas de
outras classes interrompiam as aulas da minha sala para entregar bilhetinhos com informações, pedidos de cartas e
afins. Eu tinha um bom preço, um produto personalizado e vivia cheia de dinheiro. Nada mau para uma garotinha de
treze anos, cujas necessidades se resumiam a figurinhas de álbuns que davam prêmios, cadernos de capa dura, gel com
brilho molhado de purpurina, batom 24 horas e caixa de lápis de cor com 36 cores. Os lápis eram para eu desenhar. O
sucesso das cartas subiu à minha cabeça e achei que poderia aprender a desenhar para vender os desenhos. Foi meu
primeiro empreendimento fracassado, logo superado pelo meu método de repasse de livros didáticos usados.
Conto mais depois…
; )



Escrito pela Alê Félix
11, dezembro, 2002
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Bóra fazer um amigo secreto por aqui? Tem um sistema no site da globo (não tenho certeza) que faz o sorteio. Posso
verificar.
O presente poderia ser uma carta escrita à mão ou um cartão. O que vocês acham? Faz um século que eu não escrevo uma
carta e ponho no correio, nem sei mais como é minha letra. Só lembro que era feia.
Quem quiser, me diz por email ou por aqui que quer participar. Meu e-mail está no elefante.
Beijo de boa noite.



Escrito pela Alê Félix
9, dezembro, 2002
Comentários desativados em Caligrafia
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