Tomei gosto pelas viagens de carro, com meu pai. Dentro do pacote de lembranças da infância sempre estiveram as que acordávamos de madrugada, pegávamos meia duzia de pertences, cobertores e travesseiros, enchíamos os bancos de conforto e partíamos antes das cinco para que ele visse o sol nascer na estrada. Era impressionante como aquilo o deixava tão feliz quanto chegar no destino. Mudava-lhe o humor… Assim, num piscar de céu, de um instante para o outro. E, como a felicidade deve ser algo que tentamos encontrar seguindo os passos de nossos pais, talvez fosse por isso que eu estivesse ali repetindo a lição.

Acho que conheço bem a rodovia Presidente Dutra desde os cinco anos de idade quando entrei no carro para minha primeira viagem ao Rio de Janeiro, perguntei para onde íamos e algumas horas depois avistei o primeiro castelo da minha vida…

– Mãe! Mãããe! Olhaaaa! Um castelo! Um castelo gigante!
– É…

Ao contrário do meu pai, minha mãe odiava viajar. Como de costume, ela não dizia nem que sim nem que não, mas era visível a sua preferência pelos corredores da casa. Na tentativa de agradá-lo, viajávamos sempre que podíamos e ela raramente se queixava. Seguia conosco qualquer programa, mas eventualmente se aproveitava do silêncio bom das estradas para mergulhar nos próprios pensamentos. Meu pai, às vezes, também parecia distante, mas eu gostava de conversar e ele de exibir seus conhecimentos…

– Não é um castelo, é uma igreja.
– Igreja!? Desse tamanho!?
– Ali é uma cidade chamada Aparecida… E essa é a igreja de Nossa Senhora Aparecida. É grande assim porque é a segunda maior igreja católica do mundo.
– Ahhh é? E qual é a primeira?
– A Basílica de São Pedro, no Vaticano.
– Já sei! Vaticano é aquele lugar onde mora o Papa!
– Isso mesmo.
– Olhaaaa paaaai! Um monte de gente andando na rua!
– São romeiros…
– Gente que nasceu em Roma?
– 🙂 Não, não… Embora haja ligação entre o nome e a cidade de Roma, quem nasce em Roma são os romanos, romeiros são pessoas que saem de suas cidades e vão a pé até algum lugar sagrado para rezar ou agradecer a Deus.
– A pé!?
– É… Normalmente, a pé. Mas acho que pode ser de carro, cavalo… Não tenho certeza.
– Cavalo!?
– Por que não?
– Hum… E quanto tempo leva pra chegar aqui a pé?
– Bastante…
– Ainda bem que eu já sei rezar lá da minha cama mesmo…

Trinta anos depois, passando de carro por Aparecida, me dei conta de que desde aquele tempo a Basílica de Nossa Senhora Aparecida era contemplada por mim feito castelo, somente da beira da estrada, a caminho das férias que passávamos no Rio de Janeiro. Nunca havia parado em Aparecida, entrado na cidade, nem na igreja.

E por que não?

Pensei, parei o carro em uma área segura e senti vontade de tirar algumas fotos do ponto aonde estava. I-phone nas mãos, ainda sem sair do carro, vi através do retrovisor um grupo peregrinando pelo acostamento. Dali uns dois dias seria eu caminhando pelas praias do Espírito Santo e cumprindo meu trajeto, mas a questão era outra: eu havia mentido para o meu pai. Nunca soube rezar. Deixei Deus esperando no pé da minha cama várias vezes, fingindo que tinha rezado, mas só tagarelava qualquer bobagem indecifrável para que meus pais me deixassem em paz e eu pudesse voltar a brincar escondido enquanto todos dormiam. Não me recordava nem do Pai Nosso, nunca havia negociado nada com Deus, além de boas notas escolares quando esquecia de estudar ou implorar para que não me deixasse repetir de ano. Mesmo assim, tenho certeza absoluta de que – se ele me ajudou – o despistei no momento seguinte fingindo que a promessa não precisava ter sido levada tão a sério. Ou seja… Como alguém que passou a vida dando balão em Deus, entraria numas de fazer as pazes com ele? E pra que mesmo?

Fiquei observando os romeiros pelo espelho… Passaram por mim olhando como se eu fosse parte da paisagem e eu me perguntando o que haviam ganhado de Deus para estarem ali…

Até que uma senhorinha ergueu seu cajado em minha direção e saudou:

– Força!
– …

Respirei fundo, agradeci com um leve movimento de cabeça e um sorriso de boca fechada, sussurrei com meus botões que assim fosse e saí do acostamento. Seta para a esquerda, seta para a direita, entrei na cidade de Aparecida, rumo a Basílica de Nossa Senhora. Já que eu estava indo para uma peregrinação, que ela começasse ali. Afinal, depois de tantos anos indo e vindo pela mesma estrada, não tinha mais cabimento continuar ignorando os castelos do caminho.

Continua…

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Postado por:Alê Félix
29/01/2012
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[…] sem trocar nenhuma palavra… Pelo menos enquanto estivemos no Rio de Janeiro.Continua… Aqui ó. Postado por:Alê Félix10, janeiro, 20125 Comentários var […]


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