Eu tenho uma família unida. Ou, pelo menos, parte dela. Dessas que se mobilizam para encher a laje, fazer a
mudança, emprestar dinheiro e socorrer a tia desamparada.
Se tivessem pedido pra mim, eu iria pegá-la no hospital, mas só porque tenho medo de ficar como ela. Ela é a
parenta que os meus pais usaram como referência para tentarem me convencer a fazer o que eles queriam.
“- Não vai ter filhos? Vai morrer sozinha como a tia Zéfa. Rica, viúva, avarenta e sem ninguém pra te visitar no
hospital.”
Ouvi isso tantas vezes, que já acostumei com a idéia de ficar rica. Antes eu ficava triste, mas hoje em dia,
prefiro que me apontem como a sucessora da tia Zéfa do que como a seguidora dos passos da tia Linda, do tio
Maciel ou do tio Ezio que se tornou a maldição do meu irmão Henrique. Aquele sim é uma ziquizira no destino de
alguém.
Tia Zéfa, além de tudo, é uma mulher de sorte. Depois de passar dias afetada da diabetes, o hospital lhe deu
alta bem no dia de Natal. Melhor dia para um enfermo conseguir um motorista. Bastou um pedido da minha mãe para
que o espírito natalino tocasse o coração da minha irmã e ela se prontificasse a atender aos apelos da tia que
ela mal conheceu.
Na verdade, tudo aconteceu por culpa da minha mãe. Qualquer desgraça que aconteça nos nossos diversos graus de
parentesco, ela sempre é a primeira a ser convocada para resolver o problema. E ela fez isto tão bem enquanto eu
e meus irmãos crescíamos, que nós aprendemos todas as lições necessárias para atender à demanda com rapidez e
eficiência. Normalmente, mais eficiência do que rapidez, mas como era dia de Natal, minha irmã queria tudo,
menos perder tempo.
Ela chegou na recepção munida de todas as suas técnicas de engenharia social. Sorriu para a enfermeira, flertou
com o tio da limpeza e distribuiu balas para os plantonistas. Em menos de dez minutos ela já tinha furado o
bloqueio burocrático, pego uma cadeira de rodas e entrado no quarto da tia Zéfa.
– Oi, tia! Lembra de mim?
– Oi…
– Eu vim buscar a senhora…
– Ah, é…
– Eu sou a Shirley, filha da Maria, neta do Jose, bisneta do João, prima de segundo grau da Ana, sobrinha neta
da senhora. Lembrou?
– Ah, sim…
– Como a senhora está se sentindo? Está melhor?
– É… estou mais ou menos.
– E as coisas da senhora? Já estão prontas? Apoie-se em mim que eu ajudo a levantar.
– É? Está bem, então.
– Ainda não arrumou as roupas tia? Aí meu Deus, tia! Não, não, não! Pode deixar que eu arrumo.
Em menos de meia hora tudo resolvido. As duas, cheias de sorrisos e acenos, atravessaram o hospital sem muitos
aborrecimentos. Os poucos corações enfurecidos por trabalharem no feriado já haviam sido conquistados com as
lições de simpatia que mamãe ensinou.
Missão cumprida, ela colocou a tia no carro, meteu-lhe o cinto de segurança, ligou o rádio e, ainda movida pela
graça da boa ação, me ligou do celular e ofereceu carona para o almoço na casa dos nossos pais.
Tocou minha campainha, quinze minutos depois…
– Não vou entrar. A tia Zéfa está no carro e ela tem dificuldade pra andar. Espero você aqui.
– Ok, eu desço em um minuto.
Peguei a chave, a bolsa, os presentes e a maionese. Maridon desligou o micro, fechou as janelas, acendeu as
luzes pra despistar ladrões de fim de ano, ligou os pisca-piscas do cabideiro de Natal pra reforçar a segurança
e trancou a porta. O carro parado em frente ao portão com a minha irmã de pé, já esperando com o banco
levantado.
– Ois, ois! Entrem por aqui porque a tia Zéfa é ruim de levantar.
– Oi ti… Quem é a senhora? Shirley! Essa não é a tia Zéfa! Ficou louca?

——————Continua em só mais um post. Juro. É que ficou muito grande pra ser um só. Ho-ho-ho!



Escrito pela Alê Félix
27, dezembro, 2003
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Minha prima de seis anos descobriu nesta semana que o Papai Noel que passava em sua rua todos os anos era na
verdade o dono do Mercadinho Luminoso. Revoltada por ter sido enganada todos os anos de sua vida, ela decidiu
alertar os primos mais novos.
A portadora da verdade passou a noite inteira tentando convencê-los de que, se eles puxassem a barba com força,
também veriam o seu Ataulfo.
Um dos meus priminhos se negou a acreditar e os dois se estapearam no meio da ceia. Só então os adultos
presentes descobriram o plano da fedelha. A mãe deu-lhe uns tapas, o pai tentou explicar a importância do
segredo, o resto da casa deu risada, ela chorou, mas de nada adiantou. Meia hora depois lá estava ela na orelha
das crianças.
O irmão mais velho decidiu engrossar o caldo. Aplicou-lhe um sermão que parecia inquestionável. Séria e com
olhar de desdém, ela esticou o braço e disse:
– Finge que eu sou surda e conversa aqui com a minha mão.
Quando eu vi a cena, senti calafrios ao reafirmar nossos laços sangüíneos e pena, muita pena, dos homens que ela
irá conhecer no futuro.



Escrito pela Alê Félix
25, dezembro, 2003
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No final do ano passado comecei uma briga feia com uma empresa de hospedagem de sites. Uma empresa americana
que havia acabado de se instalar no Brasil e, segundo um dos gerentes de vendas, prometia engolir o mercado.
Quando ele disse isso eu deveria ter redobrado minha atenção, mas acabei agindo como de costume. Não por
ingenuidade, embora esta seja a palavra que escolheram para transformar pessoas de boa fé em idiotas, mas porque
não suporto a idéia de viver num mundo filho da puta onde tudo tem que ser assinado para ser levado em
consideração.
Mas vamos à big presepada… Eu e o tal do gerente estabelecemos por telefone os termos do contrato que eu
deveria assinar. Seria tudo muito simples se eles não tivessem tentando me vender o serviço pelo período de doze
meses.
Depois de uma conversa ridícula, onde precisei mostrar a eles que aquilo não tinha lógica, eles me garantiram
verbalmente que a cláusula seria retirada. Usaríamos o servidor o tempo que fosse necessário e cancelaríamos o
serviço quando quiséssemos.
No dia seguinte um portador trouxe os papéis pra eu assinar. Eu estava até o pescoço de trabalho, peru e família
mas, como já sabia de cor os termos do raio do contrato, dei somente uma olhada por cima, assinei e dispensei o
rapaz.
No final do dia decidi olhá-lo com mais cuidado e adivinhem o que eu encontro? Tcharan! A cláusula de doze meses
com uma big multa de 40% no valor total do contrato em caso de rescisão.
Liguei emputecida para o celular do filho da mãe do vendedor e exigi que ele me devolvesse os papéis no dia
seguinte. Ele, por sua vez, pediu que eu ficasse tranqüila. Alegou que no dia seguinte era véspera de Natal, mas
que, logo após as festas, devolveria.
Um ano se passou, eu nunca mais vi o contrato, tive o desgaste de mandar trezentos e-mails para o ombudsman da
big empresa, o serviço era uma big bosta e eu acabei tirando meus sites de lá sem que fosse necessário pagar a
tal da multa. Menos mau, acho – apesar deles me garantirem que estava tudo resolvido, o contrato desapareceu.
Aí você me pergunta? Aprendeu a lição? E eu lhe digo: não. E quer saber? Decidi que será preciso muito mais do
que uma empresa de cretinos pra me fazer desacreditar das pessoas a ponto de registrar tudo em cartório. Eu
nunca vi tanta gente sem caráter como nos últimos dez anos da minha vida, mas não vou mudar. O preço que eu pago
não é tão caro se eu levar em conta que, por essas e outras, mantenho essas pessoas bem longe de mim. Querem me
sacanear? Fiquem à vontade. Perder é muitíssimo relativo em alguns casos.
Não estou pregando um culto à lealdade e aos bons costumes, embora ache de verdade que não seria nada mal se
parássemos de tagarelar e repensássemos realmente algumas questões. Para todo lugar que eu olho, vejo um bando
de engraçadinhos dizendo que têm palavra, compromisso e essa papagaiada toda, mas que na hora que a vida lhe
cobra hombridade, se faz de mané para sorver o maior número de migalhas. É horrível, mas é um fato.
Quanto aos contratos, talvez eu realmente devesse aderir de uma vez por todas a esta merda que é a prova cabal
da bizarria humana, mas não vou. Esses exageros impostos pela sociedade me enojam. Estou cheia das pegadinhas,
das linhas minúsculas, das más intenções e dos redatores dessas porcarias. Não ficarei surpresa se, um dia, o
teste do pezinho que é feito nos recém nascidos pelas maternidades, servir de assinatura para que a pessoa possa
crescer segundo os critérios do mundo.
Quanto a mim, enquanto puder quebrar as regras e a cara, vou continuar aumentando o número de guardanapos e
folhas de sulfite com textos redigidos com caneta esferográfica e texto compreensível por qualquer criança
alfabetizada. Mesmo assim, só para que meus acordos comecem e acabem com o mesmo discurso. Não quero receber
indenização alguma por rompimentos, deslealdade, oportunismo ou mudança de planos. Só quero distância. Distância
de gente com muito gogó e pouca atitude, distância de empresas engolidoras de dinheiro e distância de contratos
na véspera do Natal.



Escrito pela Alê Félix
24, dezembro, 2003
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Sensação estranha… Parece tristeza, mas deve ser só a danada da insônia me fazendo pensar montes de
bobagens. Só espero que não seja o tal do espírito natalino. Eu tenho medo de espíritos.



Escrito pela Alê Félix
24, dezembro, 2003
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Sabem o que me deixa intrigadíssima? Covardia virtual. Entendo que no dia a dia não seja muito simples
mandar alguém à merda, romper relacionamentos, não misturar-se com pessoas desagradáveis e dizer o que realmente
pensamos. Entendo que não estamos preparados para dizer a verdade e muito menos para ouví-la. Até porque, a
cordialidade e o sorriso falso parecem que sempre fizeram parte do jogo de interesses sociais no qual vivemos.
Quando eu falo de coragem, também não me refiro a essa gente que vive de críticas desnecessárias, maldosas e
muitas vezes caluniosas – não tenho respeito por esse tipo de postura. Também não me refiro aos que tecem
constantemente suas opiniões chocantes só para chamarem para si os holofotes ou para se dizerem únicos,
diferentes e melhores do que o resto do mundo. Vermes, para mim, são diferentes e nem por isso tenho interesse
por eles.
Mas, voltando a covardia virtual, uma das coisas mais legais dos blogs é poder ler todo santo dia o quão
ridículos, confusos, monótonos e fascinantes podemos ser. Mas, por mais que eu me esforce, eu não compreendo
porque diabos alguém acessa um site que o faz passar mal com qualquer coisa escrita.
A figura entra no blog todo dia, sabe de cor todos os seus posts, não suporta nada do que você escreve e volta!
Volta sempre! Volta por que? Para alimentar a ira que deus lhe deu? Tenha a santa paciência! Não gosta? Sai
daqui, criatura! E, da próxima vez que decidir mandar os e-mails e comentários de sempre, vê se cria o mínimo de
vergonha na cara e assine suas opiniões como gente grande. Assine com e-mail, URL e nome próprio. Já que lhe
falta criatividade e coerência para criticar e massa encefálica para ser um anônimo com proxy, tenha a decência
de admitir o que você pensa. Vou te admirar tanto quanto eu devo te incomodar.



Escrito pela Alê Félix
23, dezembro, 2003
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Delícia ter um carro velho nessa época do ano onde as pessoas estão deseperadas para perder o seu décimo
terceiro. Lembram que um dia desses eu disse que o câmbio da golzeira havia estourado? Então, foi a justiça
divina tentado me dar uma lição, só porque, um dia antes, eu não parei e não desviei do carro de uma dondóca que
tentou furar a fila do trânsito pelo acostamento.
Confesso que há muito tempo eu sonhava em fazer isso, mas me faltava coragem. Aí a dona me pegou em um dia
atravessado e o sonho se tornou uma tática de guerra urbana. Foi uma realização pessoal. Eu sempre disse que
queria ter um jipe só para bater em paz. Mas quem disse que eu precisava de um jipe? A golzeira é ótima! Esses
seres motorizados e endividados da classe média paulistana perderam completamente o bom senso. Eles acham que
podem tudo, dentro de seus carros. Pois muito bem, então é melhor que eles aprendam a dirigir. Direção
defensiva, pra mim, tornou-se coisa do passado. Daqui pra frente, se eu estiver certa, deixo bater. E com toda a
minha paciência, faremos ocorrência, ficaremos sem nossos carros, perderemos nosso tempo… Eu não me importo
mais. Não tenho pressa, respeito as regras e não dou a mínima para essa neura coletiva de fim de ano. Além do
mais, descobri que nada é mais divertido do que ter um carro com a lataria surrada e fingir indignação por causa
de um risquinho. Enquanto a dona se descabelava com o fato da sua lanterna custar o preço do meu carro, eu
exigia que o arranhão do meu fosse reparado em um martelinho de ouro. Difícil foi não rir.
– Quem bate paga, querida. Quer ler novamente o boletim de ocorrência pra ver quem fez a merda?
Adoro usar o “querida” nessas horas…
– Olha o que aconteceu com meu Citroën sua louca! Ainda estou na terceira prestação e acontece isso com o meu
lindinho… O seu não fez nada! Eu não vou pagar porra nenhuma!
– Fofa, quem mandou ser apressadinha? Não tenho culpa que o meu carro é mais forte que o seu. Porque você não
vende e compra um igual ao meu? Pelo preço do conserto ainda vai sobrar uma grana para o peru do dia vinte e
quatro.
– Nem morta eu ando em uma carcaça velha como a sua!
– É velho, mas tá pago. E eu quero martelinho de ouro sim senhora!
Ai, ai… A felicidade é um carro velho, verde água e desbotado. E depois, algumas pessoas, ainda acham que eu
não falo sério quando digo que não troco de carro nem se ganhar na mega-sena. Poupem-me! E aproveitem para se
libertarem dessa fascinação escrota que brasileiro tem por carro.



Escrito pela Alê Félix
22, dezembro, 2003
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Bóra atualizar o Escambo aí do lado? Então vamos fazer assim: uma vez por mês eu coloco quem ficou de fora
por qualquer que tenha sido o motivo. Vou avisar sempre com antecedência o dia da atualização. Assim dá tempo do
povo me avisar. Andei tão atolada de serviço neste fim de ano que até minha irmana eu esqueci de linkar.
Bom, se você me linkou e não está na lista do Escambo, deixe o nome do seu blog e URL no comentário deste post.
Domingo à noite eu coloco todo mundo e aproveito para visitá-los, comentá-los e deixar um beijo escrito, ok?
E obrigada pelo carinho. Em pouco mais de um ano esse blog já passou das duzentas mil visitas (sem delírios
bloguianos). Acho que o mínimo que eu posso fazer é retribuir os links.
Ah! Espero que tenham gostado do Papai Noel aqui em cima. Tenho outros temas natalinos que entrarão neste
período de Natal. Depois das festas as gordinhas voltarão.
Fui.



Escrito pela Alê Félix
20, dezembro, 2003
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Respondendo aos comentários: eu não ia contar, mas agora vou. Juro que não estou dando uma de Forrest Gump.
Eu sei como foi que essa história do liqüidinho preto que mata começou. Só não posso contar agora porque ela
estava prevista para ser contada na Saga do Primeiro Beijo e eu não quero estragar. Aguardem que ela virá. É que eu andei sem
cabeça e tempo pra escrever. Não foi frescurinha. 😉
Um beijo na bochecha porque dois e três me dão tontura… ok, isso sim é frescura.



Escrito pela Alê Félix
19, dezembro, 2003
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