– Desculpa por passar aqui a essa hora, mas eu não podia deixar isso pra depois.
Ele ouviu o pedido em pé, de pijama, à uma da manhã, enquanto eu desligava o carro e conferia pelo
retrovisor os estragos que a mãe do garoto-locutor havia feito no meu cabelo.
– Oi pra você também…
– Desculpa… de verdade. Eu sei que estou um pouco nervosa, mas…
Dei um suspiro de cansaço daquela vida toda. Eu teria me divertido com a idéia de terminar com
aquele noivado, se não julgasse o clone um belo exemplar da espécie dos “bons moços”. Adoraria
fazer a cena da moça que diz “não” e vai embora no meio da cerimônia – sempre foi um dos meus
maiores sonhos de consumo. Mas, pensar em fazer isto com aquele rapaz que havia cuidado de mim
depois do estrago que o ex havia causado, parecia doentio. Terminar naquelas condições também não
era boa idéia, mas eu não suportava mais enganá-lo.
– Você não quer entrar e conversar com calma?
– Não.
– Quer conversar aqui na rua?
– Não, não quero.
– E o que você quer?
– Eu não quero casar.
Ótimo! Na bucha e da pior forma, sua anta!
Olhamos um para o outro em silêncio. Não era para ter saído daquele jeito. A idéia inicial era
usar o velho papo de que não era por ele, que na verdade eu estava confusa, que tudo havia
acontecido muito rápido, que eu não tinha nada a ver com o vestido de noiva da mãe dele, que eu
achava que ainda gostava do ex… Ok, ok, as duas últimas desculpas eram reais, mas eu, naquela
época, não era dada à verdade. Precisava de uma boa mentira… Uma desculpa que deixasse toda a
culpa para mim, seria o ideal.
– …Espera. Não é bem assim.
Ele entrou no carro…
– O que está acontecendo?
Decidi explicar direito e largar mão de ser covarde.
– A quanto tempo a gente se conhece?
– Tempo suficiente para namorar, noivar e casar daqui a exatamente dois meses.
Um agiota não faria cobranças melhor do que ele…
– Ok. Então, estamos combinados. Casaremos! Casaremos daqui a dois meses e seremos felizes para
sempre. Juro que paro de frescura, conto aos meus pais de uma vez por todas o que decidimos, paro
de crises e cresço. Eu adoro você, sei exatamente quem você é e o que posso esperar dessa relação.
E acho que você também pode dizer o mesmo sobre mim, não é mesmo?
– Agora sim, concordamos.
– Pode ou não pode?
– O quê?
– Você pode dizer o mesmo sobre mim? Sabe quem eu sou e o que pode esperar disso tudo?
– Tenho. Claro, que tenho. Eu amo você…
– E isso basta?
– Basta. Por quê? Pra você não é o suficiente?
– Se você soubesse quem eu sou, talvez bastasse.
– E eu não sei quem você é?
– Não… Desculpa, mas você não sabe.
– …
– É por isso que há dias eu ando tão nervosa com essa história de casamento. Eu não quero casar
com alguém que não saiba quem eu sou.
Poucas foram as vezes que me dei ao trabalho de dizer a verdade a um homem. Aquela era uma
tentativa realmente honesta…
– Você está me traindo?
– O quê? Do que você está falando?
– Tem outro cara? É isso? Está me traindo?
Por que em uma hora como esta, tudo cheira a traição?
– Como você é ridículo… Olha, quer saber? Se eu me sentisse comprometida com você, talvez
estivesse te traindo sim!
– Ah, é? Que boa notícia…
– E isso nem significa que eu estou saindo com outra pessoa! Se é isso que você queria saber!
– E significa o quê, então?
– Significa que você não suporta saber sobre o meu passado, ignora o meu presente e acha que terá
um futuro encantado comigo. Você não sabe quem eu sou. Não sabe quem são meus amigos, não conhece
os lugares que eu freqüento, dorme nos filmes que eu gosto, não sabe que eu ronco, nunca me viu
acordar no dia seguinte porque nem sabe que sofro de insônia. Odeia que eu fale palavrão e não
gosta do jeito que sou. Não sabe que sempre que você me deixa em casa achando que vou dormir, eu
saio para alguma festa que prefiro ir sem você. Você não sabe que eu tomo anfetamina desde os
quatorze anos para ficar o menos gorda possível. Não sabe que eu, naquele dia do acidente, estava
tentando voltar com o Lucas e que você, fisicamente, apesar de odiar essa história, é mesmo muito
parecido com ele. E não sabe que, há duas horas, eu estava sendo arrastada pelos cabelos pela mãe
de um garoto de treze anos que eu achei que estava apaixonada só para poder arranjar uma boa
desculpa para me separar de você.
Pronto. Tudo em uma porrada só.
– Treze anos?
Era incrível como ele ouvia só o que lhe interessava. Uma audição quase feminina…
– Não. Eu não sabia que ele tinha treze anos. Ele mentiu pra mim. Eu não o conhecia
pessoalmente… Só pelo videotexto e pelo telefone, mas nunca aconteceu nada… Olha, não vá
pensar bobagem, porque de forma alguma eu…
– Chega. Eu não quero mais ouvir.
– Imagino que não queira… Aliás, você nunca quer ouvir.
– Você estava me traindo com um garoto de treze anos! Eu não acredito…
Sempre fiquei impressionada com a capacidade que os homens passionais tem de, em um piscar de
olhos, se transformarem em amebas ambulantes.
– Não é possível que eu esteja ouvindo isso… Não. Pára! Pára um minuto. Você ouviu alguma coisa
do que eu disse? Eu nunca fiquei com ninguém desde que estamos juntos, muito menos com um garoto!
– Eu vou matar esse moleque!
Imagine um pesadelo… Um bem grande! Daqueles que não acabam nunca e que são cheios de cenas
surreais. Era o que eu estava vivendo… Só queria que o sujeito não casasse enganado, e ele se
enganando. Ainda tentei explicar melhor a confusão, mas, cinco minutos depois, vendo que ele não
parava de tagarelar bobagens, percebi que eu também não sabia quem era aquele cara que estava ao
meu lado. Se casássemos, casaríamos vendados, tanto eu quanto ele. Talvez, como a maior parte
daqueles que se casam e esperam esperançosos que as vendas nos olhos nunca caiam. Mas,
definitivamente, aquele era o tipo de susto que eu não queria reservar para o meu futuro…
Certo, chega de consideração por hoje.
– Quer saber? Chega! Não quero e não vou casar! Estou cansada de gente louca. Estou tentando pela
primeira vez na vida terminar uma história de um jeito decente e você não entende uma palavra
sequer do que eu digo.Toma… Está aqui a aliança que você me deu. Agora, por favor, sai do meu
carro e me deixa ir embora.
Ele pegou a aliança, bateu a porta, enfiou-se pelo vidro aberto, jogou-a dentro do carro e…
– É falsa! Igual a você!
Dá pra acreditar? Que tipo de homem dá uma aliança falsa de família para a futura noiva? Fiquei
muda me perguntando se a falsa era eu, o brilhante ou a tradição da família dele. Loucos… bando
de homens loucos! Celibatária. Dali pra frente só me restaria virar celibatária. Como é que alguém
pede a mão de uma garota em casamento dizendo que aquela era a aliança de noivado que foi dos
bisavós, avós, pais e blá-blá-blá, pra depois dizer que é falsa? E onde estava a merda do amor que
ele havia me jurado? Aquilo parecia piada de judeu. E de mau gosto! Era como se ele estivesse
desconfiando de mim, dos meus interesses…
Indignada, parei o carro em um posto de gasolina para abastecer, respirar e achar o raio da
aliança. Falsa ou não, não queria ficar com aquilo.
Quem esse cretino pensa que eu sou? Quero que ele engula essa porcaria de anel! Ele e a mãe
dele. Não… só ele. A mãe dele pode engolir aquele vestido de Bozo que ela casou.

Abaixei a cabeça, revirei os tapetinhos de borracha no assoalho do carro e lá estava…
– O que é isso?
…. uma estrela ninja!.

———————>> Continua.
Clique aqui para ler
o Post I – O começo de toda a história do videotexto



Escrito pela Alê Félix
10, fevereiro, 2004
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Santo deus quanto enjôo…
Não, eu não estou grávida. Eu sou estéril (porque sim).
E isto deve ser resultado das folhas de alface e sopas de trinta calorias ingeridas nos últimos
dias.



Escrito pela Alê Félix
10, fevereiro, 2004
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Não contem para ninguém, mas maridon tem um blog. Atualizado muito raramente, mas tem.



Escrito pela Alê Félix
9, fevereiro, 2004
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A festa do Marquito estava ótima. Ele, como sempre, é uma boa cola. Revi pessoas queridas de
outras festas e conheci a pupila, o Thiago, Ligeirinho rei do escambo, o casal BobMacJack,
Danicast, Cheshire, Alessandro, Paulo… Alguém mais? Tenho certeza que sim e tenho certeza de que
vou levar bronca pela falta de memória. Uau, como é duro lembrar nomes. Mas o pior mesmo é fazer
apresentações. Eu nunca sei se apresento a pessoa pelo nome, pelo apelido ou pela url. Sou a favor
de que as pessoas parem de assinar com apelidos. Dá muita confusão. Também sou a favor de festas
sem música. Quem se habilita a fazer festas só pra gente conversar e conhecer as pessoas direito?
Só musiquinha ambiente, luz boa de ver a cara, papo com pé e cabeça…

– Nunca sei se te apresento como Flavia, Trinity ou reviravolta total.
– Não é reviravolta é revolta total.
– Esse é o Thiago do capitanias…
– Capitanias hereditárias?
– Não, só capitanias.
– Não, sem o s, só capitania.
– Ah, bom! O nome está certo?
– Sim, capitania.
– Não. Thiago está certo?
– Ah, isso está.
– Então tá.
– E você?
– Danicast.
– Dani o quê?
– Se o nome do seu blog é o sorriso do gato de alice por que eu não posso te chamar de Alice?
– Mas é Cheshire.
– Ches o quê?
– Por que Bobmacjack?
– Achei que tinha algo a ver com Bob Marley e esperava que você tivesse rastafari.
– Eu sou o Alessandro do mar de sucrilhos e não a Alessandra do amarula com sucrilhos. Ela menina,
eu menino. Entendeu?
– Alguém sabe o nome do Ligeirinho?
– Pra quê? Ligeirinho é tão fácil de lembrar.

Nem preciso dizer que saí de lá mais rouca do que entrei.



Escrito pela Alê Félix
9, fevereiro, 2004
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Cá estou eu, novamente, ao deprimente mundo das dietas. Mas não vou reclamar. Eu deveria
reclamar do meu peso e não dos meus próximos dias verdes.
Dia desses estava falando com o meu gay da felicidade e ele, sempre tão feliz, estava triste e
magro – havia perdido trinta quilos em quatro meses.
– Mas você deveria estar radiante, homem!
– Não estou não minha, preta. Estou triste. Uma tristeza que vem da alma, sabe? E vou te dizer uma
coisa: a gente só sabe o que é felicidade quando pode comer tudo do bom e do melhor.
Bom, eu achei que não fosse mais me desesperar pra emagrecer. Passei tempo demais na vida pensando
no corpo e um dia desisti dele. Desde então, todas as outras dores foram esquecidas com sabores. E
não sei mais até que ponto isso pode ser considerado felicidade. Acho até triste pensar nisto como
um veículo de suprimento de prazeres, mas também não quero pensar mais sobre isto. Só sei é que
decidi que preciso olhar para o meu corpo de novo. Ou isso ou eu morro de tristeza, um dia desses.
Pode ser uma delícia ignorar a balança e adoçar o estômago, mas a vida de uma mulher nunca estará
completa se ela não puder sorrir em paz para o espelho.
E ainda não sei se é uma boa idéia escrever sobre meus planos de combate à bolofice, mas, enfim,
todos os domingos vou tentar escrever sobre eles. Pode ser bom, afinal escrever já foi bom pra
tanta coisa nesses últimos dois anos…
E assim eu me cobro, vocês me cobram e eu morro de vergonha em caso de desistência. -2Kg/Nenhum
exercício físico, dieta verde e coisas aprendidas na época do VP.



Escrito pela Alê Félix
7, fevereiro, 2004
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Escrito pela Alê Félix
5, fevereiro, 2004
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Fui carregada. Não agüentava andar direito. As pernas não respondiam, a cólica havia aumentado
e eu me contorcia de dor. Fui internada, medicada e dormi. Abri os olhos no dia seguinte sem saber
direito porque havia sido internada. Meu pai dormia em um sofá em frente à minha cama. Não quis
acordá-lo. Ainda sentia meu corpo fraco, mas não doía mais – não o corpo. Passados alguns minutos
na companhia daquele silêncio e cheiro hospitalar, senti minhas angústias despertarem minha
vontade de chorar. Eu e a minha mania de segurar o choro. Mania triste. Evitei o barulho dos
soluços, mas não consegui segurar as lágrimas. Não gostava que me vissem chorando. Afundei o rosto
no travesseiro e torci para que o meu pai não ouvisse.
Eu poderia ter feito tudo diferente. Poderia ter dito a verdade desde o começo, evitado que a
Marilu se metesse em mais encrencas tentando me ajudar, poupado meus pais do sentimento de culpa
pelos meus erros e, principalmente, poderia não ter dito uma merda como aquela para o Murilo…
Mas, afinal, o que eu fiz de errado? Por que eu vivo me cobrando perfeição? Por que vivo me
culpando tanto? Eu não fiz nada errado! A Marilu é feliz do jeito que é e eu não vou mover uma
palha para estragá-la. E meus pais? Ah, meus pais que se virem para lidar com os fatos! Eles
sentem culpa, eu sinto culpa, o mundo inteiro sente culpa por alguma merda que já fez. Que a nossa
relação, daqui pra frente, seja o que Deus quiser. Eles precisam se acostumar com a idéia de que
eu cresci. E não vou mais pensar sobre isto. O que importa é que eu não apanhei. Ufa…
O problema maior é o Murilo. Mas quer saber? Se o Murilo não fosse tão galinha, eu me sentiria
mais à vontade para revelar a minha falta de experiência. E aposto que ele nunca levou um fora de
uma menina… bem feito! Que tenha servido de lição! A maior parte dos meninos passa a vida
levando foras. Quem ele pensa que é? Pensa que só porque é bonito está isento de levar um pé na
bunda? Droga… ele é o menino que eu gosto e não vai me perdoar nunca mais…
O que será isso na minha veia? Será que eu vou morrer? Detesto ter que morrer. Não pense nisso,
não pense nisso, não pense nisso… Ninguém morre antes dos vinte. Claro que morre sua burra! Eu
não vou. Nem com doze, nem com vinte e nem com cento e cinqüenta. Vou escapar por um triz… Mas
que diabos será isso? Deve ser soro… Será que é porque eu não como há dias? Não, não é possível.
Regime não mata. Além do mais, o Murilo não iria gostar de mim gorda do jeito que eu estava…
Queriam que eu fizesse o quê? Além do mais, beijar pela primeira vez tira o apetite.

A enfermeira abriu a porta. Esfreguei o rosto no travesseiro e limpei as lágrimas…
– Bom dia…
– Bom…
– Como você está?
– Bem…
– Bem mesmo?
– Sim… já sarei.
Chorar sempre deixou meu rosto semelhante a uma beterraba atropelada …
Por que a gente incha quando chora? Não bastasse ficar triste ainda precisamos explicar o
porquê da cara roxa. Preciso desconversar antes que ela queira detalhes…

– Eu vou morrer?
Ela sorriu…
– Não, não vai. Você tem uma vida inteira pela frente, mas precisa cuidar bem dela. Daqui a pouco
o doutor Otávio vem conversar com você. Tente descansar e se alimentar. Vou pedir para trazerem o
seu café da manhã.
Meu pai acordou com o barulho da enfermeira saindo do quarto. Espreguiçou-se no sofá, estalando os
ossos mal dormidos. Olhou para mim com um meio sorriso nos lábios. Levantou, deu um beijo na minha
testa e…
– A febre passou…
Por uma fração de segundos achei que aquele era um beijo do tipo “Querida filha, que bom que você
está viva. Nunca mais colocarei você de castigo”. Ledo engano…
– E a mamãe?
– Foi para casa. Saiu assim que os médicos disseram que estava tudo bem com você. E as dores?
Passaram?
– Um pouco…
Quis fazer manha para escapar de um possível sermão, mas não teve jeito…
– Filha, eu estou muito preocupado com você. Conversei essa noite com o médico. Exames estão sendo
feitos para avaliar melhor o que aconteceu, mas a impressão que eu tenho é que você não está nada
bem. Você tem exagerado nos exercícios físicos e há dias eu só vejo você comendo abacaxi!
Ops! Incrível como tudo que eu faço de errado ele vê. Se eu tivesse esfregado no nariz dele uma
prova com um “B” aposto que ele não teria dado a menor bola. Mas também você quer o quê? Um “B” é
o mínimo que se pode esperar de um filho. Não ultimamente. Ultimamente um “B” seria o máximo e um
“A” seria um milagre. Aí dele se não levasse em consideração um “A”. Eu usaria um “A” por dias!
Chantagista… Tenho a quem puxar.

– Abacaxi emagrece…
O médico interrompeu a conversa. Achei que tinha sido salva pelo jaleco, mas não. Respondi um
questionário gigante, me submeti a mais exames e fui obrigada a comer. Fiz tudo que mandaram,
inclusive tomar café da manhã, almoçar e jantar. Estava muito fraca para discutir e não agüentava
mais levar bronca por ter vivido de abacaxi e água durante um mísero mês.
Só tive alta no dia seguinte pela manhã. Mesmo assim, antes de ir embora, o médico pediu que o
acompanhássemos até o quarto de uma garota que estava internada na ala B. Eu não via a hora de
chegar em casa e saber notícias do Murilo, mas como dizer “não” para um pai e um médico unidos
contra mim?
A menina era poucos anos mais velha do que eu e estava dormindo. Não ouviu a nossa conversa. A
pobre estava que era pele e osso e, em um primeiro momento, não entendi o porquê do doutor Otávio
pedir que eu a visse.
– Essa garota chegou aqui em uma ambulância há dois dias. Está bem melhor agora, mas não sei mais
quais são suas chances de cura. Ela sofre de anorexia e é a sexta vez em um ano que ela é
internada.
– Anorexia? O que é isso?
Na época, eu não fazia a menor idéia…
– É um distúrbio alimentar que você pode vir a desenvolver se continuar se alimentando de fatias
de abacaxi ou qualquer outra dieta absurda que inventar. A Lívia, essa moça que você está vendo,
nem abacaxi come mais.
– Não come de louca! Magra desse jeito ela pode comer o que quiser.
– Não. Ela, assim como você, tem uma imagem equivocada do próprio corpo. Você tem tendência para
engordar, mas ainda é saudável. Seu pai me disse que você tem exagerado nos exercícios físicos e
que vem se alimentando mal há pouco tempo. Ela começou assim.
– Não é possível…
– Acredite. Não teria trazido você aqui se não fosse para alertá-la. Acho bom que queira emagrecer
porém, é importante que saiba como. Parando de comer e fazendo ginástica compulsivamente, a única
coisa que você vai conseguir é vir me visitar com mais freqüência.
– Vocês acham o quê? Que eu vou ficar como essa menina? Nem se eu passasse a vida comendo abacaxi!
– Alessandra, escute: se você não ficar atenta, pode desenvolver este ou outros distúrbios
alimentares. Ainda não sabemos o porquê da cólica, mas você está anêmica.
– Mas eu sou gorda! Gordos não ficam anêmicos.
– Em primeiro lugar, você ainda não está gorda. Você pode ficar, mas ainda não está. E, segundo,
quem disse pra você que gordura evita anemia, mentiu. Você está em fase de crescimento, em breve
terá a sua primeira menstruação…
Ei, meu pai está ouvindo! Que vergonha… Não basta me dar a má notícia de que gordinhos podem
ficar anêmicos e ainda fala sobre a minha futura menstruação na frente do meu pai. Onde está sua
ética profissional? Será possível que você não aprendeu na faculdade que essas coisas ditas na
frente do pai podem encabular uma menina de doze anos? Ei, doutor-psicologia-zero, dá pra parar de
tagarelar?

Meu olhar de fuzilamento e minha força da mente não o impediram.
– … e, se não cuidar da sua alimentação, você impedirá que o seu corpo se desenvolva e poderá
causar males irreversíveis para a sua saúde.
Eu queria morrer de catapóra preta com todo aquele blá-blá-blá. Ignorei absolutamente tudo o que
ouvi, mesmo prometendo que eu marcaria uma consulta com o nutricionista o mais rápido possível –
minha imaturidade e ignorância não me davam a real dimensão do problema. Eu não era capaz de
compreender como uma garota magrela, que deveria estar feliz da vida pelo físico esguio, podia ser
tão tola a ponto de se achar gorda e não comer.
Será possível que ela não tem espelho em casa? Magra daquele jeito eu trocaria o abacaxi por
dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial cebola, picles num pão com gergelim. E ainda
pediria um sunday, sem culpa alguma. Se ela se acha gorda, eu tenho motivos de sobra para evitar
até o abacaxi.

Por maior que fosse o espelho, nenhuma de nós duas éramos capazes de enxergar o que estávamos
fazendo com as nossas vidas. Meus pensamentos delirantes me transformavam em uma menina tão tola
quanto a tal da Lívia. Meu corpo estava se tornando reflexo da minha mente e eu não percebia.
Minhas inseguranças, dúvidas, pressões, amores, desafetos e falta de estrutura emocional para
lidar com a minha forma fora de moda, se transformariam em poucos anos em dietas mirabolantes que
me tirariam a paz.
Aqueles foram os anos onde eu pude ver crescer a obsessão de muitas mulheres por academias,
anfetaminas, dietas, cirurgias e fugas plásticas. Eu e a Lívia, éramos só mais duas das vítimas de
uma epidemia que afetou nossas almas, mais do que nossas aparências.
Meses depois, lembro do meu pai ter comentado que a Livia estava com os dias contados e eu…
– Livia? Que Livia?

———-> Continua

Clique aqui para ler o primeiro post da saga do primeiro beijo



Escrito pela Alê Félix
5, fevereiro, 2004
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Sabem aquelas caras e bocas que as mocinhas dos filmes fazem quando morrem no final? Pois é,
sempre que eu vou parar no hospital me dá uma crise daquelas. Por melhor que seja o quadro médico,
sempre que tem alguém por perto eu me faço de “prestes a morrer”. Eu acho romântico, oras! Vou
fazer o quê? E é romântico. Uma vez cheguei até a fingir que a respiração parou. Interrompi a
frase no meio, deixei a cabeça despencar para o lado, fiz uma boca mole, fechei os olhos
repentinamente e engoli o ar. O namoradinho da vez quase teve um ataque. Pena que durou pouco. Na
primeira sacudida que ele me deu eu descambei de rir. Se eu tivesse conseguido segurar o riso só
mais um pouquinho, talvez ele tivesse chorado ou chamado os médicos. Teria sido mais divertido.
Não entendo como ele não se separou de mim naquele dia.
Enfim, até ontem achei que fosse gripe, mas eu estava cada vez pior. Tudo bem que qualquer
dorzinha me deixa de quarentena, mas dessa vez o babado parecia sério. Como a febre não baixava,
dramaticamente, a contra gosto, fui levada ao hospital. E já que estava lá… tchãran! Caras e
bocas de prestes a morrer. É incontrolável.
Horas depois, quarto de hospital, maridon segurando minha mão e eu ainda com ares de despedida
(ninguém vai levar a sério a minha morte no dia que ela acontecer de verdade). Aproveitei para
tratar de assuntos do meu interesse pós morte…
– Se eu morrer você vai casar de novo?
– Vou.
Maridon nunca soube brincar. Está escolado dos meus dramas mexicanos. Sorri, um sorriso de
hospital e não desisti de vivenciar a melhor parte de uma internação…
– E você vai gostar mais dela do que gostou de mim?
– Isto é impossível.
Que bonitinho… Está vendo como funciona? Todo mundo se abre como mala velha no leito de morte.
Mesmo quando já está esperto. E olha que era pra ser só a gripe da galinha preta, mas aí o médico
entrou no quarto e…
– É dona Alessandra, a senhora pode estar com dengue.
Eu deveria ter ficado assustada, mas me acabei de rir. De todos os males que podem levar alguém
para um hospital, a dengue é a menos romântica. Não dá pra fazer tipo com dengue. A palavra dengue
por si só já é ridícula. Maldito fim de semana na praia. Bah! Devo ter sido picada por um dos
trezentos milhões de mosquitos daquele lugar e estou com dengue.



Escrito pela Alê Félix
4, fevereiro, 2004
Comentários desativados em Era pra ser só dengo, mas…
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