E aí o Jaime me disse…

– Pessoas criativas (ou que se acham assim) deveriam ter o maior cuidado do mundo com a escolha de seus companheiros, senão vão passar a vida fazendo coisas legais e escondendo para não chatear a outra pessoa. Ou deixando de fazer, o que é bem pior.

Logo depois dele dizer isso, eu não havia percebido, mas fiz para mim mesma uma promessa. E, por mais cabeça oca que eu seja, espero nunca mais esquecê-la…

– Ontem o Vini viu uma molecada de cinco anos rolando no chão, espalhando quilos de confetes por todos os lados e me disse “Como é bom ter cinco anos, é muito mais divertido. A gente pode fazer tudo o que quiser!”. Perguntei porque ele não fazia o mesmo, já que estava com vontade. Ele me disse que só havia se divertido daquele jeito até os sete anos, com oito passou a ter vergonha e deixou de ser tão legal. No mesmo instante, tentei fazer ele mudar de ideia rolando no chão junto com os pivetinhos de cinco anos e dizendo que eu é que não ia ser louca de me importar com essa palhaçada de ter vergonha e deixar de fazer algo com oitenta, só porque a falta de julgamento deixou de valer aos setenta e cinco. Não adiantou muito, acho que só piorei a situação despertando os olhares para a tia doida rolando no chão de confetes, mas… Eu tentei.

Olha, nem sei se tem a ver com criatividade… Acho que basta ter vontade e saber que por algum motivo não podemos fazer o que queremos. Eu não tenho só vontade de escrever livros, pintar sem saber pintar ou ter uma banda mesmo sem saber cantar. Tenho descoberto que minha vontade maior é a de viver e ser totalmente sem vergonha, no que diz respeito a tudo. Completamente sem vergonha. Quero falar, fazer, ser quem eu tiver vontade de ser sem ninguém me censurando, se envergonhando das minhas ações, dizendo que “socialmente” o certo seria se eu não fizesse isso ou aquilo do meu jeito errado de ser. E eu nem tenho jeito! O “meu jeito”, que tanto já foi massacrado por aí, sempre aparece na hora que as coisas acontecem, não há nada de premeditado ou certo ou definitivo. Sozinha, isso se chama espontaneidade. Ao lado de alguém, a espontaneidade já foi apelidada até de rolo compressor.
Meu amigo querido… Sinto lhe informar que não adianta muito escolher companheiros não castradores. Vocês, homens, sempre estarão sujeitos as mulheres ciumentas, controladoras e que enxergam o sucesso dos maridos como virilidade exposta no balcão para servir a concorrência. Na cabeça da maior parte de nós, mulheres, tenho certeza de que é preferível um homem doente (que elas possam cuidar e saber onde está), do que um criativo solto, exposto de um jeito que ela possa perdê-lo ou não controlá-lo.
E, acredite em mim, ser mulher e sentir essas necessidades de se expressar ou realizar é ainda MUITO pior! Se for exibida igual eu sou, é a morte de qualquer alma ou relacionamento. Meus exs podem dizer o que quiserem, nunca conheci um homem que gostasse de mim como eu sou. Sempre havia controle sobre quem eu era, fazia, escrevia… “Onde já se viu você escrever isso!?”, “Todo mundo vai achar que é verdade, ninguém vai saber que isso é fruto da sua imaginação!”, “Vão achar que eu sou corno, porra!”, “Você não tem o direito de publicar isso!”, “Precisa escrever as partes obscenas?”… E por aí vai.
Pra uma mulher, é tudo muito pior. O julgamento é severo até quando falamos palavrão (ainda!). E vem do namorado, das pessoas que trabalham conosco, da família, até dos amigos que deveriam nos conhecer bem o suficiente pra nos obrigar a zelar pela fidelidade da nossa essência.
Você é um dos meus melhores amigos, é o cara que eu ligo pra contar quando tô apaixonada ou ferrada e sabe bem como eu fico maluca de criatividade e vontade de existir quando tô nesse estado. Também tá careca de me ouvir dizer que está se tornando cansativo, as vezes impossível e que praticamente não tenho visto mais motivo algum pra continuar pedindo que me entendam, aceitem e gostem do fato de que não pretendo só explorar a droga da minha criatividade, eu quero mais é pendurá-la no alto de um poste. E que é uma pena, uma pena do caralho que o “amor” seja um sentimentozinho tão frágil e babaca que não suporte um pouquinho mais de cor, aplausos, vaias ou holofotes para o outro e não somente para o nosso próprio umbigo. É uma pena que a merda do amor, muitas vezes, seja só um grande recalcado que morre de vergonha e se esconde num quartinho escuro, sempre muito bem trancado. Uma pena. Uma puta pena.
Dia desses eu ouvi um garoto dizendo que se me namorasse ia se sentir corajoso pra cacete, porque eu era mulher demais (no sentido de fazer coisas demais, pensar demais, existir demais). Fiquei me perguntando que diabos de frase era aquela, mas acho que realmente tenho desistido de tentar entender e escolhido mesmo é ficar sozinha. Eu adoro namorar. Sou a pessoa mais feliz do mundo quando tô apaixonada. Mas uma coisa é darmos mais prioridade para o julgamento dos outros (e do outro) aos vinte, trinta anos. Depois dos trinta, a razão me obriga a lembrar que talvez eu só tenha mais uns trinta de vida legal, saudável, bonitona, disposta. Depois disso, espero que não, mas é possível que as nossas vontades abram espaço para entrar o que puder vir de serenidade e só. Com sorte.
Eu adoraria encontrar um moço corajoso que me deixasse ser quem eu sou e em paz. Principalmente, alguém que me deixasse escrever em paz todas as obscenidades e vontades que dessem na porcaria da minha telha. Adoraria, mas não vou arriscar meus próximos trinta anos de vida útil pra administrar o ego e as inseguranças de alguém ou de uma sociedade que estabeleceu os absurdos que lhe convém, mesmo que eu não tenha nada a ver com isso. Adoraria, mas trinta anos é muito pouco tempo pra eu dedicá-lo a outra pessoa, que não seja eu mesma. Se a pessoa vier forte, ok. Mas não vou escolher mais nada além do exercício da falta de vergonha e da banana que espero dar para tudo o que dizem ser certo e errado no comportamento de uma pessoa inadequada como eu.
E que Deus me deixe livre e me guarde! Bem longe dessas almas que só se sentem protegidas quando disparam seus cabrestos cerebrais.



Postado por:Alê Félix
04/05/2012
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