Faça amor, não faça guerra!

Nos anos setenta, era essa a palavra de ordem de uma renca de gente que se opunha ao envolvimento dos EUA na guerra com o Vietnã. Em um tempo cheio de puritanismos, sempre achei que a frase foi a chave certa pra destravar o cinto de castidade que não prendia só o corpo, mas também a mente de muitas pessoas.

No final dos anos oitenta, na turma de vermelhinhos que eu andava quando era adolescente, o que se dizia era que os jovens que haviam nascido no meio daquela confusão toda (diante do consumismo desenfreado e depois da segunda guerra mundial), passaram a criticar esse sistema principalmente pelo fato de que ele transformava o mundo em uma massaróca de gente coxinha, igualzinha, sem características próprias definidas. Dávamos graças a Deus pelas músicas e influência dos Beatles, Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Rendrix e outras criaturas iluminadas, não só porque o som era bom aos nossos ouvidos, mas principalmente por terem sacado a total inversão de valores e contribuído para que uma boa galera começasse a cultuar o amor livre, o desprendimento ao sistema capitalista e a criação de sociedades mais alternativas. O que, bem ou mal, ao menos serviam para repensarmos rotinas, modelos e comportamentos diferentes dos que já existiam.

Como tudo que é bom dura pouco, nas décadas seguintes os slogans mudaram para “Diga não as Drogas!”, globalmente espalhado aos quatro cantos do Brasil por ninguém mais ninguém menos do que a nossa rainha dos baixinhos. Bem ali no mesmo período, o Ministério da Saúde divulgava na TV, pela primeira vez, a imagem de uma linda camisinha! Tava lá a borrachinha santa, apresentada em 1987 como a nossa única salvação por tantos anos de orgia e pelo juízo final do HIV, que estava matando cruelmente quem havia se acabado na farra dos anos anteriores.

Mas… Por que diabos eu tô falando sobre isso? Eu te conto… Porque ando muito encafifada com umas coisas que tenho visto e ouvido nos últimos anos e porque ando morta de medo de viver em um mundo igual ao daquele filme “Demolidor”, com o Stallone e a Sandra Bullock. Já viu? Era uma história que mostrava uma sociedade paranoica por limpeza e educação. As pessoas não se tocavam, as saudações eram feitas com um aceno de mão e sexo era uma parada feita com o auxílio de uma máquina responsável por transmitir a sensação de prazer. Filhos? Só na base da inseminação artificial. Eles tinham meio que nojinho da troca boa e saudável de fluídos que costuma rolar no sexo. Lembrou? Então…

Eu nasci na época do slogan “faça amor, não faça guerra”, cresci ouvindo discussões que quase colocavam a maconha e o sexo no mesmo pacote e, nos últimos anos, ando com uma forte impressão de que um dia vou acordar e ver alguma campanha do tipo… “Diga não ao sexo!”. Assim, com todas essas letras. Dúvida? Olha só o que tenho encontrado ultimamente…

Matérias assim: http://www1.folha.uol.com.br/folhateen/931773-jovens-com-repulsa-a-sexo-usam-web-para-encontrar-semelhantes.shtml

Sites assim: http://assexualidade.com.br

E conhecendo pessoas (não religiosas e não somente mulheres) que falam abertamente sobre o fato de se manterem virgens até o dia do casamento.

E conhecendo casais que vivem juntos há anos, há anos não transam e ignoram ou acham até melhor a vida sem sexo.

E ouvindo mulheres dizerem que sentem asco só de imaginar ter relação com seus namorados, casos e maridos, mas que ainda assim dormem com eles.

E lendo e ouvindo terapeutas e urologistas dizerem que entre os casos mais recorrente dos consultórios estão os de homens confessando a própria assexualidade ou a falta temporária de interesse, mas precisando de ajuda para continuar se passando por garanhões entre os amigos ou para impressionar alguma namorada nova.

E conhecendo adultos (homens e mulheres) que falam abertamente sobre o fato de não quererem pensar sobre a própria sexualidade, que não consideram muito importante ter uma vida sexual satisfatória e regular e dizem que ok, está tudo muito bem assim.

Se está tudo bem, está tudo bem. Nenhum problema, que eles sigam em frente em paz com suas opções. Mas, cá com meus botões, eu me pergunto… O que fizemos de errado com o sexo? Num mundo onde a boa comunicação é tão difícil de ser alcançada, acho honestíssimo quem admite suas posições, sejam elas quais forem. Respeito, compreendo, confesso que em algumas épocas até invejo. Mas por que? E como é que se faz quando as pessoas se sentem tímidas para falar ou lidar com a própria sexualidade ou intimidadas a se mostrarem diferentes? O que fazer quando são obrigadas a expressar uma libido que não possuem? Como é que se fala sobre isso? Como se aceita quando um quer e o outro não? Como é que se vai a fundo nos porquês dessa falta de interesse, temporária ou não?

Imagino que seja uma questão fisíca, hormonal, que pode naturalmente variar de pessoa pra pessoa. Mas também me pergunto se não é culpa do mundo, sabe? Da lei do ato e efeito, dessa linha toda de eventos que escrevi no começo do post. Não consigo deixar de ver o que há por trás, ignorar as emoções, de pensar sobre o medo de sofrer, ser traído, se decepcionar, machucar e considerar os estragos que podem causar essa nossa mania de gostar de mais ou de menos.

As vezes, acho que a gente tem desaprendido a amar, que não fazemos mais a menor ideia de como se entregar para alguém sem se pelar com as consequências emocionais do final. Penso que se divertir na cama não é mais uma opção a longo prazo e que, talvez, as pressões com as obrigações diárias ou outros interesses pessoais, façam a gente simplesmente desistir. Será que o nosso umbigo se tornou o orifício que nos causa a maior possibilidade de prazer? Será que é isso?

Penso sobre o bombardeio de bobagens estéticas anti feios, gordos, baixos, pobres, carecas, pintinhos e pintões e tantos outros imperfeitos. Penso no horror espalhado em forma de “humor” pela internet, TV e rodas de amigos onde as pessoas idolatram os “piadistas” que colaboram diariamente para um mundo de solidão e assexualidade.

Tenho comigo a opinião de que, quando alguém faz uma piada babaca sobre uma determinada característica física, essa pessoa deveria ser segregada ao invés de segregar. Mas não… A gente vai lá e dá ibope pro cara. Haja visto a quantidade blogs que fazem sucesso disseminando crueldade e preconceito sob a proteção do aviso final que lhe exime de qualquer responsabilidade sobre as merdas que diz “Este é um blog de caráter humorístico eu escrevo o que eu quero mas por favor não me processe ou me processe muito porque o que eu quero mesmo é chamar a atenção”.

Por que é que alguém dá audiência pra esse tipo de gente? O povo clica, paga as contas da figura, vicia na droga da internet e segue alimentando a impressão de que se somos verdes e tá todo mundo falando mal de gente verde, melhor ficarmos quietos no nosso canto porque a última coisa que seremos na vida é um verde desejado. Bando de bocós… Tanto quem semeia quanto quem colhe esse tipo de violência, essas ideias, esses blogs e programas de imbecis.

Estamos perdendo completamente a capacidade de aceitar o outro, o corpo do outro. Ninguém mais sabe dar, ninguém mais sabe receber. Estamos cavando uma sociedade de mulheres loucas, homens covardes, filhos confusos. Um mundo de gente esquizofrênica, com raiva e cheio de histórias de bullying ao invés das histórias dos beijos que demos, das pessoas que amamos, dos bons encontros que desfrutamos.

A gente tá sempre atrapalhando tudo, misturando tudo, amarrando o sexo na relação, a relação na obrigação, a obrigação num monte de mentira e, consequentemente, na falta de prazer sem nem sequer se dar o trabalho de pensar direito sobre isso ou perguntar pra outra figura se pra ela tá tudo bem também.

A gente não se liga que vigor físico se vai, bons momentos deveriam ser desejados e zelados mais do que qualquer outra coisa nessa vida, que carinho é amor e que o sexo deveria caminhar de mãos dadas com a disposição e não somente com a ereção.

Acho triste ver o quanto a mídia tem vulgarizado e desvalorizado as pessoas e suas possíveis relações sexuais ao mesmo tempo que continuamos recebendo todos os alertas para as DSTs. Faz até sentido tanta gente não gostar de sexo, né? Como é que alguém normal pode confiar que vai se despir para uma pessoa que poderá olhar torto pro tamanho de sua barriga ao invés de enche-la de beijo, fazer de conta que nada aconteceu no dia seguinte e ainda correr o risco de pegar uma doença? São dúvidas comuns que muita gente costuma tirar de letra, mas se forem analisadas através do olhar de quem é marinheiro de primeira viagem ou sofreu alguma desilusão muito grande, chega a ser fácil concordar com a turma da abstinência.

Me arrisco até a dizer que adoraria que além de lançarmos campanhas que zelassem pelo cuidado da nossa saúde, alguém avisasse o mundo que também é necessário cuidarmos do coração uns dos outros. E nem me olhe com essa cara de que tô de mimimi. Por mais ridículo que isso possa parecer, não se iluda. Só soa ridículo porque vivemos um momento de cinismo e egoísmo tão grande que nos impede de ver que no lixo muitas vezes são jogados preservativos e sentimentos. Ou, em casos muito piores de irresponsabilidade sexual e afetiva pelo outro, muitas vezes, só os sentimentos. E que, talvez, seja só por não se sentirem amados, cuidados e desejados que tantos confessaram preferir a companhia de seus cachorros do que de gente, em pleno dia dos namorados.

Uma amiga minha – atualmente lésbica – me disse uma vez que até curtia ficar com homens, mas que não tinha estrutura nenhuma pra segurar a onda de mentira atrás de mentira e que era quase impossível achar um cara que jogasse limpo ou que não jogasse. Como ela também sentia atração por mulheres, há anos se mantém com a mesma namorada.

E aí eu lembro daqueles rapazes que ouvem uma história como essa e diz “não foi comida direito!”. É… não foi. Nem comida, nem cuidada, nem acarinhada, nem respeitados os seus receios, nem enxergada corretamente pelos seus atributos e defeitos, nem lembrada no dia seguinte, nem devia ter espaço pra falar sobre as fantasias, desejos, inseguranças, broxadas… nem sobre as dela e muito menos sobre a dos mal comedores que a fizeram mudar de time… Isso é o que ela diz e, de certa forma, eu compreendo.

Por outro lado, uma outra amiga, médica cirurgiã, conta que ficou chocada ao participar da cirurgia peniana de um rapaz com micro-pênis. E o choque nem foi com relação a cirurgia, mas com as histórias que ouviu do rapaz. Segundo ele, depois de anos a procura de uma solução para ter uma vida mais tranquila, aquela era sua última tentativa. Uma medida desesperada, feita com intuito de ganhar mais quatro centímetros e nunca mais ter que pensar muito sobre isso, nem ver nenhuma garota insensível, desumana, levantar da cama e ir embora no meio da transa sem nem sequer lhe dar até logo. Algo que ele via acontecer com certa frequência…

Nelson Rodrigues dizia algo que tento não esquecer… “O homem começou a própria desumanização quando separou o sexo do amor.”.

Eu falo brincando… “Só beijo na boca os homens que não gosto, assim não perco nada quando me separar deles.”. É brincadeira, isso não acontece.  Mas comecei com esse papo de boteco, depois de perceber que beijar alguém é o primeiro passo que podemos dar para – cedo ou tarde – ver destruído um envolvimento que deveria ser de amor e até mesmo de paixão até o fim,  mesmo que o fim chegasse logo. Sou incapaz de beijar alguém que não gosto, mas confesso que penso dez vezes antes de beijar um homem que possa se tornar um grande amigo. Culpa de uma outra frase de boteco… “Meus amigos vão no meu enterro, meus exs não.”.

Não vou me cansar de pensar e repetir que os hippies é que tinham razão… Se fizéssemos mais amor, se cuidássemos melhor uns dos outros…. Não dá pra imaginar decreto de guerra vindo de alguém que amou e gozou na noite anterior. Não dá…

Enfim… Nós vamos todos nos ferrar muito nesse futuro de gente assexuada que vem por aí. Sei que não vai adiantar eu dizer nada porque sou só mais uma mente confusa solta nesse mundo estranho, mas acho sinceramente que a opção pela abstinência sexual é uma das condenações mais tristes que podemos alimentar contra nós mesmos.

Boas companhias de cama, não deveriam ser só de cama, não deveriam ser tão raras. Principalmente antes e depois de dormirem, principalmente diante desse mundo de sonhos e pesadelos.

Obs. 1: Não reparem a meia explicação, nem sei se correta, sobre os babados dos anos 70, 80 e 90 que falei no início do post. Foi só pra desenhar uma linha do tempo na minha própria cabeça, tentar entender como foi que chegamos até aqui, se é que foi assim.

Obs. 2: Se te passou pela cabeça fazer algum tipo de comentário do tipo “ai…nem tudo numa relação é sexo”, como é que você conseguiu ler esse post desse tamanho até o final?

Obs. 3: Eu adoro cão, gato, passarinho e principalmente elefantes. Então, por favor, não me venha com o papo de que estou me posicionando contra o carinho que algumas pessoas nutrem por seus animais. Não é nada disso. A matéria da revista era focada no dia dos namorados e no fato de que as pessoas estão substituindo afeto humano pela companhia de seus animais de estimação. E, pelo menos na minha cabeça, animal de estimação é animal de estimação, gente é gente, sexo é sexo e – tirando o fato de que falo de amor – não entendo porque uma relação com um animal deveria ser cultivado em detrimento da outra com outro tipo de animal.

No mais, só sinto muito de ver tantas pessoas permitindo que o medo da descoberta afetiva e sexual as impeça de exercitar a capacidade de gozar em paz, através de um dos poucos gozos naturais que deus nos deu.



Postado por:Alê Félix
20/06/2011
2 Comentários
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Rita

junho 21st, 2011 às 9:16

Pior ainda, querida, é o que as pessoas fazem na marra em nome do “amor”… acho isso mesmo 🙁


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Débora

julho 9th, 2011 às 22:21

Sem palavras, Alê…


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