Tenho a impressão de que todas as tragédias que acontecem no mundo ocorrem enquanto estou dormindo. Lembro do ataque às Torres Gêmeas nos EUA… Acordei com a notícia na TV, meu ex-marido me sacudindo pra eu não perder as cenas que pareciam ser o início de uma possível guerra, um acontecimento histórico. Eu acordava, pensava e sentia uma coisa estranha meio tristeza, meio culpa, como se não me fosse permitido estar bem diante de uma tragédia de proporções maiores do que as que recheiam diariamente os jornais. Lembro de ter sido acordada por vários comentários e noticiários de enchentes que destruíram cidades brasileiras, mas não me recordo mais do nome de nenhuma delas. Devo ter ficado chocada na época que aconteceram, devo ter escolhido qual jornal eu devia ler só pela quantidade de informações sobre o assunto e, provavelmente, repeti as mesmas frases-idéias-opiniões que todos repetem nessas horas…

Sabe acidente de trânsito? Sabe aquela fila de carros passando devagar ao lado do defunto atropelado, só pra ver o tamanho do estrago ou sentir um pouco do cheiro da morte? Algo me diz que é assim que a gente olha pras tragédias que assolam o mundo. Se ao invés de ter virado presunto o atropelado tivesse perdido só uma perna, tenho certeza de que alguns carros da fila parariam para lhe doar uma blusa de lã velha ou qualquer outro tipo de lixo que aliviasse sua consciência diante do espetáculo de azar de um e sorte do outro. Tem gente que olha rapidinho e depois fecha os olhos, tem gente que vira o rosto, tem gente que enfia a cabeça pra fora da janela, tem gente que buzina, mas por um instante todos devem se nutrir do mesmo sentimento… Tá lá o fim, pegou esse numa curva, passo reto, ignoro ou rezo?

Nunca entendi porque somos assim, porque rodeamos a morte e os infortúnios como se precisássemos nos certificar de algo, nos sacar realmente mortais. Quando digo para os meus amigos que vou viver pra sempre eles sorriem como se essa fosse mais uma das minhas ideias brincalhonas. O que eles não percebem é que também acham o mesmo que eu, agem, vivem diariamente como se nunca fossem morrer, como se nunca fosse possível o defunto da estrada ser eles.

Essa semana acordei com as manchetes sobre o terremoto e o tsunami no Japão. E, sempre que ouço falar que uma tsunami bateu em uma costa, logo me veem a mente que ela vai voltar para algum outro lado. Pensei nas cidades do Chile que no ano passado enfrentaram os mesmos problemas e foi esquecida pelo mundo alguns meses depois. Nosso senso de generosidade e humanidade raramente vai além da nossa culpa, do velado “antes ele do que eu”. Ser humano acha que solidariedade é doar roupa velha enquanto a tragédia é notícia fresca. Um ano depois, quem lembra do Chile, quem volta na cena do crime pra ver se foram tomadas medidas de segurança, quem vai lembrar do estado da estrada onde morreu o defunto?

A propósito, você lembra? http://migre.me/43wwW

Escrito por Alê Félix, semanas atrás, poucos dias depois do terremoto e tsunami que atingiram o Japão em Março de 2011.



Postado por:Alê Félix
08/04/2011
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