Boa parte dos anos que passei na escola, passei conversando e pensando. Minha dedicação aos estudos foi bem menos exercitada do que o meu poder de persuasão e minha vocação para a vagabundagem. Lá, pela quarta ou quinta série, eu já havia elaborado técnicas de fuga e cola muito mais complexas do que qualquer outro membro da rede de ensino particular seria capaz. Nessa época, a escola que eu estudava era pública e eu jamais acreditaria que só seria vencida em minhas habilidades, depois de conhecer os alunos das escolas particulares. Você pode não acreditar, mas gente rica cresce muito mais malandra do que a classe média das periferias.
No começo de cada ano letivo a primeira coisa que eu fazia era conhecer a sala de aula, escolher minha carteira (sentava na frente: apesar de vagal, sempre fui exibida), procurar os novatos, passar meu detector de beleza física pelo ambiente, me certificar de quantas faltas eu podia ter no ano e qual o mínimo de pontos necessários para não ser reprovada. Repeti uma única vez. Tomei pau na sexta série, mas nunca admiti. Como eu havia entrado na escola mais cedo do que o normal, dizia pra todo mundo que nunca havia repetido. Nenhum namorado nunca soube disso, meu ex-marido nem sonhava e, inacreditavelmente, até meus amigos da época esqueceram que um dia bombei a sexta série. Achava que talvez minha mãe ou o povo lá de casa não fosse esquecer. Mas aí na semana passada uma tia veio do interior pra São Paulo e começou um papo de que na nossa família todos são muito inteligentes, e isso, e aquilo… E minha mãe “É… Super, inteligentes! Aqui em casa, nunca ninguém perdeu ano de escola”!
Como pode? Ou ninguém presta atenção em absolutamente nada a sua volta ou as pessoas acreditam somente no que querem acreditar. Depois dessa, daqui a pouco, até eu vou achar que aquele ano nunca aconteceu. Ou vai ver que me formei em ilusionismo e, mandei tão bem, que também nem reparei. Alguém com um poder desse realmente não merecia ter tomado pau… Injustiça. Mas ainda bem que ninguém lembra. Assim fico com fama de inteligente, sem nunca ter chegado nem perto disso.



Postado por:Alê Félix
29/10/2008
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