Parece que eu fui a única a ouvir aquele choro alto que atravessou a madrugada na última sexta-feira. Vim para o escritório as sete e meia da manhã e decidi que, de forma alguma, passaria das seis da tarde trabalhando. Precisava responder e-mails, acertar comissões, contatar agências, escrever uma matéria, responder uma entrevista, conversar com minha mãe, me programar para conseguir passar um sábado com meu sobrinho, ouvir meu irmão, agradecer minha irmã, puxar a orelha do caçula, me certificar do horário que o namorado chegaria no aeroporto, definir um projeto, negociar com um fornecedor, almoçar com uma colaboradora, redefinir os salários com a contadora, encontrar uma faxineira para a casa dos meus avós, verificar uma migração, alinhar as modificações de um site, ajustar um contrato, agendar almoço com uma escritora que eu adoro e quero que venha trabalhar comigo, parabenizar uma amiga, não esquecer da festa de aniversário de outra amiga, comprar um presente, deixar as conversas profissionais e pessoais com o ex para outro dia, cobrar notícias de um portal, encontrar mais um banco de imagens, entregar os textos dos sites da Taturana, não esquecer de conferir as entregas da Gênese, confirmar presença no show do…
O telefone tocou. Uma amiga, aos prantos, pedia que eu fosse até a casa dela. Separada há sete anos, uma das únicas certezas que ela tinha era o afeto de um moço que a acalmava entre os dias de guerra e os de solidão. Ele havia morrido na madrugada da sexta, ataque cardiaco fulminante aos 43 anos. Não tinha filhos, mas cuidava de uma grande família. Era um puta profissional, mas era livre. Tinha mulher, mas ainda trepava. Tinha amante, mas ainda era honesto. Achava que qualquer onda era possível de ser segurada, e segurava. Nunca havia ficado doente, nunca teve como descobrir que o coração que ele carregava não aguentaria a vida que ele controlava. E foi muito foda chorar junto com a mulher que ele amava, admirá-lo através das histórias que ela contava, lembrar o tempo todo que ele estava morto, que enterrou tão cedo o tanto que podia ter vivido, que se parecia tanto comigo…
Vai ver, apesar da distância, acho que os gritos daquela madrugada eram os soluços da minha amiga… Mas, no fim do dia, todas as lágrimas daquele funeral se misturaram com as minhas. Lágrimas por alguém que eu não conhecia, mas que de alguma forma acenou pra mim e disse “Ei, segura menos essas ondas, mocinha. E solta a porra dessa bóia porque não há nada que vá nos salvar.”.



Postado por:Alê Félix
16/06/2008
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