Mais um! Tem gente que não gosta, eu dou graças a deus. Não por achar que viver seja grande coisa, mas porque morrer tem cara de ser uma grande chatice. Além do mais, levando em consideração meu estilo de vida, um ano a mais é sempre jackpot. Tudo bem que o sensitivo-vidente-da-marcia disse que vou passar dos oitenta com saúde e tal, mas na dúvida eu agradeço. E espero que realmente dê pra encher meu cérebro de chás quando os oitenta passarem. Porque se é pra enfrentar a chatice – como diria o Beto – que seja no astral. Até lá esperarei munida da droga da minha consciência. Depois, que venham os chás.
Acordei sozinha com o misturado de silêncio da casa vazia e o cantarolar diário dos pássaros que se entulham no pé de mangueira aqui no fundão de casa. Acho que é o primeiro aniversário que acordo sem ninguém em casa, sem barulhos de pessoas. Nessa época do ano as mangas já estão para madurar e a árvore vira um bandejão com direito as estridências dos periquitos e a rapidez dos passarécos cor de paulista que comem muito mais do que cantam. É bom viver aqui… Devo isso ao Rube e a Flor.
Agora tenho um jardim embaixo da mangueira. Coloquei grama, jasmim cheirosão, um canteiro de flores pra separar a Variant zoada do mecânico da minha maquete verde. Acordo cedo pra ir ao Ceasa comprar flores… Quase não me reconheço. Interrompo o cansaço dos finais de tarde para alimentá-las, cuidar da folhagem e limpar o quintal. Cheguei semana passada do Rio de Janeiro e dei uma olhada nele aqui do alto da varanda. Como sou míope e me recuso a usar óculos, vi uns troços brancos no jasmim e desci para conferir. Umas cinco flores escancaradas e gotejadas de chuvisco fizeram valer todo o cuidado. Um cheiro absurdamente bom… Cheiro que acalma o espirito, sabe? Ridículo ter chorado só porque o pé de jasmim floriu. Parece coisa de mulherzinha, eu sei… Mas lembrem-se que até pouco tempo eu só gostava de “terra” quando se tratava de bem adquirido. Jamais pensei que meteria minhas mãos em pacotes adubados cheios de minhoca e me emocionaria espalhando sementes e esperando suas transformações de natureza. Eu tinha alergia a natureza! Até ano passado (lembrem-se!) eu era a senhora dos cactos, nunca havia cuidado de nada. Tudo bem que tive a Aruska quando era criança, mas ela era a dobermann da família e a família era grande demais pra eu cuidar de outro ser que não fosse eu mesma. Aruska era linda… E passional, feito todos naquela casa. Menos eu, talvez. Sou louca de fachada, sou muitas coisas de fachada. Tanto que nem deveriam me levar tão a sério, não quando pareço um dobermann. Até porque – segundo o Ronaldo – não somos dobermanns nem florzinhas, somos elefantes. Agora você pode rir e fazer um paralelo com o tamanho do bicho e a minha bunda. É natural que o faça e é uma boa semelhança. Vá fundo. Mas um dia você vai ouvir falar da alma dos elefantes e, talvez, à partir dai tenha uma vaga idéia sobre a minha… Bunda! (Mó legal escrever do jeito da Ilana… risos para Ane)
Mas deixemos a alma e a bunda de lado. A minha e a do Ronaldo… Aquele meu menino do sul que amo tanto, respeito tanto, quero tão bem. Porque cada dia que passa tenho mais e mais dificuldade para respeitar idéias, instituições e pessoas. Não tá dando pra respeitar gente sem jogo de cintura, não tenho como respeitar pessoas cagonas da vida, tô cansada de papinho. Prefiro ler do que me cercar desse tipo de história. E eu detesto ler! Perco tudo que acontece a minha volta e isso me irrita profundamente quando o livro me cansa.
Para minha sorte ando apaixonada da vida. Sabia que o que eu precisava era de amizades, de turmas boas. Gabi dizia isso e ela tinha razão. Sentia muita falta de amigos que estivessem vivendo um momento parecido com o meu, que driblassem bem suas crueldades e gentilezas, que topassem cair no mundo sempre que fosse possível e sem os medinhos sociais que povoam nossos dias. Só preciso de gente, só preciso de gente que me faça rir, crer, pensar e gozar. Já havia dito isso antes… Sou uma repetitiva, chata e cansativa, essa é a verdade. E falo e escrevo demais. Isso aqui ainda vai longe, tenha paciência ou desista agora. Também preciso de dinheiro, mas isso eu dou um jeito. Gente não, gente requer encontro e encontro bom é bichinho de deus.
Tem uns quinze dias que dei um chutão no meu inferno astral e me mandei pro Rio. Ah, o Rio de Janeiro… E aquele povo. Puta que o pariu de lugar abençoado, de gente engraçada, leve… Adoro até o humor rabugento do dono do apartamento que alugamos e que simplesmente ignora a existência e presença de paulistas. Adoro Ane e Sergio. Adoro samba apesar dos meus dedinhos dançantes. Adoro aquele caldeirão de prostituições (e não me refiro somente as putas) estendido sobre o calçadão de Copacabana. Adoro o Zander! Quem diria? E sinto saudade do Rogério e do Ramón quando vou pra lá… De um, mais do que do outro e de nenhum dos dois tanto assim, mas sinto.
Depois do Rio fui lá pra Porto Alegre. Rogério B foi presente de Ane, amor a primeira vista, intensivão de papo-furado, histórias da porra da vida amorosa catastrótica que cultivamos, amigos para sempre como se fossemos cantores de ópera ou sertanejos. Fazia tempo que não me divertia tanto. Logo com ele, que no dia seguinte já se dizia cansado de tanta felicidade. 🙂 Ah! Jordano é um dos caras mais engraçados que já conheci, obrigada por ele.
Rube, ex-maridón, acabou de ligar… Dá pra acreditar que não me deu os parabéns? Treze anos de esquecimentos… Ele tem sorte de ter minha memória de elefante à disposição. Daqui a pouco ele vai tocar a campainha, me dar um beijo no topo da cabeça, perguntar se está tudo bem, abrir a geladeira, tomar um litro de suco de caixinha e mexer nos computadores. Alguém ligará para me dar os parabéns, ele não perceberá o meu tanto de “ah, obrigada!” e só lá para o final do dia cairá a ficha da porra do dia. Graças a deus não somos mais casados, graças a deus fizemos as pazes… Odeio ficar brigada com ele. É como se me roubassem um téco da carne. Nosso casamento foi uma enriquecedora tragédia, acabou depois de muito tentarmos e até a semana retrasada eu ainda estava muito triste com os arrastados problemas resultantes da separação. Mas ele ainda é uma das minhas melhores companhias e espero – quase suplicante – que nunca deixe de ser. Não dá pra amar menos alguém que já arrastou carrinhos e carrinhos de lixo junto comigo.
A Anete vai pra Miami amanhã e ligou dizendo que já que eu estarei em Caracas no aniversário dela, tanto faz se ela não estiver aqui no meu (ela acha que só é minha amiga-passarinho há vinte anos porque é tão cretina quanto eu, mas é só porque gostamos uma da outra exatamente por sermos as vacas que somos).
Soube novamente que o Candy morreu e a Faby escreveu querendo saber onde vamos comemorar… Meu aniversário, não a morte do Candy. Se ela o tivesse conhecido teriamos chorado o mesmo tanto. Caralho… O Candy conseguiu. Fabi e Kk estão bem e ver os dois juntos é felicidade minha tanto quanto a deles.
Tô deitada na cama, notebook no colo, abri a janela pra ouvir melhor… Amaldiçoei o pedreiro da construção ao lado que não pára de martelar a laje. Hoje, curiosamente, a pianista toca com vozes que a acompanham “é preciso saber viver, é preciso saber viver…”. Engraçado. Parei até de amaldiçoar as marteladas. Ele só está fazendo o trabalho dele.
Wil ainda não deu sinal de vida e talvez não devesse dar. Wil está acima, Wil é amor sublime. Mesmo quando distante, ele está ao lado. Meu anjo sem asas, minha pessoa, minha corda.
A Céza acabou de bater na porta, me deu um de seus abraços timidos e está preparando um bolo escondido de mim. Como é que faço pra viver sem essa menina pra cuidar do meu caos, meu deus?
Sergio P. me deu beijo de boa noite, Camila deixou testemunho, Maria me acordou com puxão de telefone. Ela tem um filho simpaticão que também faz aniversário hoje e que não a deixa esquecer de mim. Saudade do Rogério… No aniversário dele, no começo desse ano, mandei um e-mail retomando a paz entre nossos genios dificeis. Mas ele não retribuirá o presente e também não quero que o faça. Não pra me tacar na cara tudo o que eu já sei e mais um pouco do que tenho sentido, sem ao menos tentar se colocar no meu lugar. Rir, crer, pensar e gozar… Não é fácil encontrar pessoas que façam bem, três das minhas quatro possibilidades. Mesmo com tantos pontos finais foi uma boa história. Mesmo com aquela minha frase escrita em um guardanapo misturado com café e ressaca num bar em Porto Alegre e rasgado pelos meus amigos queridos “Até quando me punirá com silêncio e saudades como se eu os merecesse mais do que você?”. Agora, espero que para sempre. História encerrada. Parece que limpei o raio do guardanapo na memória, mas tive a sorte de ser afagada por quem realmente me quer bem. Não quero mais nada nessa vida que não me faça bem… Embora eu também gostasse de você.
A Céza ligou o rádio pra ignorar melhor o pintor que se esforça para impressioná-la e – quem sabe um dia – comê-la “Posso te falar dos sonhos, das flores, de como a cidade mudou. Posso te falar do medo, do meu desejo, do meu amor… Gosto de fechar os olhos, fugir no tempo, de me perder. Posso até perder a hora, mas sei que já passou das seis… Pra brilhar, por onde você for, me queira bem… durma bem, meu amor.”. Bonitinha essa canção da Ivete, não conhecia.
Ontem tirei o passaporte, hoje estou virando mais um ano de vida e daqui unz quinze dias tô indo pra Venezuela com passagem só de ida e com a idéia fixa de fazer o caminho inverso do Che. Sim, o Guevara. Não sei se vai dar certo… Mas não queria perder minhas milhas, queria ir pra um lugar que eu não iria se tivesse que pagar e fosse o mais longe possível. Além do que: a) país “socialista” deve ser interessante ver de perto. b) Hugo Chaves me faz repensar a agressividade burra e desmedida da minha própria lingua. c) Atravessar o país pela Colômbia me parecia tão perigoso quanto ter me enfiado no meio da Gaviões da Fiel naquele jogo contra o River que acabou em pancadaria, cu na mão, gás de pimenta e uma história cheia de caretas que meu irmão ainda hoje conta se divertindo as minhas custas.
Acho que vou arrumar o fundão e fazer um nhoque da sorte para quem vier… Não espere ser chamado, quem vier recebe sorriso e braço aberto. O Ju sabe que é assim. Num dia comum tem suco, num dia bom tem cerveja, nos dias de muro das lamentações tem refrigerante e cadeiras ao sol. Hoje terá nhoque da sorte, todo dia tem a porta aberta.
Campainha… Peraê, já venho…
É o Rube. Trouxe presente, trouxe um trevo da sorte pra gente plantar lá no jardim, trouxe memórias. Volto depois. 🙂



Postado por:Alê Félix
29/11/2007
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