Sai do toalete depois que acabou aquele barulho de sucção a vácuo que as descargas de avião fazem. Sabem como é? Vuuuuuuuum, chulap! Bizarro aquilo. Me pergunto se alguém já conseguiu ficar em paz e sentadinho na imitação de porcelana enquanto a descarga faz seu trabalho. Nananina-não! Nenhum temor pelo bumbum crumbiano que deus me deu. É aquele som que me dá aflição, sabe? Raramente vou até lá fazer xixi. Vou para matar o tempo porque me irrita ficar parada. Aproveito e dou uma checada no espelho, lavo as mãos com aqueles pingados de água morna-esbranquiçada e fico apertando a descarga só para ouvir o barulho bizarro e imaginar minha sobrevivência em caso de queda. Assim como em Lost, quem está no banheiro na hora da desgraceira, sempre sobrevive. O que me faz acreditar que deus deve proteger as crianças e os cagões… E parece justo.
A luz vermelha acendeu e o pisca-pisca sonorizava para que eu voltasse à minha poltrona e apertasse os cintos. Fiz hora. Esperei mais um pouco para ver se chacoalhava mais, e nada. Alarme falso. Abri a porta e sai do banheiro. Todo sentadinhos e com cara de turbulência passada, sorriam aliviados até que o co-piloto avisou “Chuva em São Paulo, pouso autorizado”. O que era sorriso virou reza. Mais esquisito do que descarga de avião e se trancar no banheiro em casos de sacolejo é ver que, depois dos acidentes, as palavras “congonhas”, “chuva” e “pouso autorizado”, causam a mesma reação que “apertem os cintos o piloto sumiu”.
Sentei rapidinho, viramos pra lá, viramos pra cá e na primeira brecada básica a dona que estava ao meu lado agarrou minha mão e disse “Reza que acaba logo! Reza que acaba logo!”. Acabou antes que eu considerasse a possibilidade. O povo aplaudindo no final como se tivesse sido salvo pelo superman. Uma tia no banco da frente fez sinal da cruz e confessou que pagaria a promessa feita nos últimos segundos. Acreditem, pousar em Congonhas com chuva tornou-se uma espécie de esporte radical com aumento significativo no número de ovos em cima de telhados e dedicados a Santa Clara.
Uma outra senhora começou a tagarelar sobre a premonição de um vidente de não sei onde que já registrou em cartório um acidente que, segundo ele, deve acontecer em outubro. Se rolar, querem apostar quanto que o sujeito será nomeado santo dos passageiros brasileiros desesperados e vai desbancar Santa Clara-pára-chuva?
Na saída, dei tchau para as comissárias e ouvi uma delas dizendo que é só chover que o povo aplaude. Vejam só que coisa: nas praias do Rio de Janeiro a galera aplaude o pôr-do-sol e aqui em São Paulo aplaudimos a falta de chuva na pista do aeroporto. E lá lá…
Outubro tô embarcando de novo, mesmo com a ave de mau agouro do vidente tacando o terror por aí. Esporte radical e filosofia de banheiro. Sabe como é, né? Depois de um tempo vicia.



Postado por:Alê Félix
24/09/2007
0 Comentários
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Mel

setembro 25th, 2007 às 8:51

OI,
Tudo bem? Gostei do escreve. Muito.
Indiquei seu conto para publicação na Vitrine Literária do Site Lima Coelho
http://www.limacoelho.jor.br


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Lu Monte

setembro 25th, 2007 às 12:51

No meu vôo, quando o piloto informou “tempo bom, sol e céu aberto em São Paulo”, dava pra sentir a tensão se desfazendo.
Essa profecia, tinha até me esquecido, deu o maior bafafá. Gente remarcando passagem e tal.


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Renata

setembro 25th, 2007 às 16:41

Adorei o post, ainda bem que eu não viajo muito de avião, em Outubro estarei salva (será?) em terra firme.
Aplausos no avião, essa é boa, o que o caos não faz, né?
Bjocas


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Renata

setembro 25th, 2007 às 16:43

Adorei o post, ainda bem que eu não viajo muito de avião, em Outubro estarei salva (será?) em terra firme.
Aplausos no avião, essa é boa, o que o caos não faz, né?
Bjocas


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Renata

setembro 25th, 2007 às 16:44

Adorei o post, ainda bem que eu não viajo muito de avião, em Outubro estarei salva (será?) em terra firme.
Aplausos no avião, essa é boa, o que o caos não faz, né?
Bjocas


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É!

setembro 26th, 2007 às 16:38

serve pra Santo Antônio também, né?


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