1 – Antes dessa explosão dos weblogs, você já costumava escrever? Seja diários, contos ou poemas?
Quando garota (acho que por volta dos 13 anos) arranjei um namorado platônico, um vizinho bem mais velho que eu e lindo de morrer. Como nunca na vida arranjaria coragem pra dizer a ele o que sentia, comecei a colocar tudo no papel. No começo, eram textos semelhantes aos posts, mas sem a cara do diário porque eu tinha medo que minha família ou amigos lessem e soubessem o que estava acontecendo. Pra disfarçar um pouco o teor romântico e esconder a situação, disse pra todo mundo que queria ser escritora quando crescesse e que, por isso, estava escrevendo daquele jeito.
Exagerei e escrevi um livro de verdade. Uma historinha boba de uma garota que vivia os dias de amorzinho que eu idealizava. Dei fim no livro depois de concluído, óbvio. Mas não deu pra parar de escrever porque a meninada da escola não me dava mais paz…
Uma colega de classe lia as coisas que eu escrevia e dizia pra deus e o mundo que era tudo lindo e não sei mais o quê. Aconteceu que a notícia rodou a escola e meninas (que nem me conheciam) me procuravam para que eu escrevesse pedidos de desculpa, cantadas e coisas assim para os paqueras que elas arranjavam. Vinham até mim, contavam suas vidas e eu escrevia o que elas sentiam de um jeito que trouxesse o resultado esperado. Uma espécie de mãe de santo da literatura que usava as palavras ao invés de galinha preta.
No começo foi bem divertido, mas depois do dia que uma aglomeração de menina louca se formou em frente a minha carteira, passei a cobrar. Aperfeiçoei os bilhetes com papéis de carta que eu mesma fazia e transformei a história em um dos meus primeiros negócios lucrativos. A vantagem foi que poupei meus pais da grana diária do lanche e do transporte escolar.
Depois disso, parei de escrever por volta dos dezessete anos. Entrei numa fase muito namoradeira e não dava pra perder tempo escrevendo, lendo, nem nada disso. Sem contar que escrever, na maior parte dos casos, me deixa meio triste. Então, nem que houvesse uma bíblia entalada no peito, eu trocaria as descobertas das festas e do sexo pela literatura.
Voltei a escrever só depois de casada, uns dez anos depois de ter parado. Culpa dos blogs, graças aos anos que passei segurando a bíblia de um casamento no peito.
2 – Porque, num primeiro momento, você decidiu ter um weblog?
Porque estava triste e me sentindo a mulher mais assexuada do planeta. E os blogs eram a minha cara… Um amigo me obrigou a parar tudo que estava fazendo e mostrou como funcionava a ferramenta, o esquema dos comentários, troca de links, etc. Foi amor a primeira vista, mas o primeiro blog falava sobre sexo.
3 – Como é sua relação com os leitores do weblog?
De receio e paixão. O que sempre me atraiu nos blogs foi a interatividade. Acho que bem mais do que a liberdade de expressão. Eu leio tudo que comentam, entro nos blogs dos leitores, acompanho alguns, mas raramente troco contatos. Não por me achar a última bolacha do pacote nem nada disso. Relação com leitor de blog parece relação de amor e acho que sofro de algum tipo de medo de não corresponder expectativas. Porque pode não parecer, mas sou facinha de fazer amizade, sabe? Aí gamo em todo mundo, fico querendo ser amiga pra sempre e depois não dou conta.
Sou eternamente grata a todos os leitores dos blogs que já tive e tenho. Eles me salvaram de tristezas cotidianas, do fim do meu casamento, das minhas crises de estima e, mesmo eu rosnando, alguns ainda me oferecem algum tipo de carinho. Eu devia agradecer pessoalmente a muita gente, mas ainda tô aprendendo a ser uma pessoa normal, que tem amigos, faz amigos, responde e-mails e essas coisas todas.
4 – Você pode detalhar mais sobre o processo de escrita do weblog. Quando você escreve quando acha que tem algo interessante a dizer para os seus leitores ou para desabafar sentimentos e opiniões pessoais?
Tenho uma preguiça gigante de escrever e não gosto. Pra piorar, não releio o que escrevo e posto sem pensar. Acabo me arrependendo com freqüência do que foi escrito (pelo conteúdo, pelos erros, por piração) e depois fico louca pra apagar tudo.
Escrevo quando estou triste, quando a idéia me parece boa, quando estou confusa, quando estou indignada, quando me sinto sozinha, quando estou secretamente apaixonada, quando existe uma histórinha pronta na cabeça me atormentando pra ser escrita. Caso contrário, não sai muita coisa. Também me arrependo de ter um blog onde assino com meu nome verdadeiro e tem a minha cara estampada. Hoje em dia preferiria ter um blog secreto. Um que eu pudesse falar (não me sinto escrevendo, sempre me sinto falando) à vontade sem me preocupar se magoaria ou não outras pessoas.
5 – Você acredita que o weblog é um espaço onde você poderia dizer o que você não diria cotidianamente para outras pessoas?
É, mas só se você tiver coragem. É dificílimo administrar realidade, ficção, metáforas, opiniões e sentimentos em um blog onde, entre as pessoas que lêem, estão algumas que te conhecem pessoalmente.
6 – Você costuma reler os textos mais antigos do weblog? Qual a sua relação com esses textos e como é a experiência de ler sobre si mesmo?
Muito raramente. Uma vez tive que selecionar alguns posts pra uma revista e, por um triz, não deletei tudo. Acho todos eles de uma chatice sem fim. Sem contar os erros grotescos e a confusão toda que sai sem filtro nenhum da minha cabeça. E não é falsa modéstia, não tenho mais idade pra isso. Na época que os reli, a vontade que me deu foi sair correndo em busca de uma vida menos medíocre.
7 – Você acredita que o weblog também serve como ferramenta para um maior auto-conhecimento?
Acho. Quando se tem um blog é comum a pessoa parar no meio de situações cotidianas e pensar “Puxa, isso dá um post.”. Esse processo faz a gente pensar e organizar os fatos de uma forma mais clara. Escrever na primeira pessoa e ter que lidar com os comentários também fazem parte do processo de auto-conhecimento. Muitas vezes, entre leitores e autor de blog, a relação é muito parecida com a de terapeuta e paciente. E os papeis se revezam dependendo do post. Já segui muito comentário de leitor…
8 – Existe uma gradação no seu weblog sobre o que é ficção e a realidade. Pode-se dizer que a ficção também diz um pouco sobre você?
Totalmente. Diz bastante. Tanto que parte da minha família lê o blog e não consegue mais distinguir o que é uma coisa e o que é outra. Meu irmão diz que o blog me transformou no “peixe grande” lá de casa. É exagero, mas pode ser que o blog tenha esse poder. O que sei é que alguns parentes contam histórias que leram no blog como se fossem realmente casos da nossa família. E eu acho graça… Me divirto misturando tudo, tentando me reconhecer diante dos fatos e tratando na terapia os que eu juro com os dedos descruzados que são a mais pura realidade.
9 – No começo do weblog você as vezes demonstrava um desconforto perante os leitores, o que gerava isso?
Necessidade de aceitação minha, pura insegurança, medo de me envolver… O pior é que a maioria vivia me elogiando e aquilo pra mim era o mesmo que encher um bebe de beijo, sabe? Na verdade, acho que a melhor explicação é a que dei pra um moço que assustei uma vez: Acho que sou como um moleque de pré-escola quando está apaixonado por uma garotinha e que, ao invés de dar uma flor pra menina, taca-lhe a lancheira na cabeça. Quando gosto muito de alguém sempre dou umas rosnadas, não tem jeito. É horrível e isso me faz mais mal do que bem, mas é assim que é.
No fundo, no fundo o que eu queria era poder conhecer melhor cada um que passava pelo blog… Só não sabia como lidar com aquilo. Aí era mais fácil fazer cara feia e rezar pra sobrar alguém que não tivesse medo de careta.
10 – Você acha que seria diferente caso você escrevesse no papel?
Totalmente. O que é escrito no blog é difícil à béça de ser passado para o papel… Mesmo quando é feito com esse intuito. No começo do blog, escrevi um post chamado “A Saga do Primeiro Beijo”, despretensiosamente, não consegui terminá-lo em um único post e ele virou uma bola de neve. Até hoje a história não está acabada porque vendi os direitos pra publicação e não consigo adaptá-la ao papel. O final se tornou o menor dos meus problemas, estou tendo que rescrever tudo.
11 – A reposta dos leitores em relação ao weblog te influencia no que você vai escrever?
Alguns leitores me inspiram e acabam dando idéias pra escrever outras coisas. Influenciam tanto no rumo de algumas histórias como até no meu dia a dia… Teve um rapaz que descobriu no começo do Amarula com Sucrilhos que eu era a autora de um blog de contos eróticos (meu primeiro blog) bastante popular no IG. Na época, morri de vergonha, tirei o blog do ar e disse num post do Amarula que haviam descoberto minha identidade secreta, mas que eu havia eliminado as provas. Fiz gracinha com a situação, mas aquilo me fez parar de escrever totalmente. Não queria de jeito nenhum que alguém pudesse misturar a personagem do blog com o que sou de verdade. Só consegui voltar a escrever posts eróticos (que é a única coisa que sempre me diverte) recentemente.
12- Você sente – ou já sentiu – necessidade de atualizar o weblog freqüentemente?
Antes não, hoje em dia sim. E muita… Quero só ter um diário, nada além disso. Quero poder falar da vida, das pessoas, dos meus sentimentos sem me preocupar com os outros. A merda é que não tem como não pensar naqueles que estão ligados as nossas histórias. Tem que ter uma cabeça muito da boa pra não viajar na maionese diante de um post e pirar com os comentários que podem deixar. É difícil, mas tenho conversado com as minhas pessoas mais importantes e tentado convencê-las de que só vai doer se ignorarmos a verdade ao invés de desconhecidos e possíveis alteradas na realidade.
13 – Já se arrependeu de ter escrito ou exposto algo muito pessoal no weblog?
Direto! Mas não há nada que um botão de delete não resolva.



Postado por:Alê Félix
06/06/2007
0 Comentários
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Luna

junho 6th, 2007 às 14:45

Você é tão maravilhosa, tão simples e tão presente que parece mentira que eu não te conheço.


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Luiza

junho 6th, 2007 às 18:15

Tambem me sinto assim com relacao ao meu blog.


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Gustavo

junho 6th, 2007 às 18:18

Você é uma ótima pessoa, dona Alê Félix. Muito inspiradora sua entrevista.


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Ana Claudia Holtz

junho 6th, 2007 às 22:34

Adorei a entrevista… a cada post te admiro mais e mais!
bom feriado!


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gabriela ticle

junho 7th, 2007 às 10:34

“Aí era mais fácil fazer cara feia e rezar pra sobrar alguém que não tivesse medo de careta.”
licença, colega, vou roubar essa frase pro meu blog pq ela DEFINE minha vida, hahaha.
nossa, deixa eu te contar aqui uns pontos interessantes do seu blog relacionados com minha vida.
um dia eu peguei um texto seu chamado “A Velha no Portão” para declamar no trabalho interdisciplinar da escola.
menina, o texto era ápice do stand! tem quase dois anos isso, mas o sucesso nos remete até hoje… o.O
mas enfim, foi aí que eu começei a frequentar o blog. depois parei, tentei ler a Saga do Primeiro beijo, mas me perdi toda e desisti.
esses dias, começei com um blog (mais um…) e voltei a frequentar o Amarula.
anteontem, uma amiga minha que tb é leitora, me disse que vc tinha morrido e até colocaram isso no blog. ¬¬’
bem, foi só um equívoco da parte dela, mas a gente ainda brinca que você voltou do além só pra não abandonar o blog. hehehe…
e… nossa, que comentário enorme! tô bege.
então, só pra você saber que vc tem uma leitora fiel que adora esse jeito HUMANO que vc escreve.
abraços! o/


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Gabriel

junho 8th, 2007 às 13:48

Ótima entrevista, parabéns! Mostra muito bem o processo de auto-conhecimento que o blog gera.


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Robson

junho 8th, 2007 às 13:51

Sou seu fã desde a época que você botava pra correr os leitores desse blog! hehhehe


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Juliano

junho 8th, 2007 às 13:53

Como alguém pode se assustar com você? Eu não entendo…


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Claudio

junho 8th, 2007 às 14:51

“E não é falsa modéstia, não tenho mais idade pra isso. Na época que os reli, a vontade que me deu foi sair correndo em busca de uma vida menos medíocre.”
Não é `a toa que há três anos venho aqui lê-la. Parabéns.


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Juba

junho 8th, 2007 às 17:36

Ah, é tão bom voltar aqui. Comigo aconteceu parecido, mas virei publicitária e pior… diretora de arte. Escrever é o meu alívio do photoshop…


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Clarice

junho 8th, 2007 às 18:49

Muito bom saber mais sobre você e essa coisa toda de escrever.Muito corajoso falar assim tudinho!
Confesso que já pensei em ter um blog no qual meus amigos e conhecidos jamais soubessem que sou eu quem escreve. “Parede de banheiro” Para aqueles dias de rato, de tristeza,de raiva de coisas pesadas, sabe…Achei o nome, mas ainda não criei coragem.
Como dizem os manezinhos em Floripa: Alê,dásh um banho!


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Lua

junho 9th, 2007 às 20:31

Nossa, eu me lembro da Saga do Primeiro Beijo!
Gostaria de saber q fim q vai dar! Avisa qnd o livro sair ok?
bjins


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Loreleine Botelhos

junho 18th, 2007 às 19:08

Querida ALê, estou escrevendo pois li sua entrevista no caderno Link do Estadão e achei sensacional sua idéia de lançar livros de blogs. Gostaria de pedir que vc desse uma olhadinha em meu consultório virtual, o http://www.pinkfreud.blogger.com.br. Desde já, agradeço. Um grande abracinho da Dra. Loreleine Botelhos – psicóloca.


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tina oiticica harris

junho 19th, 2007 às 2:12

Estava para vir aqui ler com calma. Ler já li, a calma a gent finge te-la. Várias assertivas confessionárias foram do balacobaco. Lembro-me de um dos primeiros posts que li aqui; pré MT; um diálogo com um moleque na praia, no Rio. Foi em 2006, não sei que data. Escrevi pra você, nada. Tudo bem. Vida que segue.
Ainda considero você e Suzi Hong as únicas blogueiras que escrevem melhor que eu. Estou feliz que tenha voltado com sua voz ímpar.


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Igor Otávio

junho 20th, 2007 às 17:08

Mina tu é muito foda!!
Parabéns por tudo! Excelente entrevista!
(venho aqui muito esporadicamente, mas sempre que venho – não é caô, nem puxação de saco não, é real – me faz muito bem ler seus posts. Eu me amarro! Tanto que sou inicialmente leitor do Jesus me chicoteia, e foi novamente através dele que eu caí aqui.)
Valeu!!


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Oscar Bottaro

junho 21st, 2007 às 11:50

Parabéns pelo blog, pela entrevista e pela matéria publicada hoje no JT.


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Lauro

junho 21st, 2007 às 12:09

Também li sua entrevista no JT. Você só publica blogs de sucesso?
http://amacula2.blogspot.com
amácula2 “O verdadeiro pecado é escrever para o público.” (Paul Valéry).
“Blot, blot, good Lod’wick!” (Shakespeare, Edward III). REVISTA ELETRÔNICA, JORNAL DE BORDO E POESIAS DE LAURO MARQUES©
CONTATO: macula@estadao.com.br Arte+Estética+Poesia+Literatura+Comunicação+Filosofia


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