Quando pequena eu ouvia minha mãe dizer que era muito feio encarar pessoas e situações estranhas. Eu ouvia e a obedecia desviando o olhar dos pés da Brucutu, da casa da Yolanda, do pai da Mariazinha, da tristeza do seu Joaquim… Obedeci até o dia que vi a Brucutu chorar sobre um par de saltos-agulha, obedeci até o dia que me dei conta de que eu era tão pobre quanto a Yolanda, desobedeci vendo o pai da Mariazinha ser preso, desobedeci quando assoprei pétalas de flor sobre as lágrimas do seu Joaquim. Desobedeci, muitos anos depois, quando estava dentro de um ônibus e uma indigente, com a cabeça cheia de verrugas, me fez descer alguns pontos antes.
Até hoje não entendo direito o que foi que aconteceu naquele dia… Eu estava em pé mesmo havendo vários bancos disponíveis. A mulher entrou, passou pela catraca e sentou-se muito próxima de mim. Próxima o suficiente para que eu não conseguisse desviar o olhar da sua cabeça de cabelos ralos, do couro cabeludo cheio de verrugas e do seu olhar fixo nos meus. Em qualquer outra situação, se algum desconhecido me olhasse daquele jeito, eu sairia de perto. Com ela foi impossível… Em uma fração de segundos, seus olhos lacrimejaram, sua boca tremia e ela me encarava como se eu fosse algum tipo de fantasma. Desconcertada e, inevitavelmente, segurando meu choro, tentei ser o mais discreta possível e sair do ônibus. Dei sinal, desci e me despedi da imagem daquela senhora vendo-a erguer-se na janela enquanto chorava e me seguia com o olhar. Uma imagem que durou o tempo de um ônibus desaparecer das minhas vistas, mas que permaneceu durante tanto tempo na minha lembrança, que uma verruga cresceu na minha cabeça poucos anos depois. Dois anos depois para ser mais exata, embora pudesse ter sido até cinqüenta. Qualquer saliência na cabeça me faria lembrar daquela mulher, daquele dia, daquelas verrugas, para sempre.
No começo, fiquei apavorada. Fui a dermatologistas, oncologistas, escrevi um testamento de bugigangas e decidi que não arrastaria o meu câncer no cérebro até a terceira idade. Todos os exames, inclusive um raio-x do crânio que eu obriguei o médico a solicitar, me disseram que aquilo era um nervinho estúpido e sem importância. Isso, óbvio, porque médico nenhum acreditaria que, na minha cabeça, o que existia era a idéia fixa de que, a mulher da cabeça de verrugas, era o meu futuro, que havia aparecido no meu passado, na tentativa de me mostrar como nós duas acabaríamos no final da nossa história. Uma versão dramática de algum filme barato com uma máquina do tempo eficiente. Filme barato e triste…
Eu enlouqueci com aquela verruga durante meses. E era um foda-se atrás do outro para aqueles que me chamavam de paranóica, doente e blá, blá, blá… Queria ver se fosse com eles, queria ver se fosse com vocês. Coincidência o cacete. O que aconteceu é que eu olhei tanto para a cabeça de verrugas que aquilo virou um medo e medos, ao contrário de sonhos, se materializam exatamente do jeito que a gente teme. Um medo que eu tomei coragem e cauterizei há uns cinco anos, mas que ficou dentro de mim de um jeito que passou a me pertencer. Aliás, como todos os outros medos. Por exemplo, eu tenho medo de ficar pobre, sozinha e louca. E esses medos são tão absurdamente fortes que me fazem crer que essas três situações estarão firmes e fortes ao meu lado no leito de morte. Não interessará o que eu fiz durante a minha vida para inverter o final. Não interessará ter trabalhado horas a fio, feito reservas financeiras, ter cuidado das amizades e da sanidade. Sonhos não interessam. Sonhos e planos são puras distrações e só servem para desviar nosso olhar das nossas sinas, das tristezas da vida e da alma. Servem para mostrar o que é nosso e o que não é nosso. Meus medos me pertencem, meus sonhos não. Não adiantou minha mãe me ensinar a não encara-los. De teimosa, eu olhei tanto, mas tanto para tudo o que me amedrontava, que hoje só me resta esperar que desviem o olhar de mim.



Escrito pela Alê Félix
26, agosto, 2005
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Antes que vocês encuquem com a maionese do post abaixo, está tudo bem comigo e com o meu casório. O post é resultado da minha nova mania de escutar músicas românticas em castelhano. Descobri com elas que sou mais brega, mais patética e mais apaixonada por histórias de dor de cotovelo do que eu imaginava. É um universo de letras tão tristes que me fizeram escrever o post aí debaixo, chorando, só de imaginar as dores que a gente sente quando está se separando. Não, não é masoquismo meu. Eu não gosto de sofrer, sofrer… Não qualquer sofrimento. Por exemplo, dor de queimadura eu não gosto. Muito menos dor de ouvido e dente. Puxão de cabelo e beliscão também não é minha praia. Mas eu tenho gostado de ouvir as paixões avassaladoras, tristes, dolorosamente boas e com finais trágicos e poéticos que os povos latinos cantam. Foi isso.
Beijinho e obrigada pelos e-mails e comentários de preocupação. Vocês são uns amores.



Escrito pela Alê Félix
21, agosto, 2005
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Feche a porta quando sair…
Leve suas roupas, seu cheiro, suas desculpas.
Deixe que o tempo apague as lembranças ruins e nos dê a graça da saudade.
Leve os discos, deixe o rádio ligado, deixe minha música tocar.
Fecha este livro e vá antes que amanheça, antes que a gente adormeça.
Deixe o resto do nosso amor sobre a mesa para que eu possa sacudi-lo amanhã de manhã junto com as migalhas de pão.
Desligue de uma vez esse chuveiro, feche essa torneira, dê algum tipo de descarga em nossas vidas, não esqueça sua escova de dentes.
Jogue a sua última toalha no nosso grande cesto de roupas sujas.
Deixe de falar “nós” como se fossemos um e volte a falar “eu”. Deixe que eu continue tentando ser a minha primeira pessoa.
Esqueça as rusgas e vá embora antes que eu permita que você desenhe novas rugas nos meus lábios.
Leve, por favor, os sonhos que ficaram jogados sobre a nossa cama porque eles não eram para ser meus e nunca foram seus.
Leve daqui esses últimos dias. Ponha todos eles dentro de uma mochila e carregue você um pouco dessa história.
Deixe meu orgulho em paz. Foi ele que me fez sobreviver, não foi ele que me jogou em outro caminho.
Feche a sua boca e não queira que eu abra a minha.
Ouça a música, respire um pouco de futuro e feche de uma vez por todas essa droga de porta que sempre esteve trancada.
Deixe que eu grite, que eu cale, que eu chore sem ter que confessar os meus pecados.
Deixe que eu seja cruel, infiel, desleal e inocente. Deixe que eu seja gente ao menos nos meus sonhos…
Deixe que eu quebre, cuide das cicatrizes, durma e acorde onde eu quiser, nos braços de quem eu quiser. Por favor, me deixa… Deixa tentar levantar sem a sua ajuda porque, antes de você chegar, a vida já havia me ensinado até a rastejar.
Feche a porta e me deixe sentir, desejar, caminhar…
Olhe para mim. Olhe pra mim! Tente compreender algumas destas lágrimas e permita que eu tenha a esperança de, um dia, voltar a sorrir.
Permita… Permita que eu sobreviva sem você e que você sobreviva sem mim porque eu ainda preciso que você permita, porque eu preciso que você se permita, porque ninguém me contou que os amores eternos só eram eternos porque estavam condenados a passar a eternidade acorrentados.
Liberta ao menos o meu corpo porque estou me desmanchando para libertar o seu.
Abra o meu cadeado, deixe que eu abra o seu cadeado…
Leve pra longe de nós suas queixas e a minha angustia… Tente encontrar suas tão sonhadas gueixas, algum tipo de emoção e deixe que eu encontre outra fé, outro tesão, alguma alegria.
Deixe… Deixe, por favor, que eu me apaixone quantas vezes eu puder porque é de paixão que me alimento, porque é paixão que preciso respirar e não o seu cérebro, suas ações, sua existência.
Feche a porta depois que sair… Bata a porta se possível. Assim levará contigo um grito meu de não volte nunca mais.
Feche a porta, desfaça nosso chaveiro e não tente olhar para trás porque eu, certamente, farei isso por nós dois.
Feche a porta e, por favor, encerre este caso sem arrancar meu coração. Porque depois que você fechá-la, querendo ou não, minha alma seguirá colada na sua.



Escrito pela Alê Félix
20, agosto, 2005
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Um dos grandes amores da minha vida acabou quando minha intuição me contou, baixinho, que o movimento estudantil dava um bom lucro para aquela garotada que dizia querer mudar o mundo.
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando eu percebi que o movimento estudantil não passava de uma escolinha de retórica que educava companheiros e, nem sempre, amigos.
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando eu descobri que prestar serviços para órgãos governamentais e partidos políticos acabava sempre em calote, chá de cadeira de até seis meses para receber, ou cadeia.
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando eu descobri que o nosso processo eleitoral é uma grande piada (Eu queria linkar a piada a um post que eu escrevi no dia que eu descobri que não votar e não justificar, não significa nada, não dá em nada, não pega nada. Mas, não sei porque diabos, o post desapareceu. A verdade é que, a não ser que você queira um cargo público, você não é obrigado a votar. A obrigatoriedade do voto é uma ameaça besta disfarçada de bicho papão.)
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando parei de ouvir as vozes que me faziam jurar não crescer de forma alienada.
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando eu fechei os jornais, ignorei o noticiário e parei de levar a vida tão a sério.
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando eu percebi que é da natureza humana se dar bem as custas dos outros e que é necessário dizer não todo santo dia para não se corromper, se vender por miséria.
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando as flores que mais encheram meus olhos de esperança, se desmancharam em dinheiro público.
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando eu deixei de acreditar nas palavras e passei a prestar atenção nos olhares.
Um dos grandes amores da minha vida acabou quando me recusei a pintar meu rosto de verde e amarelo.
Um dos grandes amores da minha vida, talvez um dos primeiros, aconteceu quando eu era garotinha… Aconteceu enquanto eu observava meu avô e pai discutindo energicamente sobre os efeitos que aquele amor causava na vida dos Homens.
Um dos grandes amores da minha vida começou a morrer há uns doze, treze anos. Mas eu achava que ele tinha morrido, definitivamente, quando deixei de comparecer às urnas, dei uma banana para as justificativas e fui dormir para sonhar com os discursos simples do meu avô que achava que era anarquista.
Uma das minhas grandes paixões era política e foi ela que me ensinou, quando morreu dentro de mim, a rir dos caminhos que escolhemos para nos distrair da vida, enquanto esperamos pela morte.



Escrito pela Alê Félix
18, agosto, 2005
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Mujer Que Camina
Alejandro Filio
Composição: Desconhecido
No conforme con tus ojos
Te propongo menos cielo, más abrazo
Hace tiempo que te sueño
Y ya no se como explicárselo a estas manos
Que se rompe en el espacio
Cuando pasas simplemente caminando
Cuánta estrella llevas puesta en la silueta
Que me sigue deslumbrando
No es la noche ni el café
lo que me obliga a caminar por esta casa
Esta maldita incomprensión
Que no despega de tu cuerpo la mirada
Sigues siendo irremediable
Imprescindible para todo lo que estalla
Como luna irrepetible
Como viento entre las ramas
Mujer para el sol de mañana
Mujer hasta el borde del alba
Mujer que te pierdo y encuentro
Mujer para afuera, mujer para adentro
Mujer desafiando a los astros
Mujer que camina sin rastro
Mujer que me abrazas el alma
Mujer que me robas…
Mujer que me robas la calma
De tu boca tengo el sueño
Cada noche, cada luna solitaria
De tu pecho el medio sol al horizonte
Que se pierde, que se escapa
Sigo siendo para el fuego y el dolor
Para el miedo y el olvido
No me pidas que defina un corazón
Desatándote el vestido



Escrito pela Alê Félix
15, agosto, 2005
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Medo da Chuva
Raul Seixas
Composição: Raul Seixas
É pena
Que você pense que eu sou
seu escravo
Dizendo que eu sou seu marido
E não posso partir
Como as pedras imóveis na praia
Eu fico ao teu lado sem saber
Dos amores que a vida me trouxe
E não pude viver
Eu perdi o meu medo
Meu medo, meu medo da chuva
Pois a chuva voltando pra terra
Traz coisas do ar
Aprendi o segredo
O segredo, o segredo da vida
Vendo as pedras que choram
sozinhas no mesmo lugar
E não posso entender
Tanta gente aceitando a mentira
De que os sonhos desfazem
Aquilo que o padre falou
Porque quando eu jurei
Meu amor eu traí a mim mesmo
Hoje eu sei que ninguém nesse mundo
É feliz tendo amado uma vez
Uma vez
Eu perdi o meu medo
Meu medo, meu medo da chuva
Pois a chuva voltando pra terra
Traz coisas do ar
Aprendi o segredo
O segredo, o segredo da vida
Vendo as pedras que choram
sozinhas no mesmo lugar
Vendo as pedras que choram
sozinhas no mesmo lugar
Vendo as pedras que sonham
sozinhas no mesmo lugar



Escrito pela Alê Félix
14, agosto, 2005
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Tai, o homem sábio devia declarar o seu amor como o Djavan e pedir desculpa como o Nando Reis.
Por Onde Andei

Nando Reis
Composição: Nando Reis

Desculpe estou um pouco atrasado
Mas espero que ainda dê tempo
De dizer que andei errado e eu entendo
As suas queixas tão justificáveis
E a falta que eu fiz nessa semana
Coisas que pareceriam óbvias até pr’uma criança
Por onde andei enquanto você me procurava
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava
Amor eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como um dia que roubaram seu carro
Deixou uma lembrança
Que a vida é mesmo coisa muito frágil
Uma bobagem uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama
Por onde andei enquanto você me procurava
E o que eu te dei foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei algumas roupas penduradas
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava
Amor eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como um dia que roubaram seu carro
Deixou uma lembrança
Que a vida é mesmo coisa muito frágil
Uma bobagem uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama
Por onde andei enquanto você me procurava
E o que eu te dei foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei algumas roupas penduradas
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava
Por onde andei enquanto você me procurava
E o que eu te dei foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei algumas roupas penduradas
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava



Escrito pela Alê Félix
11, agosto, 2005
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Vez em quando eu me afundo ouvindo tudo de uma figura só. Encanei com Djavan há alguns meses e ando cantarolando encantada com as letras que sairam daquele menino.
Todo homem devia ouvir Djavan, todo homem devia gostar do jogo da sedução, homem nenhum devia deixar de ser insistente. Porque faz parte da natureza do homem conquistar, porque faz parte da natureza da mulher estender a conquista e porque do jeito que estamos jogando perdemos o que há de mais sensual nos romances.
Se

Djavan
Composição: Djavan

Você disse que não sabe se não
Mas também não tem certeza que sim
Quer saber?
Quando é assim
Deixa vir do coração
Você sabe que eu só penso em você
Você diz que vive pensando em mim
Pode ser
Se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se…

Eu levo a sério mas você disfarça
Você me diz à beça e eu nessa de horror
E me remete ao frio que vem lá do sul
Insiste em zero a zero e eu quero um a um
Sei lá o que te dá, não quer meu calor
São Jorge por favor me empresta o dragão
Mais fácil aprender japonês em braile
Do que você decidir se dá ou não.



Escrito pela Alê Félix
10, agosto, 2005
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