Quando eu insisti para voltar da escola sozinha, ela me esperou no portão.
Quando eu estava triste, ela fazia bolinhos de chuva.
Quando eu estava feliz, ela me observava com um meio sorriso e olhos cheios de brilho.
Quando ela estava triste, acampávamos em cima da laje vendo as estrelas e as luzes que refletiam do outro lado da represa.
Quando ela estava feliz, todos estavam felizes.
Quando eu jurei que podia cuidar dos meus irmãos, ela resistiu, mas permitiu que eu tentasse.
Quando a gente discutia, só voltava a se falar na manhã seguinte.
Nunca falamos sobre como nascem os bebês, menstruação e sexo seguro. Falamos sobre as pessoas, sentimentos, contamos histórias… Mil e uma histórias de verdade e de mentira.
Quando eu quis aprender a dirigir, ela sentou no lugar do passageiro.
Quando eu bati o carro aos treze anos de idade, ela não desgrudou da minha mão. E eu achando que ela fosse me bater…
Quando ela descobriu que eu estava namorando escondido, me deu um tapa na cara. Anos depois eu soube que o pai dela fez muito pior, por muito menos. Não que uma atitude justificasse a outra, mas foi assim que eu aprendi que uma das formas de compreender o presente é olhar para o passado.
No meio da noite, a noite do dia do tapa na cara, ela se aproximou da minha cama, passou a mão pelo meu cabelo, me deu um beijo no rosto e pediu desculpas. Eu fingi que dormia, nós duas tratamos de esquecer.
Quando eu provei que podia ser maior do que era, ela assinou os dois anos a mais que eu precisava.
Quando ela precisou que eu voltasse a dirigir, eu perdi o medo de bater para poder socorrê-la.
Quando eu fazia bobagens que me mostravam que errar não era uma questão de tamanho, nunca deixava que os problemas fossem maiores do que a nossa casa. Eu fingia que sabia resolvê-los sozinha e ela conversava, conversava e conversava… Conversávamos tanto e sobre tantos outros assuntos, que os problemas acordavam sempre pequenininhos.
Ela nunca fez questão de saber quando foi que eu transei pela primeira vez; eu não teria contado nem sob tortura.
Quando eu pirava e precisava meter a mala nas costas para esquecer da vida, onde quer que eu estivesse, ligava todo santo dia pra ela. Eu perguntava de nós, ela perguntava da paisagem.
Quando eu saí de casa, ela insistiu que eu não fosse. Eu prometi que tudo daria certo, que depois do carnaval conversaríamos melhor. Ela fingiu que acreditou, eu fechei o porta-malas, nós duas choramos.
Quando tudo deu errado, ela enlouqueceu tentando me levar de volta. Eu não podia voltar, ela sabia que eu não voltaria, nós duas paramos de chorar.
Quando tudo estava perdido, em um canto da cidade eu entrei em uma igreja à procura de deus. Ela, do outro lado da linha, dizia, da forma mais bonita do mundo, que tinha fé em mim e que não a perderia por nada nessa vida.
Quando eu dizia que precisava mudar, ela me perguntava se eu estava apaixonada. Quando eu desconversava, rezava para ter herdado metade da intuição e sensibilidade dela.
Mesmo sem saber direito por onde eu andei, ela sabia.
Mesmo sem saber ao certo pra quem eu dei ou deixei de dar, ela fazia idéia.
Mesmo sem saber o quanto eu já errei e ainda erro, ela sabe que eu não faria nada errado.
Não somos unha e carne, já brigamos feito gato e cachorro. Não somos e nunca fomos grandes amigas. Não somos mãe e filha de uma geração que distribui “eu te amo” o tempo todo pra compensar a ausência. Nunca usamos uma cartilha, nunca houve necessidade de perdoar ou de ser mais ou menos do que éramos por natureza. E deu tão certo, que eu me pergunto se só um cordão bastaria. Porque, vira e mexe, eu penso nela e dou o mesmo sorriso que ela me dava quando me via descobrindo a vida. Porque, vez ou outra, eu me pego agradecendo por enxergar que, desde sempre, nós crescemos juntas… E penso que nasceria, quantas vezes fosse, filha dela e poderia nascer, outras tantas, sua mãe.



Postado por:Alê Félix
10/05/2005
0 Comentários
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Luiz Ricardo

maio 10th, 2005 às 3:13

Mãe também é fenômeno cultural, mas acho que as dessa geração são as melhores! 😀


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Menina-prodígio

maio 10th, 2005 às 11:19

Alê, eu sei que você decidiu não ser mãe. Então, vou esperar o dia dos namorados pra dar os parabéns pra você e pro maridón..


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Mariana

maio 10th, 2005 às 11:30

É, e vc me fez chorar no meio do trampo… porque eu entendo tudo isso, e minha relação com a minha mãe é bem (bem!) parecida. Mas talvez eu ainda seja muito nova pra perceber tudo isso…
Beijos!


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Sandra_Lima

maio 10th, 2005 às 12:13

Já faz algum tempo ( mais de um ano) que leio seus post, nunca comentei. Sempre tem a primeira vez, adoro seus post, é isso ai quando resolveres parar isso aqui só avisa antes para os fãs.


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Sue Ellen

maio 10th, 2005 às 14:47

É exatamente assim que me sinto, lindas suas palavras! Você consegue falar com o coração e nos fazer sentir cada instante como se estivéssemos assistindo.


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Sue Ellen

maio 10th, 2005 às 14:48

É exatamente assim que me sinto, lindas suas palavras! Você consegue falar com o coração e nos fazer sentir cada instante como se estivéssemos assistindo.


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Dani,danadnha

maio 11th, 2005 às 9:47

Gostei do visual Botero.
Quanto à minha mãe…amo-a. Mas não quero estender mais o assunto porque ando brigada com ela…mas ela não sabe. A essa altura do campoenato, prefiro poupá-la.


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Luciene

maio 11th, 2005 às 11:22

Ah Alê!!!
Deixar uma grávida ler isso é a maior covardia!!! To me acabando de chorar!
Saudades de vocês…
(Esquece! Isso é coisa de grávida!)
Beijão!!!
Luciene (aquela que tem um irmão lindo e inteligente chamado Jaime…)


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Menina-prodígio

maio 11th, 2005 às 12:12

Alê, isso tava bom pro Clube da Lulu, ou foi só impressão minha?


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Ann Di Angelis

maio 11th, 2005 às 20:33

Pôxa. Muito tempo que eu estou de passar por esse blog e nunca passo.
Não me arrependi de ter passado. Lindo o seu texto.
Muitas coisas aí eu me identifiquei, de verdade.
Parabéns pelo blog, e pelos textos.
=**


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Ana

maio 11th, 2005 às 20:53

Oi..Há mt tp eu leio seus posts…
eh a primeira vez q comento, e esse eh o seu post mais lindo. xorei…
adoro seu blog, parabens!!!
xau
🙂


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Eduardo

maio 11th, 2005 às 21:34

AVISO!!! Se voce visitar meu site terá que fazer um protesto ou um comentário em favor de toda a sociedade brasileira… Voce tem certeza que quer melhorar o país ?? Te espero lá!!


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Rina Pri =)

maio 12th, 2005 às 0:26

acho que essa foi a msg mais linda que já vi, sobre mães. parabéns…


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Adrina

maio 12th, 2005 às 11:38

Lindo, simplesmente lindo.


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Isis

maio 12th, 2005 às 17:47

Chorei também…quando dizem que mãe é tudo igual….
Ganhou mais uma fã.
Felicidades pra tu.


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Pérola

maio 13th, 2005 às 19:41

Oi menina… Faz um tempão danado que não passo aqui para ler esse confessionário tão íntimo mas tão distante… Claro q vc nem lembra do meu nome, mas mesmo assim saiba que me admira muito essa sinceridade com as palavras… Boa sorte mocinha, acho q a senhorita continua servindo de vida (vulgo: inspiração) pras outras pessoas…


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Jenny

maio 14th, 2005 às 13:39

Oi seu blog ta legal


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Camila

maio 14th, 2005 às 15:45

Oi Alê,quantas mensagens lindas em seu blog!!Esta então das mães está linda!!!Mas eu vim até aki pra participar da promoção do livro…eu coloquei um selinho do lançamento do livro no meu blog,entaum kero participar e ganhar!!!! Oendereço está acima,por favor aceite a minha singela inscrição.
Bjus,
Camila


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Flávia

maio 15th, 2005 às 1:50

oi!seu blog eh d+.soh tenho um pedido, por favor continue com a saga do primeiro beijo, ja li todos os capitulos e toh louca pra saber como continua.
Bjs.


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