Eu passei a vida negociando com o meu pai. Perdi todas as vezes, mas ele não sabe disso. Ele, se lesse o que eu acabei de escrever, riria seu riso incrédulo e diria pra vocês: “Mentira! Ela sempre fez tudo o que quis.”. Ele deve acreditar nisso; eu não. Ele deve achar que uma negociação se ganha quando a gente se rebela, vira as costas e vai embora fazer o que bem entende. Mas quem já foi um filho problema, sabe que não é bem assim… Sabe que o “não” de um pai é quase como uma praga rogada para cada passo dado sem a sua compreensão, sua aprovação. Meu pai sempre foi e sempre será o meu grande desafio no que se refere ao exercício da comunicação. É o cara que me emputece por nada, o sujeito que eu me esforço para entender, a pessoa responsável por todos os meus defeitos neste departamento. Não, não tô jogando a culpa em ninguém. Não há nada que eu ache mais baixo do que responsabilizar alguém pelas próprias atitudes. Só tô dizendo que meu pai é a herança genética que eu identifico quando estou brigando, traindo ou indo embora. É a parte que me faz rir do que não tem a menor graça, a parte que me leva à loucura que eu tanto temo, a parte que me faz perder a razão. Minha herança paterna é a raiz dos meus vícios pelos prazeres da vida e do desprezo que eu sinto pelas fraquezas humanas. Meu pai é a minha luta diária comigo mesma. E, quem já esteve de saco cheio de dar tanta porrada e cabeçada pela vida, sabe muito bem que, aos pontapés, a gente não sai do lugar. As pessoas podem achar que estamos longe, mas a gente sabe que a sensação é a de estar preso em um canto da sala, esperando para sair do castigo e, de preferência, com um pedido de desculpas. Não, não precisava um pedido de desculpas…
É engraçado. Eu e meu pai temos uma relação tão mal resolvida, que, mesmo quando eu me preparo para escrever sobre a minha mãe, eu acabo falando sobre ele. Mesmo quando me esforço para falar do bem que ele me faz, eu acabo brigando com o nosso passado. E ele nunca entenderia que o papel que lhe coube foi feito sob medida, que não tinha como ser diferente, que foi perfeito… Não, não era, ainda, pra ser sobre ele. E antes que eu me perca em palavras que não são mais reais, a verdade é que, por mais que ele me irrite com o jeito mais volúvel, engraçado e absurdo que deus lhe deu, ele me faz ter saudade dos vinte anos que eu pude tentar fazer o que bem entendesse porque estava sob a sua proteção. Uma proteção física, financeira e estrutural que me faz chorar nos dias que eu estou de cabelo em pé tentando ser metade do que ele, ainda hoje, consegue ser. Devo a ele meu orgulho, minha sorte, minhas mudanças de humor e de caminho. Devo o gosto pelas viagens, o tesão de pegar estradas sem saber direito pra onde ir, a necessidade de tirar férias, descansar nos fins de semana, tomar sol e viver bem. Coisas que, há dez anos, eu faço pela metade. A metade boa que me aproxima dele.



Postado por:Alê Félix
10/05/2005
0 Comentários
Compartilhe
gravatar

Luiz Ricardo

maio 10th, 2005 às 3:18

Gostaria de saber expressar com tanta clareza o que sinto pelo meu…


gravatar

isabella

junho 9th, 2005 às 18:22

ai sou gata e voce


gravatar

isabella

junho 9th, 2005 às 18:23

oi sou gata e voce


Deixe um comentário