Para ler ou lembrar onde a história parou, clique aqui.
Uma vez me disseram que quando a gente é criança, consegue ver magia até no meio do caos. Deve ser por isso que, durante muitos anos, eu vi o bairro onde cresci como uma espécie de paraíso no meio do inferno da periferia. Ao contrário do que acontecia em outros bairros, mesmo sem planejamento, as casas de lá não cresciam amontoadas umas sobre as outras. Todos tinham o seu quintal, sua horta e sua laje. As ruas eram de terra batida ou calçadas com paralelepípedos e tínhamos árvores, descampados, céu com pôr-do-sol na represa e noites estreladas em cima dos muros. O bairro, ora cheirava a mato, ora a terra, ora a água. Em dias de chuva, todos os cheiros se misturavam e não havia criança que não corresse para brincar na rua depois (ou enquanto) ela caía. Muitas vezes, principalmente depois das chuvas de verão, era comum encontrar a molecada no descampado do topo do morrão, esperando para ver os arco-íris se formarem. De todos os descampados, aquele era o que mais gostávamos, o mais próximo do céu, o que tinha a melhor vista e o único que batizamos. Talvez pela obviedade geográfica ou pela magia da nossa inocência, o chamávamos de Paraíso.
Fugir para o Paraíso significava sujar a bunda no gramado que nunca virava mato, impedir os garotos de perturbarem os montes de borboletas que pousavam até sobre os nossos narizes, fazer apostas para ver quem tinha coragem de entrar na mata pela trilha do meio, discutir sobre a localização exata do fim dos arco-íris, brincar de beijo, abraço, aperto de mão e torcer para que não escurecesse rápido. Nenhum de nós arriscava ficar no Paraíso depois do sol se pôr. Lenda ou não, rolava uma história que dizia que, após o último raio de sol, aquele que atravessasse o Paraíso ou permanecesse nele durante a noite, seria pego pela Brucutu e teria o pipi amaldiçoado. Os adultos juravam de pés juntos que aquela era uma invenção do povo desocupado,. Só que, depois do sumiço e do retorno do velho Zacarias, não adiantou nada pai e mãe da gente jurar. Todo mundo viu quando, depois de passar quase uma semana desaparecido, o Zacarias surgiu na trilha do meio gritando que a Brucutu o havia arrastado mata adentro, preparado uma mandinga e tascado ela no bigulinho dele. E vimos todas as vezes que ele jurou pelos seis filhos homens que tivera com suas seis esposas, que a história era verdadeira. Contou para todos os moleques e meninas da minha turma que o fato se deu no dia da chuva de estrelas e que ele só foi pego pela Brucutu porque esqueceu da vida deitado no gramado do Paraíso. Dizia que ela era uma mulher mal amada, que havia sido traída pelo marido e pela irmã, que caiu em desgraça, se afugentou na mata e jurou aprender todos os mistérios da rogação de pragas para destruir aqueles que tivessem traído alguém no passado. Seu Zacarias contava que nunca havia cometido traição nessa vida, que só queria ver a chuva de meteoros, que não moveu uma palha para entrar na mata e que, mesmo assim, a Brucutu apareceu para pegá-lo. Como era de se esperar, todos nós ficamos com muito medo de passar do horário nas proximidades do Paraíso. Todos, menos o Murilo, que dizia saber mais sobre a Brucutu do que qualquer um de nós. Ele não dava pistas, claro. Qualquer que fosse o assunto saído de sua boca, era sempre uma narração pela metade ou só um primeiro parágrafo confuso. Nunca ele dizia o que eu queria ouvir, sempre dava a impressão de que tinha uma vida esquisita e cheia de segredos familiares e, em momento algum, era capaz de transformar o nosso namorico no conto de fadas que eu esperava de um primeiro namorado. E só naquela noite, enquanto eu atravessava as ruas do bairro, que me dei conta de que era isso que me fascinava nele. A noite que, pela primeira vez, eu havia desobedecido meus pais achando que era somente para esbofetear a estúpida da minha amiga metida a besta…
O temporal começou minutos depois de eu me dar conta do que realmente sentia e queria com o Murilo. Não era paixão, não eram seus olhos azuis, não era nenhum sinal de amor eterno o que eu sentia. Era só uma curiosidade danada de beijar na boca, ter um namorado igual a todas as meninas da escola e o interesse natural que toda garota tem quando descobre que alguns meninos vivem em mundos menos acessíveis do que outros. Naquele instante, desisti de estapear a Marilu e dei meia volta antes de seguir pela rua do Paraíso. Era para a casa do Murilo que eu precisava ir, era com ele que eu queria conversar. E eu juro que mudar o caminho não teve nada a ver com a história da Brucutu e o meu medo de atravessar o Paraíso no meio da noite! Até porque, eu não tinha um bilau para ser praguejado e nenhuma traição para ser vingada… Não até aquele dia.
———————–>>>Continua.
Clique aqui para ler o primeiro post da saga do primeiro beijo.



Escrito pela Alê Félix
13, março, 2005
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Escrito pela Alê Félix
11, março, 2005
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Não agüento mais sonhar com o fim e com o começo da vida na Terra. Todo mundo que eu conheço – quando lembra – sonha com coisas normais. E eu só sonho com essas aberrações repetitivas: ou são explicações sobre como viemos parar aqui ou sobre como iremos sair. Pior é que eu acordo de um jeito que parece que fui abduzida. Tô começando a encanar que há um chip no meu cérebro… É deve ser isso. E o chip deve ter um portal para um Holodeck… É deve ser isso. Mas, se há um portal para um Holodeck na minha cabeça, por que eu não sonho que estou voando sobre o oceano pacífico, rindo com o Bob e a Rita Marley, fofocando com a Maria Madalena, jogando gamão com a Cleópatra, caindo na gandaia com a Leila Diniz e o Tim Maia, paquerando o Che ou sendo seduzida pelo Vincent D’Onofrio? Por que meus sonhos precisam ser revelações divinas e não festas carnais? É abdução, só pode ser… Eu querendo os olhares do Vincent e algum ET me querendo. Abdução estúpida! Se eles (os verdinhos) acham que eu vou voltar a escrever nesse blog e, ainda por cima, sobre os absurdos que eles andam me pedindo, estão muito enganados. Não vou passar por louca nem que a vaca tussa.



Escrito pela Alê Félix
10, março, 2005
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Como é que alguém ainda paga pra assistir filme nacional? Como é que eu ainda pago? Acabei de assistir Cazuza. Eu sabia que ia odiar. A história de nenhum homem deveria ser contada pela sua mãe. Aí era só juntar esse pecado, mais os dedos da panelinha cinematográfica nacional e esperar pelo enjôo que esse nosso cinema me causa.
Cazuza deve ter se revirado no túmulo, tadinho… Mas certamente teve uma ereção com a atuação do Daniel de Oliveira. Garoto competente. Pena que nasceu no Brasil.
Mais Respostas:
Dornelles, tá louco? Imagina! O Barão sem ele perdeu o brilho. O mimado era um cara especial, que fazia diferença no cenário musical. Não dá pra gente negar isso. Sobre a saudade, tá louco mesmo. Tirando maridon, o Henrique e a minha alma gêmea gaúcha , você é a única pessoa do planeta que eu ainda converso. Tá reclamando de quê? 🙂 Só porque eu ando mais bicho do mato do que de costume? Brincadeira. Muito bonitinho, viu? Principalmente vindo de você e do seu coração que não declama.
Poliana, penso exatamente como você. Toda critica é pessoal. E graças a deus que é, né? Acho que são essas discordancias que fazem a gente procurar nossa turma, nosso caminho, nossas coisas. Isso é bom. Só fica ruim quando gera prenconceito. Mas enfim, sempre gera. É da gente brigar por besteira.
Adriano, é assim mesmo que funciona. E em todos os lugares. O mercado editorial é assim, o musical e por aí vai. E certamente é assim no mundo inteiro. Essa mania de proteger e beneficiar as pessoas próximas é da gente também. Mais uma merda humana. Sobre a sua saudade, achei ela tão bonitinha. Deu até um solavanco… Obrigada por ele (o solavanco). Eu ando precisando. 😉 Ah! Vou assistir o moço que copiava. Só porque foi vc e a Prodígia que mandaram.
Lis, melhorando eu não sei. O momento é outro, a cabeça é outra. Está diferente. Eu me divirto com os filmes antigos brasileiros. Os atores, os dialogos, a falta de noção… rs É tudo muito engraçado.
Prodígia, também achei uma coisa medonha aquela parte do “tocado pela AIDS”. Mas, mudando de pato pra ganso, que bom que gostou do Balde de Gelo e do oi que eu pude mandar. 😉
Bianca, não sei. Acho que real alí, nem a pegação. Acho que era mais forte o babado. Como a gente especula, né? 🙂
Ananda, eu também queria fazer isso mais vezes. Quer dizer, não sei se queria de verdade. Se eu quisesse era só fazer. Tempo a gente arranja, né? E falta de tempo é a desculpa ( nem tão desculpa) que eu costumo dar para me manter afastada. Eu não sei o que acontece… Eu evito. Morro de vontade de conhecer algumas pessoas por aqui, de papear, mas deixo elas passarem como se eu nem as tivesse visto. É esquisito e horroroso da minha parte. Eu sei que ignorar parece frescura, arrogância e essas coisas todas que a gente acha de gente metida a besta. Mas não sei que bicho me dá. Juro que não sei. Vou cuidar disso um dia. Juro. Só espero que não seja tarde demais. 🙁
Respostas aos comentários:
Letícia querida, eu também acho o Brasil um país geograficamente lindo, adoro morar aqui e isto não tem nada a ver com o que eu penso sobre o cinema nacional. Quando eu digo que é uma pena o Daniel de Oliveira ser brasileiro me refiro a ter que ser ator em uma indústria que, a meu ver, é ruim e tem poucas chances de, a médio prazo, mudar. Pra melhorar seria necessário renovar os bastidores o que acho difícil de acontecer tão cedo. Você tem razão quando diz que a história do Cazuza tinha mesmo que ser contada, mas acredite, quem conhecer só o Cazuza do filme vai achá-lo um pé no saco.
Zé, não vi Narradores de Javé, vi Domésticas e nem lembro direito. Se fosse bom eu lembraria. Excelente, até hoje, só Cidade de Deus.
Mani, a questão não é se o filme é americano, francês ou brasileiro. É obvio que existem produções boas e ruins em todo lugar. O que é foda de aguentar é ver sempre os mesmos caras fazendo cineminha pra brasileiro ver. É uma panela que se acha do caralho e nos condena a contemplar um trabalho que vai do ruim ao medíocre. E os problemas se repetem. Existe uma incapacidade de evolução inacreditável nessas pessoas. É só triste no final das contas.
Little, manda seu pai parar de viadagem e deixar você assistir o filme que quiser. 🙂
Sobre a saga, eu devo terminá-la nos próximos meses. Por enquanto não dá. Minha vida tá mais enrolada do que o meu intestino.
Néri querida, acho que a sua interpretação não fez jus ao seu QI de 140. Releia o post e você verá que minha crítica se refere à indústria cinematográfica e não ao país como um todo.
E cuidado com essa história de orgulho brasileiro. Primeiro porque todo orgulho é imbecil, segundo porque existe uma realidade por trás do que a mídia nos ensina a consumir que, um dia, te entristecerá tanto quanto as pessoas que você acredita admirar.
Fla, ouça as canções dele, preste atenção nas letras. Não vou rever Domésticas. Lembro que era engraçadinho e isso não vale uma segunda locação. 🙂 Tô com saudade de você. Espero que a vida esteja boa. 😉



Escrito pela Alê Félix
6, março, 2005
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