Dia desses me peguei lembrando da Magnólia…
Magnólia foi a primeira empregada que minha mãe conseguiu contratar na vida. Não porque não precisasse de ajuda durante todos os anos posteriores ao
casamento, mas porque ela própria já havia trabalhado como doméstica e não se sentia à vontade pagando para que fizessem o único trabalho que ela se
julgava capaz. Foi um parto convencê-la de que seria impossível cuidar da casa, de quatro filhos, de um marido e de uma nova perspectiva
profissional. No começo ela bem que tentou. Fazia jornada dupla sempre que podia, eu cuidava da arrumação da sala e da cozinha, minha irmã dos
quartos e do banheiro e meus irmãos passavam o dia produzindo sujeira e assistindo desenhos animados.
A tentativa não deu certo… Eu e minha irmã brigávamos, matávamos os pequenos de fome e no fim do dia, a casa estava virada do avesso pra pobre da
minha mãe cuidar. Foi então que a Magnólia apareceu…
– Como é seu nome?
– Maólia.
– Anh?
– Manólia.
– Fala devagar…
– Mag-nó-lia.
– Magnólia?
– É! Cê-é-surda-menina?
Magnólia falava muito rápido, com um sotaque arrastado e tom de voz nasalado. Era quase impossível compreendê-la na primeira tentativa e, não
bastasse o problema da fala, Magnólia tinha uma aparência e um jeito agressivo que tinha tudo para nos meter respeito, se não fosse cômico. Minha mãe
teve medo que eu e meus irmãos nos divertíssemos às custas da moça, mas por algum motivo, lá em casa nós só zombávamos de nós mesmos, de quem pedia e
quem merecia. Apesar dos muitos defeitos, tínhamos uma qualidade rara: não bancávamos os engraçados às custas da desgraça alheia. Não lembro de
ninguém ter dito que não podíamos ou coisa parecida. Não se falava de politicamente correto naquela época, porque não era necessário. Rir ou fazer
piada nesses casos, era só triste e cruel aos nossos olhos. Acho que Deus deve ter colocado uma dose a mais de bom senso nos nossos espíritos. Uma
dose tamanha que fez com que toda a nossa maldade fosse direcionada para construir o nosso caráter e não para destruir aqueles que carregavam fardos
maiores.
Magnólia era só uma garota arredia em busca de um pouco de alegria para a vida miserável que levava. Completou dezoito anos no sertão do Rio Grande
do Norte, não casou porque tinha raiva dos homens que conheceu e tratou de ficar feia, forte e arisca para se defender de filhos indesejados e de
gente filha da puta. Foi mandada pra São Paulo porque não tinha mais serventia em sua casa e tornou-se mais uma boca geradora de despesas. Chegou de
ônibus depois de dias de viagem, hospedou-se na casa do irmão por uma noite e, no dia seguinte, estava de mala e cuia na nossa cozinha… Uma cozinha
de desconhecidos que precisavam dos seus serviços domésticos em troca de míseros detalhes que todos deveriam ter por direito: cama, comida, dois dias
de folga por semana e salário decente.
– Magnólia, tá acordada?
– Não.
– Eu sei que você está…
– Quê-cê-qué?
– Quem são seus pais?
– … Umas pessoas lá do Norte.
– Umas? Você tem mais de um pai e uma mãe?
– Vai-durmi-Lessandra! Chega-de-conversa.
– … Magnólia, por que você veio morar com a gente?
– Porque-sim!
– Você não tem vontade de voltar pra sua casa?
– Pra-quê? Ninguém-mi-qué-lá!
– Mas você não tem saudade de lá? Ninguém que você gostou, sua casa, um lugar bonito, um parente legal, nada?
– Não.
– Então por que você chora de noite quando a gente vem dormir?
– Eu-não-choro!
– Chora!
– Choro-não-sua-besta!
– Chora sim que eu já vi!
– …
– …
– … Porque eu queria ter do que gostar e sentir saudade nessa vida.
Saudades da Magnólia…



Postado por:Alê Félix
21/05/2004
0 Comentários
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Neto Cury

maio 22nd, 2004 às 6:02

Só acordando às 05:30 da manhã pra conseguir ser o primeiro a comentar aqui….rs
Boa lembrança essa. Beijos.


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André Stern

maio 22nd, 2004 às 9:58

E só acordando as 10 e pouco pra ser o segundo XD
Wow essa Magnólia hein? Hehe tenho tantas histórias de empregadas para contar XD a Cícera mesmo… hehe
Pronto, não tem mais “Só um?” comentário 😉


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Mariana

maio 22nd, 2004 às 10:11

Bom dia menina,
gosto desse nome, Magnólia.
Pois é, ainda bem que vocês não tinham pelo menos essa qualidade, já imaginou o que seria de Magnólia?
Fiquei com pena dela, não ter saudade de nada nem ninguém não deve ser nada bom.


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Mariana

maio 22nd, 2004 às 10:11

Bom dia menina,
gosto desse nome, Magnólia.
Pois é, ainda bem que vocês tinham pelo menos essa qualidade, já imaginou o que seria de Magnólia?
Fiquei com pena dela, não ter saudade de nada nem ninguém não deve ser nada bom.


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Keka

maio 22nd, 2004 às 12:00

=\
Essa sua história da Magnólia me lembra coisas… Melhor deixar quieto.
Beijos


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Prih

maio 22nd, 2004 às 12:03

Nossa, quase chorei… =I
Duro essas coisas… (Ú_Ù)
=****


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Prih

maio 22nd, 2004 às 12:04

Nossa, quase chorei… =I
Duro essas coisas… (Ú_Ù)
=****


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Isabella

maio 22nd, 2004 às 12:05

Ah, Alê… a vida dá muitas voltas… Talvez agora a Magnólia já tenha do que gostar e sentir saudades…
Fiquei triste tmb, pq deve ser muito ruim se sentir assim… Conta mais pra gente depois! Qto tempo ela ficou na sua casa? Vcs conversaram +? Qdo ela
foi embora? Pq?
Só se vc quiser, né…? 😉
Adoro seu blog. Adoro vc, Alê.


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Isabella

maio 22nd, 2004 às 12:09

Ah, Alê… a vida dá muitas voltas… Talvez agora a Magnólia já tenha do que gostar e sentir saudades…
Fiquei triste tmb, pq deve ser muito ruim se sentir assim… Conta mais pra gente depois! Qto tempo ela ficou na sua casa? Vcs conversaram +? Qdo ela
foi embora? Pq?
Só se vc quiser, né…? 😉
Adoro seu blog. Adoro vc, Alê.


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Taly

maio 22nd, 2004 às 12:14

Ah! Eu tb tive uma assim. É muito bom.
Ela morava em Colatina – ES e veio para cá.
O nome dela é Juvanilda Lucia Piva. Ao todo são 16 filhos (já morreram alguns) e todos são JLP (João Lucio Piva) sem nenhum nome repetido. Não sei
como, mas o apelido dela era Pira, Pirinha. Nunca soube muito bem pq. E ela passou a minha infancia inteira me pondo medo de Deus e façando todas as
minhas vantagens ahuahuahuah
Sinto saudades dela tb.
Beijos


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Lully

maio 22nd, 2004 às 16:17

Esse post é muito sentimental, gostei!
É nas pessoas mais simples e humildes que encontramos as maiores demonstrações de afeto e compaixão. Acho que pelo fato da simplicidade não exigir
aparências, ou lembranças, ou qquer outro tipo de sentimento, qdo a pessoa é simples ela é…. simplesmente!


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Miriam

maio 22nd, 2004 às 16:19

Voce eh um barato, Ale! Venho sempre aqui ler suas paginas e, a cada dia, gosto mais. Viajo nos seus textos!!


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Mia

maio 22nd, 2004 às 17:41

rs… td mundo tem uma Magnólia na vida…rs…
Aqui em casa tem um quadro q tem o poster d It’s a wonderful Life, por causa do Frank Capra… o sobrenome é o mesmo do meu padrasto…
Bjinhos…


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Túlio

maio 22nd, 2004 às 19:14

É por vida como esta que às vezes me sinto culpado por reclamar da minha…
Imagina como era triste pra essa menina pensar que ninguém a amava de verdade, de que ele tinha que enfrentar o mundo sozinha, sem ter o apoio de
ninguém… nem de quem a gente sempre encontra apoio, força: os familiares.


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Túlio

maio 22nd, 2004 às 19:15

É por vidas como esta que às vezes me sinto culpado por reclamar da minha…
Imagina como era triste pra essa menina pensar que ninguém a amava de verdade, de que ele tinha que enfrentar o mundo sozinha, sem ter o apoio de
ninguém… nem de quem a gente sempre encontra apoio, força: os familiares.


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Arquimimo Novaes

maio 22nd, 2004 às 20:00

Alessandra, que narrativa ou relato, sei lá! Sou filho de nordestinos. Conheço alguns casos bem tristes também. Quando a gente “ouve” coisas assim
pensa que as “macabéas” da Clarice andam por aí bem próximas de todos nós.
Um abraço,


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Cacau

maio 22nd, 2004 às 21:31

Boizé.
E pensar que tanta gente assim é judiada, maltratada. Que bom que sua família a acolheu. Você tem notícias dela?
Fico pensando… a vida é injusta, muitas vezes.


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P3nsad0r

maio 23rd, 2004 às 2:16

Triste, vontade de sentir saudade, de certa forma sinto isso. Me sinto culpado de as vezes nao sentir saudade de meus pais, que estao um tanto longe.
Bjs


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Junior Metheoro

maio 23rd, 2004 às 2:25

Alê!!! Como, eu pergunto, como? Você consegue trasnformar uma história que seria cômica em uma coisa tão linda… no final, depois de rir um pouco,
ensaei até um choro!! Putz!! Adoro vc!! Adoro seu blog!! Adoro a Magnólia!!


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Fe

maio 23rd, 2004 às 2:40

UAU!!!
è, vc realmente escreve muito bem, passa a história de uma maneira linda.
É realmentemuito bom ter o que gostar, o que sentir saudade… obrigada por nos mostrar que naum precisamos chorar como Magnólia….
Parabens!!!
Bjus


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LuD

maio 23rd, 2004 às 3:10

adoro seus posts, saum realmente mto bons…….gosto especialmente da saga do 1º jo………mas é ruim de ler, pq eles ficam mto espalhados pelo
site……gostaria de te dar uma sugestão pras suas “histórias seriadas” depois q terminá-las, vc podia por td junto e por um link no canto da
página…….pq aí vc já termino, e quem num leu td (como eu), pode ler de uma vez em vez de ter q ficar procurando pelos outros meses……..bom é
isso, continue escrevendo assim, vc é uma verdadeira artista………bjinhhuuusssssss


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Andder

maio 23rd, 2004 às 6:06

Que pena da minha conterrânea nordestina.
Enfim, nesse último diálogo a pequena Alê (meu deus que intimidade, mas eu leio o blog e sou sem noção, desculpa) queria arrancar lágrimas da
magnólia a todo custo, parecia o faustão.
Quando vi o título do post pensei que era sobre o filme, mas foi melhor que encomenda e perdão pela comparação nada a ver com o
Faustão. 🙂


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Dudynha

maio 23rd, 2004 às 11:50

Ahhahaha… empregadas são sempre uma comédia e sempre ficam histórias hilárias sobre elas…
Eu, sinceramente, não seria nada sem minha babá (ela foi contratada como empregada mas hj em dia até vira até psicóloga ás vezes…)


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Lidiane

maio 23rd, 2004 às 16:09

Alessandra.
Não lembro como vim parar aqui, mas que bom!
O texto da Magnólia me fez lembrar Macabéa seus pregos e parafusos.
Macabéa que gosto tanto…


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Trinity

maio 23rd, 2004 às 19:32

O pior não é nem o temperamento, é entender o que elas dizem. Mas são legais…


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Fer

maio 23rd, 2004 às 21:31

as vezes a gente nao sabe se ri da situacao ou fica com dó das pessoas… pior do q chorar d saudades, eh nao ter motivo p/ chorar


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guilherme

maio 23rd, 2004 às 22:14

o bom de pessoas como a Magnólia é que elas acabam se tornando mais fortes do que o normal. ainda acho que elas nao pretendiam ser tao fortes assim
pq a carga de sofrimento deve ser terrivel, mas é tanto possivel sobreviver como morrer.. talvez seja mesmo a escolha o problema de tudo.


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Trakinas

maio 24th, 2004 às 11:45

E o resto da saga do 1° beijo???


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Junior

maio 24th, 2004 às 13:40

Pra gente ver que nem falta de dinheiro, nem falta de posses, nem falta de educação, nem problemas físicos podem abalar um ser humano quanto a falta
de saudades. Merda, sou um Magnólio… 🙁


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Flávio Faustinoni

maio 24th, 2004 às 18:51

Pois é, e ela promovia uma chuva de sapos igual ao filme????
sabe que quando eu era pequeno eu tinha uma vizinha chamada magnólia, mas a mulher odiava o próprio nome e fazia todo mundo chama-la de Magda. E
também quando eu era pequenino, minha mãe costumava ir a reuniões de venda de bugigangas, tipo tupperware, e tinha uma dessas reuniões que só vendiam
camisolas, e adinha oo nome das camisolas????
MAGNÒLIA.
será que sua empregada rondava por aqueles lados??hehehe
bjuz
flávio


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Flávio Faustinoni

maio 24th, 2004 às 18:52

Pois é, e ela promovia uma chuva de sapos igual ao filme????
sabe que quando eu era pequeno eu tinha uma vizinha chamada magnólia, mas a mulher odiava o próprio nome e fazia todo mundo chama-la de Magda. E
também quando eu era pequenino, minha mãe costumava ir a reuniões de venda de bugigangas, tipo tupperware, e tinha uma dessas reuniões que só vendiam
camisolas, e adinha oo nome das camisolas????
MAGNÒLIA.
será que sua empregada rondava por aqueles lados??hehehe
bjuz
flávio


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Ana

maio 24th, 2004 às 19:40

Eu sou muito novinha ainda. Nasci na era do “Xou da Xuxa”, da linguagem do “xis”… E qdo eu lembro de pessoas como a Magnólia que passaram na minha
vida, lembro-me bem de que todas remotam essa época…
A “Xida” chegou a minha casa depois de dezenas de tentativas falhas em busca da pessoa que cuidaria de mim e dos meus irmãos para que minha mãe
pudesse trabalhar… Em paz. Algumas não passavam do primeiro dia porque me achavam terrível e não queriam ser acusadas da minha morte (como da vez
que eu com uns poucos aninhos, e poucas pernas, caí dentro do balde d´água e fui tirada já roxa pela empregada que estava lá apenas 1 dia).
Então veio a “Xida”, né?
Ela ficou na nossa casa lá em Goiânia por quase 10 anos. E eu sempre me lembro dela gritando “ANA LUISA… VAMOS FAZER NHOQUE?”. Ela foi embora
quando resolveu se casar…
E nunca mais houve outra “Xida”, que ria de mim qdo eu falava ‘Vovó Xixi’… E nunca mais houve “nhoque”….


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Joselito

maio 25th, 2004 às 10:55

LEGAL A HISTORINHA.
QUANTO TEMPO A TAL MAGNÓLIA FICOU COM VOCÊS ATÉ SER DEMITIDA SEM DIREITO A NADA?


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Lila

maio 30th, 2004 às 23:04

Lindo, Alê.
🙂


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Diego

julho 14th, 2004 às 8:05

Olá pessoas!
Bem, preciso mais de um help de vocês:
Sou amigo do Flavio Faustinoni. Era vizinho da mãe dele. Preciso falar com ele urgente mas não me recordo do número do celular.
A casa dele está para alugar e estou interessado.
Por favor, se alguém tiver algum número de contato, envie urgente para mim, pelo e-mail diego.nunes@basf-sa.com.br ou pelo telefone 4343-2478.
Obrigado!


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glrete

dezembro 19th, 2005 às 18:22

Xuxa ,
Vc tem o seu número do seu celular me passa ? porque eu qr falar com vc tá vc topa ( ) sim ou não ( )
Escolha e marque – os Obrigada xuxa


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