– Alezinha, chega aqui! Preciso trocar um particular com você.
– Diga.
– Seguinte, sabe como é, né?
– Como é o que?
– Você, o Murilinho…
– O que tem eu e o Murilo?
– Alezinha, Alezinha o amor é lindo!
– Que amor Ivo? Se liberta!
– Pô, olha essa mina! Eu aqui de favor, a favor do romance, do amor, da felicidade do meu amigo e você só no grosseirismo.
– Qual é a palhaçada desta vez, Ivo?
– Palhaçada nenhuma meu cacto-rosa…
– Desembucha, Ivo…
– Na lata?
– Na lata.
– Murilinho está afim de você.
– Quê?
– Na verdade, ele quer saber se você ainda sente ódio por ele.
– E porque eu o odiaria?
– Ah, sei lá! Ele me contou umas paradas de consultório dentário. Uns arranca-rabos do passado de vocês.
– E o centro-das-atenções acha que eu o odeio?
– Acha, cascavel. Agora diz ai: meu amigo tem chance ou não tem?
– Que mais ele te disse?
– Ih… sem essa de mulherzinha. Não sei contar detalhes de menina, não. Comigo é tudo no pá-pum: ele está afim de você. Se você também estiver, bem.
Se não, já era e morreu o assunto.
– Custa contar?
– Custa, porque eu não sou homem de ficar de futrica com mulher de amigo meu.
– Que homem? Que mulher de amigo seu? Se liga, Ivo! Não gosto do Murilo.
– Sacanagem com meu camarada, hein?
– Não vai dar certo.
– Por quê?
– Porque não.
– “Porque não” não é resposta.
– Não vai rolar, Ivo!
– Deus do céu que garotinha chata você é. Sinceramente? Não sei o que o Murilinho viu em você.
– Sinceramente? Nem eu.
– E o que eu falo pra ele, cascavel?
– Diz que eu tenho namorado.
– Que namorado? Cadê? Quem é?
– Não te interessa!
– É do bairro?
– Não.
– Da escola?
– Não.
– Então é mentira.
– E desde quando eu só conheço pessoas da escola e do bairro?
– De onde então?
– Você é enxerido, hein moleque?
– E você deve morar na geladeira.
– Isto não é frescura meu amor, é excesso de gostosura.
– Excesso mesmo…
– Sou gorda, mas $%^&***(%#
– Olha o palavrão! Controle-se… E não me olha com essa cara porque eu tenho medo de virar pedra.
– Como você fala merda, Ivo Tadeu! Você nunca cala esta sua boca grande?
– “Cala a boca” já morreu.
– Quantos anos você tem, hein? Cinco?
– Olha quem fala! Sai pra lá, treze anos!
– Acabou?
– Está certo, parei. Só vim fazer o correio elegante. Me diz o que eu falo pra ele e assunto encerrado.
– Não sei…
– Como não sabe? Quem entende? Agora pouco tinha um namorado, agora não sabe?
– Mas eu tenho mesmo um namorado! Só que…
– Só que, o quê?
– Desencana! Não dá! Além do mais, porque é que ele mandou recado? Porque ele mesmo não veio falar comigo?
– Porque ele queria ter certeza de que não levaria um fora ou coisa pior.
– Como assim coisa pior?
– Brava do jeito que você é…
– Brava eu? Que bundão! Eu não namoro bundão.
– Que mané! Tanta mulher pagando um pau e o cara se interessa logo por você que, certamente, dará um pé na bunda dele.
– Então, ele que fique com as outras.
– Não é bem assim, Ale… Ele pediu que eu sondasse as possibilidades. Se você der cartão verde, ele te pede em namoro, sacou?
– Cartão verde… sei. Pois diz para o seu amigo que eu não sou otária de namorar um menino que tem uma namorada em cada bairro de São Paulo.
– Putz! Quem te contou? Quer dizer… isto não é verdade.
– Pára, Ivo! Não tenta consertar. Eu não namoro garotos galinhas. E chega deste papo.
Deixei o Ivo falando sozinho, subi na bicicleta e fui pedalar sem companhia. Quando voltei, a turma estava largada no meio da rua decidindo qual
seria a próxima brincadeira. Entre “Polícia e Ladrão” ou “Barra-Manteira”, ganhou “Policia e Ladrão”. Era hora de dividir o grupo:
– Dois ou um. Os quatro que saírem primeiro serão policiais; o restante, ladrões. Fechem o círculo.
– Doooisooooouuum!!!
– Murilo, Tieta , Pescoço e eu seremos os policiais. Ale, Voadora, Ferrugem e a Lu os ladrões. Preparados?
Corri para me esconder. Em seguida, o Murilo veio atrás de mim. Veio desarmado, veio para conversar e não para seguir as regras da brincadeira. Mas
eu, com todas as minhas inseguranças e o fardo da inexperiência, estava com munição suficiente para fazê-lo desistir de mim em dez minutos.



Postado por:Alê Félix
26/05/2003
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