Já que elas disseram que o Adriano gostava de mim, não seria um problema convencê-lo a espalhar o boato de que estávamos namorando. Namorando de
mentirinha, claro, porque eu não seria doida de contar pra ele que eu nunca tinha beijado. Não seria doida de contar pra ninguém! Era só uma questão
de vingança.
– Oi, Adri!
– Oi…
– Preciso de um favor seu.
– O que você quiser.
– Você se importaria se eu dissesse para algumas pessoas que estamos namorando?
Ele arregalou os olhos
– Não, não um namoro de verdade. É que tem umas meninas me torrando a paciência e eu queria dar uma lição nelas… A gente finge que já se beijou,
só isso. É por pouco tempo! Uma semana já está bom.
Ele fechou a cara. Os olhos arregalados foram diminuindo e me fitando como se quisessem me fuzilar.
– Você quer me usar? Quer me usar para provocar suas amigas ou pra tirar um sarro da minha cara?
– Não, de jeito nenhum! Olha, não é nada disso que você está pensando. Eu jamais faria isso com você, ainda mais sabendo que você gosta de
mim…
Ops! Falei demais. Ele arregalou os olhos novamente. A pele branquinha estava vermelha como uma pimenta malagueta.
– Quem disse que eu gosto de você? Você é muito convencida! Mesmo se eu gostasse, você acha que eu toparia ser usado desse jeito? Vê se cresce,
menina!
Não adiantou explicar. Ele nunca mais falou comigo. Mudou de escola dois anos depois sem aceitar minhas desculpas, rasgou na minha frente a carta que
eu escrevi explicando toda a história.
Depois deste dia, nos encontramos três vezes por acaso. A primeira vez, um ano depois da sua mudança de colégio, no Dancing, uma danceteria dos anos
oitenta. Ele dançava alucinadamente Surfing Bird do Ramones; o garoto arrumadinho e introspectivo havia se tornado um punk de cabelos
arrepiados e roupas cheias de metais pontiagudos. Estourou uma briga na pista de dança, ele saiu todo machucado. Aproximei-me do gerente da
danceteria e ofereci ajuda, disse que conhecia o Adriano… Deitado no chão, ele me reconheceu e começou a esbravejar para que eu me afastasse dele.
Não pude fazer nada. O segundo encontro foi em uma loja do shopping. Eu tinha uns dezoito anos. Fui cumprimentá-lo inocentemente e ele mal olhou na
minha cara. No ano seguinte nos encontramos em um restaurante. Ele discutia com uma moça, provavelmente a namorada. Nossas mesas cruzavam nosso
campo de visão. A moça saiu do restaurante chorando e ele ficou um tempo fumando um cigarro e tomando café. Eu desviava o rosto, fingia não notar,
mas ele levantou da cadeira, caminhou em minha direção, pediu licença para as pessoas que estavam comigo, abaixou para falar olhando nos meus olhos e
soltou sua última baforada de cigarro contra o meu rosto.
– Oi Alessandra. Desculpe interromper seu almoço, mas já que a gente se viu nesses últimos anos mais do que eu gostaria, tomei a liberdade de vir
aqui para esclarecer algumas coisas. Todo garoto tem na adolescência uma garota para estragar seus sonhos românticos e os seus relacionamentos
futuros. Por isso, se a gente continuar se esbarrando por ai, finge que não conhece.
Ergueu o corpo, puxou do fundo do peito um suspiro que lhe estufou o peito e completou:
– Uma boa digestão para todos vocês.
Não consegui dizer uma só palavra. Também não havia o que dizer. Cada um de nós entende o que quer das experiências vividas; as minhas explicações
não serviriam para absolutamente nada. Fiquei muito triste mas não me senti culpada. Dele eu guardei o cheiro das histórias mal resolvidas. Histórias
que povoam a minha mente sempre que eu sinto no hálito de alguém o cheiro da mistura do café expresso com a nicotina. Foi graças às lembranças vindas
deste cheiro que eu me livrei da culpa que eu sentia em relação ao Murilo. Quem é Murilo? O Murilo foi meu primeiro beijo e o meu maior remorso.



Postado por:Alê Félix
14/04/2003
0 Comentários
Compartilhe
gravatar

NaLuA

janeiro 5th, 2004 às 15:34

oi..mas…assim…
voce nao vai contar do primeiro beijo? da história do tal murilo nao?????????


Deixe um comentário