Ouvindo atrás da porta do banheiro feminino…
Que coisa feia! Não é que as duas apostaram quando é que eu daria o primeiro beijo? Valendo um x-salada na cantina
do colégio! Pode? Tremenda falta de consideração apostar um misero sanduíche! Desaforo esperar doze, treze anos pra
beijar alguém na boca e ver aquelas duas picaretas pagando uma merreca pra ver o beijo consumado. Me senti
extremamente ofendida.
– A Alê é muito criançola, só tem tamanho…
– Tamanho GG!
– Hahaahahaahahhahahahahaha.
– Duvido que ela já tenha beijado algum menino.
– Não sei… ela é boba, mas soube que o Adriano gosta dela. E ontem eu flagrei o irmão da Leka babando na
calça de lycra que ela estava usando.
– Também! Não passava uma agulha ali. Qual que é a dela de vir com aquelas roupas pra escola?
– Nem me diga! Precisa de espelho. Já veio até de blazer.
– Ela se acha, a verdade é essa. Precisa de uma dose extra de “semancol”, ur-gen-te! Mas nunca beijou na boca
e é tão tonta que não vai beijar tão cedo!
– Será? E se ela esconde o jogo?
– Criançola! Aposto e ganho. Entra muda e sai calada quando o assunto é beijo de língua. Quer apostar? Te pago
um x-salada se ela beijar alguém publicamente antes dos treze anos.
– Opa! Demorô…
– E a Kiki? Você acha que é verdade que ela…
Elas saíram às gargalhadas do banheiro; eu, ainda atrás da porta. Não sabia se eu ria, chorava ou se arrancava todos
os fios dos cabelos das duas falsas. Jurei vingança mas, antes de pensar em um plano que as destruísse, eu
precisava descobrir, de qualquer jeito e o mais rápido possível, o que diabos era aquele negócio de beijo de língua.



Escrito pela Alê Félix
13, março, 2003
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Rambo X Juma Marruá
Eu nunca dei a menor bola para a forma como as pessoas se vestem. Aliás, nunca entendi porque algumas pessoas
costumam avaliar as outras pela etiqueta que elas carregam em suas roupas. Não, eu nunca fui assim. Mesmo porque não
tenho moral para julgar alguém pela aparência. Eu já usei blazers com ombreiras, gel com purpurina, já fui dark…
Sim uma dark dos anos oitenta; daquelas que só usavam roupas pretas, capas, borravam os olhos e a boca com cajal
preto e dançavam de frente para as paredes do Madame Satã.
Não dei a mínima para o fato do rapaz usar roupas estranhas do exército, mas confesso que fiquei muito apreensiva
com a faca amarrada na coxa. Convenhamos, é no minimo estranho. De qualquer forma, não poderia simplesmente sair e
deixar o moço a ver navios. O que eu não quero pra mim, não faço com os outros. Ignorei a primeira impressão,
considerei as qualidades que ele tinha demonstrado nas nossas conversas pelo videopapo e fui almoçar com o Loiro27a
como havia combinado.
Adolfo não era brasileiro. Mudou-se para São Paulo com os pais quando era um garoto de colo. Era filho temporão,
ganhava a vida como jogador de golf e até me deu uma bolinha de presente. Introspectivo, de poucas palavras,
escrevia melhor do que conversava, o que, para mim, não era um grande problema já que eu sempre falei por meia dúzia
de tímidos. Tinha vinte e sete anos, embora seus traços aparentassem dez anos menos. Tudo corria bem e,
provavelmente, eu sairia dali a tempo de não causar traumas. Provavelmente… quisera todos os esquisitos fossem
simples. Não foi o caso.
Naquela tarde, o garçom enganou-se com o pedido feito pelo Adolfo e eu escapei de um grande equívoco.
– Aqui está o suco de abacaxi com hortelã que o senhor pediu.
– Não. Não foi isto que eu pedi. Leve de volta e traga o meu pedido corretamente.
– Desculpe… Que suco o senhor pediu?
– Suco de abacaxi natural, isto é polpa. Eu só tomo sucos naturais. E o quero batido com hortelã, uma colher
de açucar, sem gelo e com um copo de gelo à parte.
– Pois não senhor, volto já com o seu suco.
Observei a cena calada e com um gosto de indignação diante do tom de voz dirigido ao garçon. Adolfo, continuou:
– Não suporto pessoas burras. Se um homem não é dotado de capacidade mental suficiente para ser um reles
anotador de pedidos, nem deveria ter nascido.
Por um instante eu achei que tinha ouvido errado, mas não resisti às agressões que o maluco disparou a fazer por
conta de um simples suco. Muitas coisas neste mundo me tiram do sério, uma delas é gente que se acha superior e se
vê no direito de menosprezar pessoas menos afortunadas. Algumas pessoas acham que quanto mais amigos melhor.
Naquele dia eu descobri que quero meus amigos peneirados, selecionados e escolhidos a dedo. Não, eu não suporto todo
tipo de gente. Muito menos pessoas como o Adolfo que, meia hora depois do caso do suco, defendia a separação dos
estados do sul e sudeste do resto do país e que os sub-empregos deveriam empregar somente negros, índios e
nordestinos. Segundo ele, este seria um gesto de generosidade com raças que não servem para muita coisa.
Levantei da mesa, paguei a conta e dei a maior gorjeta da minha vida.
– Ei! Onde você pensa que vai? – Agarrou meu braço com força e como se tivesse este direito.
– Como assim onde eu penso que vou? E solta meu braço! Dentro deste braço corre o sangue de um avô nordestino,
uma avó negra e uma bisavó índia. Solta antes que este mesmo braço te mostre a força que tem cada uma dessas
heranças!
Se ele se achava o Rambo, se deu mal, porque eu virei uma onça. Uma Juma Marruá! Também, que cabeça, a minha! O que esperar de um cara que anda com uma faca
amarrada na perna?
>>> Continua…
Clique aqui para
ler o Post I – O começo de toda a história

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Escrito pela Alê Félix
9, março, 2003
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Novidades! Agora há pouco, exatamente à meia noite, começou a funcionar o site
CLUBE DA LULU.
Eu fui gentilmente convidada para participar deste site que pretende misturar no mesmo caldeirão sete mulheres e um
moçoilo.
A idéia do site é unir várias pessoas para escrever sobre questões do universo feminino. Cada uma de nós escreverá
em um dia da semana, ou seja, de segunda a sábado haverá um dedo de moça pra gente apreciar. Reservamos o domingo
para o ombudsman. 🙂
Não vão lá ver, não? Espero que gostem e espalhem a notícia. Afinal, ele não poderia ter começado em um dia melhor.
Um beijo na bochecha e divirtam-se!



Escrito pela Alê Félix
8, março, 2003
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A pior coisa na vida de um adolescente são os amigos adolescentes. Nada é pior do que aquele bando de seres
possuidos por seus hormônios dando palpites sobre a vida alheia. Não. Minto. Pior do que os amigos palpiteiros, são
os contadores de vantagem. Estes sim são os mais insuportáveis. Eu fui um deles, posso criticar a vontade. Não, não
foi de propósito. Minhas amigas me pressionaram para que eu me tornasse a rainha da lorota. E eu? Eu entrei na onda
e caí do cavalo na primeira saia justa.
Meu azar foi encorpar muito rápido. Com onze, doze anos eu já era um mulherão. Uma anta, mas com carinha e poupança
de quinze anos. Atributos suficientes para fazer sucesso com os meninos da oitava série. Ai, ai… os meninos da
oitava série. Se eu pudesse voltar no tempo me aliaria à turma das perdidas e daria uma banana para as bobonas que
andavam comigo. Bem aventuradas as que fizeram fama e não deitaram na cama. Sim, porque as meninas da minha época
(eu sei, eu sei… tremendo papo de velha dizer “na minha época”), só beijavam na boca. Ninguém comia ninguém, não
antes do terceiro colegial.
Eu sei é que eu era uma tapada! Sexo, pra mim, era um “X” riscado em formulários no item feminino ou masculino, nada
além disso. Mas isso foi só até o momento que beijo na boca tornou-se assunto popular. Depois desse dia minha paz e
ingenuidade foram para o espaço.
Minhas duas melhores amigas eram dois anos mais velhas do que eu. Esta diferença, quando se tem doze anos,
acreditem, é equivalente a décadas de experiência sexual. Era um tal de beijei fulano aqui, beijei beltrano acolá,
sicrano beija bem…
“Como assim, beija bem? Algumas pessoas beijam melhor do que outras?”
Eu não dormia, não comia, fui mal em duas provas e não tinha um manual de como me tornar uma beijoqueira nota dez.
Aquilo era um pesadelo e eu não iria levar a pior. Antes que o primeiro namorado surgisse e tagarelasse para os
quatro períodos que eu não sabia beijar, decidi que a salvação seria criar coragem e confessar a minha falta de
experiência para as amigas. Mas, antes, eu precisava fazer xixi…
O banheiro estava descongestionado, ambiente ideal para um xixizinho básico e um momento de reflexão. Certifiquei-me
da solução para o meu problema, estava certa de que elas me dariam boas dicas para não pagar o mico de beijar
errado. Eu suportaria qualquer humilhação, menos o título de “beija mal”. Levantei-me da privada disposta a
procurá-las mas nada aconteceu como eu esperava… Antes que eu apertasse o botão da descarga e abrisse a porta da
baia onde estava, ouvi as duas entrando no banheiro. Olha, já faz bastante tempo que essa história aconteceu, mas eu
juro que a ideia era contar a elas que eu era virgem de beijo na boca. Isso, claro, se eu não tivesse ouvido o meu
nome misturado em uma conversa que não me agradou nada, nada. Silenciosamente tasquei o ouvido na porta e prendi a
respiração. Precisava ouvir cada palavra do que as falsas estavam dizendo pelas minhas costas.
Continua———->



Escrito pela Alê Félix
6, março, 2003
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O Loiro27.
Não era a primeira vez que eu marcava um encontro às escuras . A primeira vez tinha sido por conta de um programa de
rádio; a segunda foi graças a um amigo do mal que decidiu me sacanear. Foram experiências um pouco traumáticas, mas
eu curtia a adrenalina de conhecer antes e olhar depois. Acho que foi este o motivo pelo qual eu arrisquei conhecer,
pessoalmente, algumas pessoas do videopapo. Mas, mesmo assim, decidi tomar algumas precauções.
– Anita, boa tarde.
– Oi! Está ocupada?
– Oi, dá pra falar rapidinho. Nem vou sair para o almoço hoje de tanto trabalho acumulado. Sem contar que a
pentelha da assistente da vice-diretora não veio trabalhar hoje e adivinha pra quem sobrou? Pra mim é claro! Estou
tendo que fazer o meu trabalho e o dela. Pra piorar tudo, eu ainda esqueci umas coisas em casa e não…
– Pára. Pára tudo, senão quando você acabar não vai sobrar tempo pra mim. O que você esqueceu em casa?
– Meu cartão de crédito. Preciso sair daqui e comprar um sapato pra festa de casamento da Sabrina.
– Eu passo na tua casa e levo pra você. Avisa sua mãe que mais tarde eu passo lá e pego.
– Ai, jura Ale? Nem sei como te agradecer…
– Eu sei. Preciso de um favor seu.
– Demorou, hein! Logo vi que a esmola era muita.
– Coisa pouca! Marquei de almoçar com um menininho do videotexto. Só por garantia; me dá uma bipada daqui a
uma hora?
– Só isso? Quem é o azarado?
– Loiro27a. E morda a língüa antes de destilar o veneno! Marquei de conhecer o povo do videotexto nesta
semana, antes que eu precise entregar o terminal. Preciso aproveitar os contatos.
– Vai entregar o brinquedinho por que? Bebeu? Você ganha uma fortuna naquele lugar!
– Mas minha vida está um porre!
– Pobre é foda, nunca vê dinheiro, quando vê entra em crise existencial.
– Alôoou… achei que tinha ligado para minha amiga, mas pelo visto liguei para o Disque Conselheiras de
Plantão! Me poupe! Não esquece do bip.
– Não esquece meu cartão.
Duas da tarde, estacionei o carro em frente ao prédio onde morava o Loiro27a e, antes que eu me identificasse na
portaria, aparece alguém do nada e cutuca as minhas costas.
– Você é a Alessandra?
– Sou. Você…
– Loiro27, mas creio que tu prefiras me chamar de Adolfo.
Levei alguns segundos para esboçar algum tipo de reação. O cara tinha no máximo vinte anos, usava coturno, short e
camisa camuflada. Um boné militar do Recruta Zero cobria-lhe parte da testa e, para alimentar o estilo guerrilheiro
selvagem, o moço mantinha uma barba adolescente metida a Falcon. O figurino seria um mero detalhe se os meus olhos
não tivessem percorrido cada milímetro do modelito e descoberto que o cidadão andava com uma faca amarrada na coxa!
Loiro27a uma ova, o sujeito devia pensar que era o Rambo!
Toca, bip! Toca, bip! Toca, bip!
Continua



Escrito pela Alê Félix
5, março, 2003
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Eu tinha uns seis anos…
– Tia, o que é carnaval?
– É um feriado bem longo e bom de viajar.
– Duvido que seja isso. Você não sabe nada!
– Então vai perguntar pra outro!
– Tio, o que é o Carnaval?
– É uma festa de rua onde as mulé ficam doidinhas pra beijar na boca.
– Isso é jeito de explicar o funcionamento do mundo pra menina, moleque? Chispa daqui antes que eu lhe dê uma
surra.
– Mas vô, eu só quero saber o que é Carnaval…
– O vô te explica: é uma festa popular onde as mulheres tiram a roupa e os homens tocam pandeiro. Mas só acontece
no Rio de Janeiro, que é uma cidade de gente com pouca vergonha. Aqui em São Paulo ninguém fica pelado não.
– Olha só o que o seu pai está dizendo pra menina! Filha, leva a Alessandra pra brincar, por favor?
Na rua com a molecada…
– Ale quer brincar de carnaval com a gente?
– Quero, mas… Eu vou ter que beijar na boca e tirar a roupa?
– Que???? Hahahahahahahahahahahahahaaha.
– Isso é só gente grande que faz, sua burra!
– E a gente faz o quê?
– Ué, a gente sobe no muro e taca bexiguinha de água em quem passa na rua!
Doze anos depois, deitada em uma rede em Trancoso, dormindo como um anjo, depois de ter conhecido trio elétrico,
Olodum e “o meu destino” (um dia eu explico). Despertei quando ele colocou no meu colo uma bexiga gigante…

– Onde você arranjou isto?
– Achei que você ia gostar. Você não disse que carnaval sem bexigas cheias de água não tem graça?
Sorri, encantada com a surpresa. Eu havia lhe contado sobre meus tragicômicos carnavais na infância… Meus
carnavais sem fantasia, sem matinês, sem nunca ter visto de perto uma escola de samba e com meia dúzia de marchinhas
na lembrança. Para minha tristeza, somente aquelas cantadas pelo Silvio Santos, nos intervalos do SBT.
– Pouco antes de você pegar no sono, eu te contei o significado da palavra carnaval. Você lembra ou dormiu antes?
– Acho que eu dormi antes…
– Vem da expressão em latim ” carnem levare” e quer dizer ” carne, vale”. Era usada para indicar a quarta-feira de
cinzas e anunciar a Quaresma. Mas o engraçado é que dizem que a origem do carnaval vem das festas pagãs que eram
realizadas há séculos. A sua família não é pagã? Eles não deveriam saber?
– Minha família? Minha família é pagã de araque! Mas esta é uma boa história pra eu contar para os meus
ascendentes… Vou inventar alguma história pra incrementar o significado.
– Mas você não quer ter filhos, vai contar pra quem?
– Ah, eu posso contar para os meus sobrinhos, para os meus primos, filhos dos meus tios malas que só me ensinaram
bobagens…
– Se mudar de idéia sobre ter filhos… Já que a gente vive se encontrando por obra do acaso…
– Hum… Vou ter que sair dessa rede?
– Só se quiser estourar a sua bexiga de água em alguém…
Cinco anos depois, assistindo as escolas de samba pela TV, com a minha priminha de dez anos de idade…
– Ale, você já pulou carnaval? Como é?
– Hum… É uma festa de origem pagã… Afe! Péssimo. Quer saber? Quando você for maior de idade e puder viajar
sozinha, vá para a Bahia no carnaval. O melhor jeito de compreender o carnaval é indo até a Bahia. Qualquer outra
história vai parecer ridícula.
– Mas a Bahia é tão longe…
– Não é não. São só dois estados daqui. Você pula o Rio de Janeiro, pula o Espírito Santo e já está na Bahia.
– Você já foi?
– Já…
– E como foi?
– É uma história longa e imprópria para pés descalços como você…
– Ah, quando que eu vou deixar de ser pé descalço? É imprópria para menores de quantos anos?
– Normalmente para menores de dezoito, mas… como as mulheres da nossa família são muito precoces, talvez eu te
conte antes disso.
– Antes pode ser já?
– Não, sua malandrinha! Claro que não. Na sua festa de debutante. O que você acha?
– Mas até lá eu vou esquecer…
– Se você esquecer, quando eu lembrar e você for grande o suficiente, te conto.
– Promete?
– Prometo.
Quando ela fez quinze anos me enviou este convite…



Escrito pela Alê Félix
3, março, 2003
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