Quem entende?
Azar. Cruzamos com o Cláudio (o bêbado) na recepção. Pelo menos ele não havia mentido sobre ser o dono da empresa.
Passou por mim batido. Parou, virou o corpo em nossa direção, me olhou por cima dos óculos e falou:
– Você?!?!
– Eu!
– Pairou no ar um instante de silêncio e interrogação. Que diacho de reação de espanto era aquela?
– Você! Na minha sala!
– Quê?
– Escapou um sorriso nervoso que eu amarrei na boca para não escancarar de vez a autoridade ridícula que
o bebum da noite anterior, naquele instante sóbrio e obviamente perturbado, tentava impôr no seu ambiente de
trabalho.
– Só você, na minha sala, agora!
A recepcionista, com uma expressão besta estampada no rosto como se já estivesse acostumada; o Valmir com a testa
franzida e, provavelmete, se perguntado se aquele tantã sabia com quem estava falando. Também, pudera! Na cabeça
dele não devia fazer o menor sentido o sujeito se dirigir daquela forma a uma mulher desconhecida. Sem opção, eu o
segui até a sua sala. Ele deixou a porta entreaberta, eu entrei e ele me puxou de canto:
– Você não é a menina do bar de ontem?
– Sou.
– E o que você esta fazendo aqui?
– O senhor me deu o cartão e pediu que eu…
– Eu te levei pra casa?
– Não… Claro que não! Como assim?
– Pensei: Que papo de louco desse cara! Qual é a dele? Mas, de repende, o
cidadão respirou aliviado.
– Ufa! –
– Eu mostrei o videotexto…
– Há! O aparelho que mostra o paradeiro dos devedores?
– Isso!
– Bom sinal. Ele lembrava do que era necessário. – O senhor pediu que eu passasse aqui para fechar
o contrato, lembra? – Arrisquei! Tudo era tão surreal que achei que o pesadelo poderia se reverter em algum tipo
de recompensa a meu favor.
– Sei, sei… Quanto custa?
– Como assim quanto custa? Eu não vendo criatura, eu só alugo. Contrato de 36 meses de locação do terminal, mas eu
vou ter que mostrar todo o sistema de novo para o senhor.
– Por quê? Não quero ver tudo de novo!
– O destemperado falava gritando, queimaria meu filme em meio minuto se
continuasse com aquela conversa sem pé nem cabeça. Foco. Eu precisava focar a conversa.
– Psiiiiuuuu… fala baixo! Se o senhor disser que tudo bem, eu posso ver se consigo uma redução de tempo de
contrato para 30 meses. Negocião da China, é pegar ou largar!
– Que?
– Tá bom, tá bom… É que meu supervisor está ali e ele quer me ver em ação… coisa de vendedor, sabe como é… É
minha primeira semana no emprego e o cara cismou de ficar atrás de mim pra ver se eu estou fazendo o trabalho
direito. Custa deixar eu mostrar o sistema de novo pra você?
– Foco e sinceridade, impossível que ele não
colabarasse comigo! Ele deu uma espiada no Valmir, saiu da sala, pegou sua carteira em cima da mesa e disse em voz
alta para que eu mostrasse o sistema para a recepcionista.
O filho da mãe me deixou lá com cara de tacho e se mandou. A recepcionista, louquinha pra ver a novidade. Não tive
escolhas, mostrei o sistema pra moça com todo o “mise-en-scène” que o Valmir queria assistir e sem fechar,
mais uma vez, contrato algum.
Sai arrasada de lá, e não lembro exatamente o porquê, mas o resto do dia não trabalhamos. Talvez o Valmir tenha
sentido a presepada toda, mas nunca tocou no assunto. Almoçamos na casa dele, vi álbuns de família, tomamos umas
três garrafas de vinho e nos tornamos grandes amigos. De toda a longa conversa que tivemos, lembro-me de ter contado
como eu havia parado naquele emprego, da terrível viagem pra Chapada dos Guimarães, da bagunça da minha vida e do
quão sem rumo eu me encontrava.
– Ale, que idade você tem mesmo?
– Dezenove.
– Você tem dezenove anos… Sabe o que é isso? Sabe o que significa ter dezenove anos?
– Anh…?
– Significa que você tem pelo menos dez anos menos que o vendedor mais novo da Teletel, significa que você é uma
garotinha precoce, metida a adulta. E faz isso tão bem, que cansou de convencer as pessoas e está tentando
convencer a si mesma da sua capacidade. Ale, acorda, Ale! Vai fazer o que você quiser da sua vida, vai ser quem você
quiser ser. Você tem a vida inteira nas suas mãos, você pode ser o que você quiser ser. Olha pra frente, mulher!
O danado era tão bom vendedor que me vendeu a idéia de que eu tinha um futuro sorrindo de braços abertos embaixo do
meu nariz.
No dia seguinte cheguei na empresa e havia um recado sobre a minha mesa: “Alessandra, me liga urgente! Minha mulher
adorou a sua apresentação do videotexto. Vamos fechar contrato. Avise o seu supervisor que, se ele não quiser você
trabalhando aí, aqui tem vaga pra você.”
– Puta-que-o-pariu! Que puta bebum gente boa! A recepcionista! Claro, a recepcionista era mulher do bebum! Sorte!
Tremenda sorte! Como eu poderia imaginar?
– Eu, besta de feliz, enquanto o Valmir, de calculadora na mão,
berrava os valores do meu primeiro contrato.
_______________>>> Continua
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Postado por:Alê Félix
12/02/2003
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