Fui uma péssima irmã. Dessas que ignora a existência dos mais novos, do “bom dia” ao “passa o sal”. Era tão
egocêntrica e metida a besta que quase não os vi crescer. Depois que saí da casa dos meus pais, passado o susto das
primeiras contas que tiveram que ser pagas, me dei conta do quão relapsa e fria eu havia sido com meus irmãos.
Deu uma crise de arrependimento e tentei correr atrás do prejuízo. Convidei minha irmã para um café – ela achou que
eu tinha surtado mas aceitou. Tentei aceitar as diferenças com meu irmão do meio e torná-lo menos distante do meu
dia a dia e passei a dar mais atenção para o caçula que não desgrudava do meu pé.
De lá pra cá as coisas melhoraram muito. Na medida do possível, tentamos sobreviver aos vínculos familiares e
perdoar os deslizes do passado. Mas, com meu irmão mais novo, a coisa às vezes sai do controle. Vira e mexe,
brigamos de bater o telefone na cara um do outro, mando ele à merda todas as vezes que estou com o ovo atravessado e
perco a paciência sempre que suas atitudes me parecem absurdas.
Sugeri, há alguns meses, que ele abrisse um blog. Eu, com meus planos megalomaníacos, achei que em breve ele
poderia, com o blog, tornar um pouco mais concretos seus sonhos de trabalhar com música. Ele gostou da idéia, fez o
blog, achou tempo no seu dia corrido para escrever, responder e-mails, conhecer as pessoas, visitar outros blogs e
tudo mais. Foram dois ou três meses, se muito. No início ele queria tirar férias para se dedicar ao blog mas a
agenda de trabalho não permitiu. Ele, que já andava estressado, piorou, mas continuou driblando a falta de tempo e
cuidando de todos os compromissos que assumiu.
O mês de dezembro foi um desastre, bateram no seu carro quatro vezes. Na última, o motorista se aproveitou das
circunstâncias e entrou com um processo para ser ressarcido pelos danos que, segundo ele, meu irmão causou. Estresse
e injustiça aliados à sua falta de atenção, mas não vou bancar a irmã chata. Não hoje.
O fato é que, na última sexta feira, meu irmão conseguiu tirar alguns dias de férias. Chegou aqui em casa no fim do
dia com uma expressão cansada, a voz meio rouca. Estava com uma boa grana na conta, suficiente para quitar os
prejuízos do mês anterior e dar entrada num carro meia-boca que facilitasse o seu dia. Foi até o computador:
correspondência atrasada e caixa postal cheia, velhos e novos comentários, velhas e novas amizades virtuais; há
quase uma semana não atualizava seu blog.
Eu achei que ele tinha desistido, cheguei até a criticá-lo:
– Não vai mais postar nada não, é?
– Não.
– Humm…
– Eu não tenho mais vida. Nem durmo direito. Passo mais tempo pensando neste blog do que em qualquer outra coisa. Eu
gostei de abrir o blog. Conheci muita gente legal por conta dele. Não vou parar de postar, mas não vou ficar escravo
disso. Aliás, vou tirar a parte de comentários e toda aquela parafernália que me faz procurar um computador o tempo
todo só para dar manutenção ao blog. Eu tô esgotado. Não vou fechar o blog, mas vou fazê-lo pra mim e não para
outras pessoas.
Acho que foi a primeira vez que ouvi meu irmão com seriedade. Ele tinha razão, a mais pura razão. Ele voltou para o
micro, ficou lá um tempo, escreveu por quase uma hora e em seguida apareceu na sala com cara de criança quando faz
traquinagem.
– Que foi garoto? Que cara é essa?
– Vou pra Salvador.
– O quê?
– Vou pra Salvador. Embarco amanhã cedo de Cumbica, volto de ônibus, fico um pouco em algumas cidades do sul da
Bahia, depois Rio de Janeiro e volto para São Paulo.
– E grana? E o carro? E o processo?
– Não me importo de ficar mais um tempo sem carro, não é o fim do mundo. O cara que me bateu está errado. Se ele
quis entrar com um processo, isto é problema dele, não meu. Mesmo que eu tenha que pagar pelo que eu não fiz, esse é
um problema menor e que eu só vou me preocupar quando tiver que pensar nisso. Eu sempre quis conhecer o nordeste,
sempre quis fazer uma viagem dessas: sozinho, sem saber direito para onde ir, como vai ser, quem eu vou conhecer…
essas coisas que você vivia fazendo, muito mais nova do que eu.
Levei-o ao aeroporto no dia seguinte, orgulhosa pra caralho. Falei com ele por telefone dois dias depois. Era outro
cara. Um cara confiante, sorridente, cheio de coragem e com a voz embriagada de uma felicidade que me soou familiar
e distante. Deu um aperto no peito, deu saudade de mim mesma e de tantas outras viagens e pessoas que estacionaram
nas lembranças da minha vida. Passou… dei com a minha cara cheia de lágrimas no espelho do banheiro e vi que
passou. Foi bom ter passado… Não me sinto mais como a irmã mais velha, não me sinto mais como a irmã ausente, não
os sinto mais como desconhecidos. Agora sou só a amiga e, por coincidência, a irmã.



Postado por:Alê Félix
30/01/2003
2 Comentários
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carol

fevereiro 20th, 2004 às 20:44

Nem sei se vc vai chegar a ler a minha mensagem pois se trata de um post antigo, porem saiba que essa sua declaraçao
mecheu muito comigo… que tenho um irmao mais novo e sempre quis estar mais presente em sua vida… porem ele nunca
permitiu… pra ele eu nao passo da irma mais velha e chata…
Sera que algum dia isso vai mudar???
Gostaria muito que sim….


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Carol

março 25th, 2004 às 16:41

Irmãos mais velhos são chatos pra nós, os caçulas, pq normalmente a gente é comparada com eles… aki em casa é
assim. Mas meu irmão é demais quando quer..
Não só pq ele me dá dinheiro pra fazer noitada, nem pq ele me acoberta e vai me buscar na porta da boite q meu pai
cisma de não me deixar ir pq é longe pra caramba e eu num posso voltar de madrugada sozinha, muito menos pq ele
larga tudo as 3 horas da manhã tendo uma prova de mestrado no dia seguinte as 7, tendo q acordar as 5:30, só pra me
buscar numa festa chata, em Caxias (Eu moro em niterói), pq eu tive uma desilusão amorosa e queria sumir dali…
É, eu amo o meu irmão. Não só pq é meu irmão e eu tenho q amá-lo por isso, querendo ou não. O amo pq, além de irmão,
ele é amigo, confidente, terapeuta, colo quente nas noites frias, ombro amigo nas noites de choradeira. E ainda
deixa eu dormir na cama com ele quando eu não quero dormir só.


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