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No dia seguinte àquela noite fatídica, meu único objetivo era recuperar meu cheque de duzentos reais, mas fui
devorada por uma crise gigantesca de falta de criatividade. O que eu falaria para a mulher do pires? E, pior, o
tempo era curto. Era certo que ela depositaria o cheque em horário comercial. Eu precisava agir rápido.
– Olá Célia, tudo bem?
– Tudo, querida. E você?
– Sabe o que é? Eu vou ter que viajar a trabalho ainda essa semana e devo passar dois meses fora. Sabe como é…
imprevistos do trabalho… não tive escolha.
– Ué? Mas você não é escritora? Não sabia que escritores precisam viajar a trabalho durante tanto tempo.
Confissão de última hora: Não eu não sou escritora. Que fique claro! Nunca fui. Só que, de vez em quando, pra variar
um pouco ou quando tenho certeza de que nunca mais verei as pessoas de um determinado lugar, eu fico inventando
profissões. No SPA, só por diversão, quando fui indagada sobre o meu oficio por um grupo de senhoras católicas,
disse que eu era escritora, escritora de livros e revistas eróticas e pornográficas. (que fique claro também, que
sobre pornografia só conheço cintas ligas vermelhas e algumas expressões usadas nos filmes para adultos para
demonstrar o ato sexual! Só isso. Nada mais.). Para o meu desespero a reação foi contrária ao esperado. As velhinhas
ficaram em polvorosa, contaram para todo mundo do SPA sobre o “meu trabalho” e acabei sendo obrigada a preparar um
recital erótico para a Festa do Havaí que ia rolar na piscina. Como eu não podia amarelar, preparei um texto cheio
de “Oh, please! Good! Oh my God! Please, please, please, don’t stop!”. Foi o suficiente para todas as
gordinhas e vovós católicas passarem o fim de semana me chamando de “a gordinha de textos sexys”. Só não esperava
que a mulher do pires, que tinha me visto uma vez na vida, já soubesse daquele episódio e, consequentemente, o que
eu fazia para ganhar o pão nosso de cada dia.
– Como assim?
Precisava saber o que ela sabia.
– A Rose do SPA me disse que você é escritora.
– Ah, claro! A Rose. A menina que eu conheci em Cabreúva e que me indicou a senhora? Claro…
Como eu pude esquecer? Isso que dá não assistir “C.S.I.”, “Os Novos Detetives”, não ler Edgar Allan Poe e Agatha
Christie. Ou ouvir os sábios conselhos de mamãe que repetiu a minha vida toda que mentira tem perna curta. E agora
dona Ale? O que fazer? Graças à deus nasci para ser um gênio do crime.
– Pois é dona Célia! Vou ter que escrever para uma revista fora de São Paulo. Eles querem que eu escreva na cidade
deles. Só por garantia.
Um minuto de silêncio em homenagem à minha morte. Eu queria morrer naquele instante.
– Ah sei…
Obviamente ela não caiu, mas ferrada, ferrada e meia. Continuei:
– Então dona Célia, sabe o que eu precisava? Do meu cheque de volta, por que eu não vou mais poder fazer as
massagens. É uma pena, mas não vai ter jeito.
– Ô querida! Sinto muito mas eu paguei as contas do mercado aqui do lado de casa com o seu cheque e vi a dona de lá
misturando seu cheque com os cheques do dia e depois com os outros cheques do marido dela que tem um posto de
gasolina. Em seguida vi eles passarem todos os cheques para o agiota dono da padaria aqui da esquina. Mas fique
tranqüila que, quando você voltar da viagem, suas massagens estarão aqui te esperando. Um beijo, querida e bom
trabalho.
Saí do telefone atordoada. Aquilo não podia estar acontecendo comigo. Fiquei muda e embasbacada alguns instantes e
fui interrompida pelo maridon me lembrando que eu estava atrasada. Era dia de terapia. E pela primeira vez, em seis
meses de análise, fui para o consultório da minha terapeuta-sensitiva-vidente certa de que eu realmente precisava me
tratar.



Postado por:Alê Félix
26/11/2002
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