Na época de escola, muitos alunos faziam hora em frente a entrada principal do colégio. Era o local predileto de
todos os que queriam a popularidade. Ficávamos conversando enquanto o portão não abria, depois que ele abria, na
hora da saída e sempre que havia gente o suficiente para se ficar por lá. Até que o Louquinho apareceu. O Louquinho
era um mendigo que ficava rodeando a escola e empurrando um carrinho de mão cheio de esterco de cavalo. Merda. Merda
pura. Ele gritava coisas pouco traduzíveis e sempre que pegava um dia de agito em frente ao portão, tascava bosta no
povo.
Tive uma crise de riso lembrando do Louquinho esses dias. Ah! Lembrei. Ele gritava… Melhor não dizer. Eu falo
palavrão mas não consigo escrevê-los sem um pouquinho de vergonha. E o que o Louquinho dizia eram palavrões bem
feios.
Era uma chuva de xingos e cocô de cavalo. Horrível eu sei. Mas lembrar daquele bando de arrumadinhos metidos a besta
(incluindo eu), correndo do Louquinho sempre que ele apontava na esquina com seu carrinho de merda, me fez bem.
Sempre tive medo de acabar os meus dias na Terra, velha, abandonada e mendiga. Ai lembrei do Louquinho. O que um ser
desses tem a perder? Nada. Absolutamente nada. Eles podem fazer o que quiserem. De forma geral, essas pessoas
parecem querer sossego, dificilmente você vê um deles amolando alguém. Exceto casos como o do Louquinho. Mas sabe o
que eu acho? Que o processo de se tornar um mendigo leva a figura a ser e a fazer, tudo aquilo que era impossível de
ser aceito se ele tivesse uma vida normal. Algo do tipo: Vou virar mendigo? Então tá. Não tomo mais banho, não troco
mais de roupa, vou falar palavrão a vontade, apavorar as pessoas na rua e fazer tudo o que eu sempre quis e nunca
tive coragem.
Decidi que se eu virar mendiga vou tascar pedras. Sempre tive vontade de andar com pedras no carro e arremessá-las
nos barbeiros, nas dondócas de fila dupla, nos pedestres suicidas, nas criancinhas que se enfiam embaixo do carro,
nas mães histéricas que acham que você atropelou o filho delas, nos perueiros sem noção, nos carrões 2.0 que querem
passar por cima dos 1.0, em 99% das mulheres que deram para o instrutor para conseguir habilitação… Pedras, pedras
para todos os lados. Se eu virar mendiga, arranjo um saquinho, encho de pedras e apuro minha mira.
Não sobrará pedra sobre pedra. Acho que até perdi o medo de virar mendiga.



Postado por:Alê Félix
22/10/2002
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