Você sabe quais são as primeiras lembranças que você tem dos seus pais?

Um dia desses me fiz essa pergunta e me dei conta de que as minhas primeiras lembranças ruins vinham na frente das boas.

A primeira é a do meu pai mal-humorado e dizendo que estava sem tempo para brincar comigo. Era um jogo de perguntas e respostas que eu era viciada. O coitado era pobre, recém casado, chegava do trabalho cansadão, tinha pouco tempo pra jantar, passar um tempo com a minha mãe e descansar e, eu, – noturna, chorona e obsessiva – devia monopolizar a atenção feito doida querendo jogar. Sei que ele sempre jogava. Mas, na minha memória, forte pra valer, só restou a primeira vez que ele me disse não…

A segunda memória ruim: meu pai era um baita esportista fanático. Maratonista medalhado desde muito antes de “correr” virar moda. Eu e meus irmãos crescemos dentro de clubes e parques esportivos. Mas, entre as minhas primeiras lembranças, a segunda é a dele me obrigando a fazer um teste para treinar ginástica olímpica, só porque ele era doido pra ter uma filha Nadia Comãneci…

E lembro de mim… alegre e contente na fila do teste para os treinos de natação, me sentindo uma promessa nata e que tinha tudo para ter virado o Michael Phelps de biquini, até que o estraga-prazeres do meu pai foi lá e impediu que eu fizesse o teste que eu queria.

Ele ficou tão bronqueado por eu querer natação em vez do que ele sonhava para o meu futuro que agarrou meu braço, me deu um beliscão pra eu parar de chorar (tenho as marcas do vergão até hoje 😅) e só faltou me arrastar pelos cabelos até a fila da ginástica olímpica. Eu tinha 4 anos de idade…

E armei um berreiro tão grande que o clube inteiro achou que estavam me matando. Só fiz o teste porque alguém mais esperto que ele me prometeu um chocolate. Passei no teste, virei uma mini-ginasta revoltada com o pai até os 8 anos e até hoje a única medalha de natação que coloquei no pescoço foram as inúmeras bóias que nunca deixaram que eu me afogasse. Freud sempre terá razão! Tudo culpa do meu pai! 😅

A terceira lembrança foi a única boa: quando eu e meus irmãos éramos pequenos, vivíamos com os meus pais em uma casa que era quarto, sala, cozinha e banheiro. No quarto dormíamos os 4 em 2 beliches e, do outro lado do guarda-roupa, ficava a cama de casal dos meus pais. Todos os dias, fizesse chuva ou sol, bom humor ou mal-humor, com ou sem discussão na noite anterior, meu pai e minha mãe acordavam e ela ia para a cozinha fazer café enquanto o meu pai se arrumava para ir ao trabalho.

O cheiro de café e creme de barbear que a casa tinha durante as manhãs sempre foram uma lembrança rara, confortável e emotiva. Tem cheiro que vira e mexe inventa de fazer visita inesperada, né? Surgem do nada, feito um fantasma que atravessa a alma da gente entrando pelo nariz.

O das manhãs na casa dos meus pais, pra mim, sempre foi um desses e um dos primeiros. Mas, a coisa mais legal que eu achava era quando meu pai terminava de se arrumar e se despedia da gente. Meus irmãos dormindo de roncar e eu fingindo, fechando os olhos e abrindo no rabo do olho, freando até a respiração só pra ver ele dar um beijo na cabeça de cada um de nós e depois ouvir baixinho, lá longe na porta de casa, ele dando um beijo na minha mãe dizendo: tchau, fiquem com deus.

P.S.: nos últimos cinco anos, desde que ele ficou acamado, todas as vezes eu chegava na casa dos meus pais, abraçava a minha mãe na porta de entrada e ia até o quarto pra ver como ele estava. Inconscientemente eu repetia a melhor memória de carinho que ele deixou pra mim: ia até lá e, mesmo quando ele estava dormindo, lhe dava um oi com um beijo na testa.


Pouco antes dele morrer, estávamos na mesa conversando e fiquei brincando de tirar selfies. Nesse dia eu lembrei da época que ele se despedia da gente direito e quis ter uma foto comigo fazendo a mesma coisa com ele. E taí a foto, pra essa minha lembrança boa, bonita e cheia de afeto ganhar força e levar o seu merecido primeiro lugar no nosso árduo pódio familiar.




Postado por:Alê Félix
09/08/2025
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