Não adianta eu me esconder; o surreal me persegue. Passo o sábado em casa assistindo filmes, só
para não ver a cara do sol; deixo de ver pessoas para não causar maiores estragos; acabo
precisando sair de madrugada para comprar lâmpadas – porque a do quarto da frente decidiu brincar
de poltergeist – e, quando eu volto pra casa, o maior rebu no meio da rua.
Uma viatura da polícia estava parada em frente a nossa garagem. Maridon estacionou o carro na
esquina e caminhamos em direção aos oficiais. Na hora, ficamos preocupados. Alguns insones e o
chefe dos escoteiros do segundo andar do prédio da frente, conversavam com o policial. O problema
parecia ser a nossa casa, mas não havia nenhum sinal de arrombamento ou anormalidade que
justificasse a presença daquelas pessoas, às cinco da manhã, nos pés da nossa janela.
Agora, pensando bem, só podia mesmo ser coisa do escoteiro. Imagina se a magrela da ópera, a
velhinha dos pombos, o flautista bonitão ou o louquinho albino teriam tanta imaginação? De jeito
nenhum.
Antes eu fosse mais sociável e conversasse com os vizinhos. Assim, certamente, eles deixariam de
olhar pra mim com um milhão de interrogações no meio da testa. Mas não… Eu tenho que me divertir
com o grau de bisbilhotice deles. O assistente do mecânico que não retribui cumprimentos, foi o
único que conseguiu, em cinco anos, quebrar o silêncio. Há alguns meses deixei o carro pra
consertar e ele, xereta, perguntou:
– O que tem nessas caixas de jogo do eu que vocês carregam pra cima e pra baixo?
– São mensagens de extra-terrestres que tentam convencer seres humanos a virarem unicórnios depois
da morte. Mas se te perguntarem, diz que é um livro interativo porque isto faz ele vender mais.
– Anh?
– Chavara curiosidade dunata mata. Entende? É muito legal.
Segurei o riso enquanto fingia pressa e naturalidade…
– Você e seu marido não trabalham com computador?
– Sim. E fazemos despachos eventualmente. Mas eu só atendo de madrugada. Somos descendentes de uma
família de vampiros ninjas do começo do século vinte.
Achei que o papo dos vampiros não passaria batido. As palavras precisam ser ditas rapidamente para
que confundam. Mas ele nem riu. Me olhou boquiaberto e com olhar de espanto e continuou:
– O quê?
– Zafimeiros, zácoros da piripirioca adornada. Conhece?
– Anh?
– Moniccelli, meu caro amigo. Brinde! Quanto ficará o conserto?
– Cinqüenta reais.
– Beleza. Seja zaranoto levy fidelix obelix. Boa tarde para o senhor também.
Deve ter sido o suficiente para o sujeito espalhar para a vizinhança que nós éramos realmente
bizarros. Gente que mal sai de dia, trabalha em casa sabe lá deus com o quê e os dois com essas
olheiras… Vampiros ninjas na cabeça! Se é que este é um cruzamento possível.
Mas eu jurava que o escoteiro era um sujeito diferente. Ele não parecia dado a fofocas e
curiosidades. E, talvez, não seja mesmo. Mas, pelo visto, leva os ensinamentos de Baden Powell a
sério demais. Tanto é que, quando eu e maridon vimos ele conversando com os policiais e olhando na
direção da nossa janela, nos aproximamos deles e perguntamos:
– Algum problema?
O escoteiro respondeu sem olhar para nós…
– A lâmpada. A lâmpada esta piscando há horas. Alguém lá dentro está precisando de ajuda e…
Foi quando ele virou o corpo para nos dar detalhes e nos reconheceu…
– Vocês!
Saltou de susto, o lelé da cuca. Como pôde ser tão mané? Ficou lá com aquela cara de patso, na
maior saia justa. Um dos policiais ficou indignado quando soube que nós éramos os moradores da
casa e só tínhamos saído há algumas horas para comprar lâmpadas.
– Mas vocês saem e deixam a lâmpada piscando?
– Era pra parecer uma árvore de natal e não um pedido de socorro em código morse.
– E espantar os ladrões! Não atrair a policia.
– Árvore de natal? Estamos no fim de março!
Ao ouvir o questionamento do escoteiro se metendo na nossa conversa com o policial, não resisti…
– É que nós somos vampiros ninjas e comemoramos o Natal em…
– Alê, melhor não, melhor não…
Maridon tinha razão. Uma coisa é sacanear a vizinhança, outra seria perder a credibilidade com os
policiais da região. Que pena… Meu humor quase voltou ao normal.



Escrito pela Alê Félix
28, março, 2004
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Não me levem tão a sério. Vejam o filme e deixem de achar que o mocinho morre no final. O que eu
escrevi aí embaixo é uma bobagem. Se deixarem de assistir só por isso, vou contar tudo que é fim
de filme que eu ver.
Mas, mudando de pato para ganso, logo depois das assombrações de O Iluminado, a lâmpada de um dos
quartos aqui de casa começou a piscar, sem mais nem menos. É só acender a bichinha que ela começa
a piscar com intervalos de três segundos. Sim, eu olhei no relógio. Por quê? Você teria uma idéia
melhor? Sim, ainda estou de mau-humor. Obrigada por perguntar.
Vou sair e comprar uma lâmpada nova. Eu achei que os fantasmas dessa casa tinham ido embora depois
do dia que apareceu (do nada) um copo com água no chão do corredor. Parece que os danadinhos
voltaram. Bah! Odeio gasparzinhos.
Lá vou eu sair as três da manhã…



Escrito pela Alê Félix
28, março, 2004
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Dezessete reais pra ver O Iluminado. Maldita mania de não deixar o dvd embaixo do meu nariz. Acho
que eu nunca na vida paguei uma locação sem atraso. Pra piorar, todo mundo falou, falou e nem medo
o raio do filme dá. E que idéia de jerico foi aquela de fazer o fantasma abrir a porta?
Desnecessário. Era só ele continuar chamando ela de amorzinho que ela abriria a porta. E bem feito
para o Stephen King que mataram o mocinho dele no final. Foi o único momento bom do filme. E conto
mesmo. O filme é de mil novecentos e oitenta. Eu devo ser a única pessoa na Terra que tinha que
ouvir todo mundo tagarelando: “nunca viu O Iluminado? Nossa! Como pode?”
Resumindo, é um filme que fala sobre casamento. he, he, he. Ok, ok… é brincadeira. Mas
não muita. :b



Escrito pela Alê Félix
27, março, 2004
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A primeira coisa que a gente pensa quando começa um blog, é no nome que ele vai ter. Eu, nessa
hora, encalacrei e pensei: “Putz grila! E agora?”. Antes que me ocorresse qualquer outra idéia
estúpida, me veio a lembrança do café da manhã do dia seguinte a uma festa que eu dei na praia.
O apartamento virado de ponta cabeça, nada comestível na geladeira, uma puta chuva, um pacote de
sucrilhos no armário e uma garrafa de licor de marula (Marula é o nome de uma fruta e Amarula o
nome do licor de marula) em cima da pia. Foi o que restou da festa e foram estes os ingredientes
que serviram de alimento para as oito pessoas que acabaram dormindo por lá. Aquela foi a festa de
aniversário dos meus dezenove anos e a última lembrança que eu tenho de amigos que cresceram
comigo e que eu nunca mais vi.
A história do café da manhã de amarula com sucrilhos ficou na minha memória como uma linha
divisória entre o fim da minha adolescência e o começo da vida adulta. Na hora de dar ao blog um
título, me pareceu um bom nome. Não questionei se eram duas marcas registradas, se alguém
implicaria com o nome, se um dia eu seria proibida de usá-la nem nada disso. Era só um blog, eram
só as minhas memórias e todas essas coisas que passam pela minha cabeça.
Pode ter sido ingenuidade minha achar que, hoje em dia, eu poderia vincular minhas lembranças com
nomes de produtos. Um, o cereal da minha infância; o outro; o licor que virou moda nos anos
noventa porque diziam que era afrodisíaco. Propaganda enganosa ou não, marula é também a frutinha
africana mais apreciada pelos elefantes. Foi por isso que eu adotei a imagem do elefantinho
charmosão que vive aparecendo por aqui. E também porque, gorducha como sou, o elefantinho me
parecia mais adequando do que todas as dolls que enfeitavam o link do perfil. Diante de tudo isto,
batizar meu blog de amarula com sucrilhos foi inevitável.
Pois é, pura ingenuidade. Mesmo sendo ridículo que possa haver resquícios de ingenuidade na cabeça
de uma pessoa de trinta anos, mesmo eu tendo idade, maturidade e conhecimento para saber os meus
limites. Mesmo assim, na minha cabeça eu só estava começando um diário. Sim, porque por mais que
as pessoas torçam o nariz com esta idéia, isto é só um diário. Um blog não passa de um diário. Um
diário com as nossas idéias, lembranças, fotos, pensamentos ou simplesmente um lugar que
achávamos, inocentemente, que poderíamos usá-lo como quiséssemos. Achávamos. Não podemos. Não
existe liberdade na internet, assim como não existe liberdade em lugar nenhum no mundo. Isto é só
um blog, mas não tem cadeado. E, como tudo que é publico, precisa ser muito bem controlado. Você
pode pensar o que quiser contanto que a os seus pensamentos sejam guardados só pra você. A verdade
é que por mais que a gente se esforce, nós não passamos de marionetes nas mãos de governos, mídia
e empresas.
O mundo está embrutecido demais para compreender que um diário, mesmo público, não passa de um
passatempo de criança. E que, nas mãos de um adulto, é só uma tentativa de resgatar sonhos e
verdades.



Escrito pela Alê Félix
25, março, 2004
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… URL do Amarula com Sucrilhos e início do
Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados. Ou só Alê Félix. Apesar de ter um gato preto
famoso no nome, acho que ainda posso usar meu sobrenome.
Tanto a URL www.alefelix.com.br quanto a www.licordemarulacomflocosdemilhoacucarados.net,
cairão aqui. Escolha o nome que preferir, atualize seu endereço e obrigada mais uma vez. 😉
Por hora, chega de stress por causa de um blog. Vou ali tomar um Bailey’s e relaxar um pouco. Quem
quiser detalhes sobre o que aconteceu, basta clicar aqui.
Fui.



Escrito pela Alê Félix
20, março, 2004
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– Recebi uma intimação para desistir em quinze dias do domínio www.amarulacomsucrilhos.com.br
– Por quê?
– Segundo os advogados que assinaram a intimação, porque eu estou fazendo “concorrência
parasitária” com a empresa detentora do nome Amarula.
– Mas o que é Amarula afinal?
– Amarula é o nome de um licor de marula. Marula é uma fruta africana. Seria o mesmo que alguém
fazer um licor de banana e registrar a marca Abanana.
– Mas a marca é deles?
– Sim. Mas os caras acham que eu estou tirando proveito do renome da bebida. Se eu estivesse
vendendo Baily’s, licor de banana ainda vá lá. Eu não faço nada disso. Eu não vendo nada. Isso é
só um blog. Ou era pra ser… Porque, de verdade, eu não sei mais o que está acontecendo por aqui.
– Como assim?
– Eu não entendo o porquê de uma série de coisas. Não entendo, por exemplo, porque na carta eles
dizem que eu tenho quinze dias pra resolver isso amigavelmente, mas preciso cancelar imediatamente
o redirecionamento www.amarulacomsucrilhos.blogger.com.br. Se eles sabem tão bem como funciona o
sistema de blogs e redirecionamentos, por que pediram pra eu cancelar imediatamente só o do
Blogger?
– De novo essa história do Blogger?
– Não sei. Não acho nada, porque não tenho como provar nada; mas eu nunca poderia imaginar que
advogados se importassem mais com um redirecionamento de um sub-domínio do que com um domínio
próprio. Sem contar que existem vários blogs com o nome Amarula e duvido que alguém foi intimado
por causa de uma bobagem com esta. O fabricante é da Africa do Sul, os donos nem devem saber o que
é um blog. Eu sei é que eu estou de saco cheio disso tudo. Primeiro, toda a saga Blogger, depois
os DNSs do meu servidor que aparentemente foram bloqueados por alguns provedores nacionais e agora
essa. Dá vontade de sair gritando: Isso é só um blog! Isso é só um blog! Isso é só um blog! E só
escrevo bobagens, histórias, memórias…
– Nem sempre.
– Quase sempre.
– Mas será mesmo que você precisa abrir mão deste nome?
– Não sei, bem ou mal a marca é deles. Mas não quero mais saber deste domínio. Só acho curioso o
fato disto acontecer bem depois que eu escrevi dizendo que a única coisa que nós temos quando
escrevemos um blog é a URL e o conteúdo…
– E se isto aqui fosse um livro? O título do livro não poderia se chamar Amarula com Sucrilhos? E
o velho papo sobre liberdade de expressão?
– Deixa de existir a partir do momento que alguém fala sobre uma marca registrada.
– Se eu fosse você, procuraria saber o que aconteceu com a Janis Joplin quando ela gravou
Mercedes-Benz, com o Legião Urbana quando gravou Geração Coca-Cola, com o Almir Rogério quando
gravou Fuscão Preto, com o Roberto Drummond quando escreveu Sangue de Coca-Cola…
– Bom, dane-se. Só acho que por medo de perder dinheiro, ou na tentativa de proteger a imagem,
algumas empresas acabam conseguindo a antipatia das pessoas. É brigar por muito pouco. Mas que
seja, agora eu tenho o melhor e maior domínio da internet: www.LicorDeMarulaComFlocosDeMilhoAcucarados.NET
– Ou www.AleFelix.com.br
– Mas os dois caem no mesmo lugar?
– Claro!
– Melhor assim…
– Melhor…



Escrito pela Alê Félix
20, março, 2004
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O Bilhete:
Murilo, eu sei que você está bravo comigo e por isto eu queria pedir desculpas. É que eu
estava doente e comecei a ficar zonza, zonza, zonza e meu estômago doía… Mas aquilo tudo que eu
disse no parque não tem nada a ver com você. Juro.
Será que a gente pode ficar de bem?

Preciso de um papel de carta bonito.
– Alê, eu falei uma carta! Esse bilhete está ridículo. Você acha o quê? Que o Murilo vai ler
isto e desculpar você só porque o papel de carta é rosado e tem desenhos de flores do campo?
– Não agoura, Marilu! Não agoura! E isto não é rosa; é bordo. O bilhete está lindo. Pode entregar
assim mesmo. E cuidado pra não dobrar. Entrega enroladinho como se fosse um pergaminho.
– Vai quebrar a cara.
– Não vou, não.
Passei a tarde procurando pontas duplas no cabelo. Uma ansiedade que me fazia bater a cabeça na
parede. Pra piorar, a Marilu não voltou em casa naquele dia. Só foi aparecer no dia seguinte. E à
noite!
– Isso são horas?
– Você parece minha mãe falando. Eu, hein…
– E então? Como foi?
– Eu avisei…
– Ele não vai me desculpar?
– Não vai, não.
– Mas o bilhete estava tão bonitinho… O que ele disse?
– Ele não disse.
– Como não disse? Ficou mudo?
– Eu falei que era um bilhete seu, ele olhou e nem abriu.
– Foi embora assim? Sem mais nem menos? E a carta?
– Não leu…
– Devolveu pra você?
– Rasgou.
– Rasgou? Sem ler?
– Ãnrãn… Trouxe os pedacinhos pra você não achar que é invenção minha.
– Que cretino!
– Alê, a gente já esperava que isto pudesse acontecer. Eu acho que essa história não tem volta,
não.
– Que insensível! Você disse que eu estava doente?
– Disse. Em seguida dei o bilhete e ele rasgou na minha frente.
– Não acredito! Infantil! Babaca… Por que esses meninos são tão, tão, tão… Arght!
Ali começou um problema que me acompanhou durante muitos anos. Bastava o menino não me dar bola e
eu ficava enfurecida. Enfurecida e muito mais apaixonada… Não era masoquismo, era burrice mesmo.
– Olha, sem querer ser estraga-prazeres, mas já sendo, eu acho melhor você esquecer o Murilo.
– Não. Ele não quer ler, vai ouvir.
– Alê, o Ivo disse que o Murilo não quer mais ver você.
– Tudo bem. Eu não ligo. Mas ele vai ter que ouvir. Vou gravar uma fita cassete.
– Já vi que vai sobrar pra mim de novo…
– Vem, me ajuda a procurar o gravador.

———-> Continua

Mais uma de amor no radinho. Clique lá.

Clique aqui para ler o primeiro post da saga do primeiro beijo.



Escrito pela Alê Félix
18, março, 2004
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Pouco me interessava o que aconteceria com a tal da Lívia, com a minha saúde ou com a dieta
mirabolante de quem quer que fosse. Na minha cabeça, aos doze anos de idade éramos todos imortais
e eu só pensava em chegar em casa e dar um jeito de pedir desculpas ao Murilo. Meses depois eu
soube que a Lívia morreu, mas eu continuava surda para aquela história. Meu pai tentou me alertar,
mas eu ignorei cada palavra. Adolescentes enfim, tornaram-se mortais, mas eu não era tão burra
quanto ela foi. Ou, pelo menos, achava que não.
Depois de dois dias internada naquele hospital, minha mãe cismou que eu precisava ficar em
observação. Pela anemia e pela mentira, eu passaria o resto da semana sem ir para a escola. Voltei
para a cama, para os dias de castigo e fui obrigada a tomar compostos vitamínicos e parar com a
dieta do abacaxi. Nada de rua, nada de amigos. Ela tinha uma licença médica como justificativa.
Sem notícias, sem meios de comunicação e me sentindo uma leitoa no cativeiro de engorda, a vontade
que eu tinha era de fugir para algum lugar onde os pais não fossem necessários.
O primeiro dia foi horrível. Não só pelo tédio, mas também por conta do arrependimento. Eu queria
saber do Murilo, da Marilu, do Kiko… Nem dormir eu conseguia. Quando eu consegui descansar um
pouco a mente e adormecer, já era madrugada.
– Aleeee…
Abro os olhos e vejo uma bochecha amassada no vidro da janela sussurrando meu nome. Esfreguei os
olhos, dei um salto da cama e abri a janela para que a Marilu entrasse…
– Estou há meia hora batendo nesta janela…
– Batesse com força!
– Se eu pudesse fazer barulho, teria entrado pela porta da frente.
– E por que não entrou?
– Sua mãe não deixou. Disse que você precisa sarar da dieta maluca que inventou e que está de
castigo.
– O que ela quer? Me matar de vergonha? Que horas são?
– Onze e quinze. Que dieta foi essa que te levou para o hospital?
– A do abacaxi…
– Dieta do abacaxi?
– Dá pra rir mais baixo, Marilu?
Passei o trinco na porta como se ele pudesse abaixar o volume das gargalhadas que ela dava…
– Você desmancharia igual ao churrasco ruim que o meu pai prepara.
– Ver minha bunda desmanchar fazia parte dos meus planos. E chega desse papo. Não suporto mais
falar sobre este assunto. Me conta… Me conta do Murilo.
Ela titubeou…
– Ele está muito bravo comigo?
– Hum… Pior que isso.
– O que pode ser pior?
– Vai doer. Quer mesmo que eu conte?
– Quero. Acho…
– Quando o Ivo me contou eu nem acreditei.
– O Ivo? Por que o Ivo? Até ele já está sabendo?
– Claro! Ele é o melhor amigo do Murilo, Alê.
– Eu sei, eu sei… mas me diz. Você chegou a conversar com o Murilo no dia do parque? Ficou
sabendo que o meu pai viu a gente?
– Eu e o Kiko vimos vocês entrarem no carro e corremos para falar com o Murilo e saber o que
tinha acontecido.
– E aí? O que ele disse?
– Ele estava com uma cara péssima. Não falou muita coisa, não.
– Como assim? Conta direito…
– Ah, ele não falou quase nada. Nós insistimos, mas ele não quis saber de conversa. A única coisa
que ele disse foi que perguntássemos pra você.
– Só isso?
– Só.
– E o que o Ivo te disse?
– Essa é a parte que vai doer…
– Conta de uma vez, Marilu!
– Ele não quer mais falar com você.
– Como assim não quer mais falar comigo? Conta desde o começo. Ele sabe que eu passei mal e
fiquei no hospital esse fim de semana?
– Não sei, mas acho que não sabe. O Ivo teria comentado.
– O que mais ele disse?
– Eu não lembro de tudo… Conversamos um tempão e sobre outros assuntos.
– Como não, Marilu? Como é que você esquece os detalhes de uma conversa como esta?
– Ah, lembrei! Ele também disse que você deve ser louca.
– Blá-blá-blá… Que mais?
– E que enrolou esse tempo todo só pra fazer o Murilo de palhaço.
– Não foi nada disso…
– Mas afinal, o que aconteceu então?
– Ai, se eu disser você vai querer me esganar.
– Conta!
– Eu disse que tinha nojo dele.
– Não acredito… Sério? Por que você fez isso? Não me diga que você vomitou no menino?
– Claro que não, Marilu!
– Ufa! Menos mau…
– Você acha?
– Eu vou saber? Esquisita do jeito que você é!
– Você não entende…
– Nem eu, nem o Murilo, nem ninguém!
– Fala baixo… Se minha mãe pega você aqui, vou passar mais uma semana trancafiada em casa. Eu
não disse por mal. Eu estava doente.
– Doente de quê?
– Anemia, dor no estômago, febre, começo de gripe…
– Frescura…
– Essa é uma longa história, Marilu. Deixa pra lá. Ela não interessa mais. Agora, o que eu
preciso é que você me ajude. Preciso dar um jeito dele me perdoar.
– Esquece. Ele não vai desculpar você nunca. Isso não é coisa que se fale pra alguém.
– Vai ajudar ou me dar uma lição de moral?
– Eu não deveria! Quem faz o que você fez não deve bater bem da cabeça. Mas eu ajudo. Ajudo só
porque, graças a você, eu…
– Você o quê?
– Eu estou namorando o Kiko!
Pulamos e gritamos baixinho como duas adolescentes retardadas. Não havia casal mais perfeito do
que o Kiko e a Marilu. Ao lado dele, ela aprenderia a compreender melhor a família que tinha,
repensaria a fé que lhe faltava, a paixão que ela esbanjava e os detalhes que ela sempre perdia.
E, infelizmente, com ela, ele descobriria todas as dores e alegrias de uma grande paixão. Mas
essas eram as cenas de um futuro distante daquela manhã. Naquele dia, ela era dona do sorriso mais
feliz que eu já havia visto. Um sorriso que eu vi estampado em seu rosto toda vez que o nome ou a
presença do Kiko se tornavam presentes. Um sorriso que desbotou entre tantos fins e recomeços. E
que ela deixou de sorrir, desde que ele foi embora.
– Conta! Conta tudo tim-tim por tim-tim!
– Não. Depois eu conto. A gente precisa dar um jeito nessa sua história com o Murilo. Anda.
Escreve uma carta pra ele, explica tudo o que aconteceu e eu vejo o que eu posso fazer.
– Boa! Mas… escrever o quê?

———-> Continua

No radinho: Educação Sentimental II – Kid Abelha

Clique aqui para ler o primeiro post da saga do primeiro beijo



Escrito pela Alê Félix
16, março, 2004
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