Estacionei o carro achando que a igreja estaria tomada por devotos mas, curiosamente, eu era a única alma viva por ali. Desliguei o carro e travei as portas. Olhei ao meu redor, já achando que eu estava no meio de uma cidade deserta, quando um som de coral desceu da basílica e invadiu meu peito apontando uma direção. Procurei uma saída dentro da imensidão do estacionamento e atravessei – sem nenhuma companhia – uma passarela que levaria até o meu castelo infantil, disfarçado de igreja. Lá, do alto da basílica, a vista da cidade e do céu de Aparecida cobriram meus olhos com uma paisagem que eu não esperava. Tive vontade de assistir a missa, mas nem quis entrar. Sentei nos degraus da porta lateral e encostei em uma coluna que me deixava com os olhos voltados para a vista e os ouvidos atentos as palavras que escapavam de dentro da igreja. Dali, ouvi o padre contar que gosto de tangerina o fazia lembrar de sua infância em algum lugar da Itália, do Natal e de sua família. Ele falava da importância da união e dizia que a presença de Deus estaria nas nossas mesas naquela noite. Achei bonito, concordei com ele sobre a importância da união, mas não conseguia parar de olhar para o céu de nuvens gigantes, ameaçando tempestade e uma cidade inteirinha embaixo dele, silenciosa e vestida de sua construção calcada na fé.

Era um lugar interessante feito o Vaticano que coincidentemente eu havia conhecido meses atrás, também interessada em algum contato com Deus, mas preferia esquecer. Lá, eu nem sequer entrei na basílica de São Pedro, mal desci do ônibus de turistas que circulava entre as principais atrações italianas. Lá, eu estava tão de saco cheio do oportunismo dos italianos e toda a ilusão que o meu cérebro classe-média havia criado sobre a Itália que peguei os trinta minutos de espera na parada do ônibus, entrei em um restaurante para tomar um sorvete, pedi duas bolas e sai sem pagar.

Acho que naquele momento, Deus classificou minha atitude como um grande pecado porque logo depois eu entrei numa depressão desgraçada. Foram cinco dias zanzando pelas ruas de Roma e chorando por todas as separações da minha vida. Enquanto via brotar do chão casais em lua de mel, chorei até pelo primeiro menino que gostei na pré-escola. Cinco dias comendo pior do que eu comeria se tivesse estragado minha própria macarronada e usando a boca somente para resmungar indignada, pedir a conta e vaiar (!) Roma. Mas… tudo bem. Roma e o roubo do sorvete no Vaticano não haviam sido experiências muito boas, mas era passado. No presente, as vozes cantavam pedidos de perdão, eu estava no pé da segunda maior casa de oração católica e ela me parecia um bom lugar para aprender a rezar direito e pedir desculpas pelo que afanei na primeira.

Hum… Como é que era mesmo? Bom, vamos lá… Pai nosso que estais no céu… Santificado seja… Putz! Puta raio foda!

Tapei a boca com as mãos com medo de represália divina vinda no formato de mais um raio, possivelmente direcionado para a minha goela. Passado o susto, achei melhor deixar a reza de lado e pedir desculpa conversando, do jeito normal que eu fazia desde criança…

Oi, Deus… Beleza? Tudo bem aí no céu…? Tá feliz? Hum… Quanto tempo, né? Então… Eu sei que hoje deve ter um monte de gente te enchendo a paciência, mas você sabe que nunca fui de incomodar. Pra dizer a verdade, nem sei direito porque estou aqui… Acho até que vim só pra descobrir, sabe? Por enquanto, tá tudo bem, tô indo lá pro Rio de Janeiro ver a Alice e o Silvio. Aliás, valeu por ter cuidado da Alice esse ano… Valeu de verdade. Mas parei aqui só de curiosidade mesmo… Nem vim pedir nada… Não, eu não vou roubar nada… Mas olha… Aproveitando a lembrança, com relação aquele sorvete que eu roubei na gelateria da Itália, eu sei que só fiz isso só pra contar vantagem para os meus amigos, dizendo que roubei sorvete de cristo, que foi como tirar doce de criança, mas espero não ter ofendido ninguém. Você sabe que eu tava triste pra caramba e só fiz isso porque fui sacaneada por todos aqueles italianos desesperados por grana e odiadores de turistas… Ok, ok… Vou me corrigir… “Todos os italianos que encontrei”, o que não significa “todos os italianos do mundo” … Às vezes, eu acho que até você que deveria, não tem a manha de generalizar só pra falar sobre um determinado assunto, sabe? Bom, o que eu sei é que Roma pode ser linda do jeito que for, mas é igual um homem bonito que desperta paixões deixando claro que em algum momento haverá sofrimento. É propaganda enganosa! Toda a cidade e seus arredores… Tudo marketing! Tipo o Vaticano que acha que é país, mas pra mim não passa de um bairro shopping-center de Roma. Você pode até ser a favor do Vaticano, mas aquilo não é certo. Se bem que… Sei lá eu se você é a favor de verdade, né? Enfim… Não quero me meter nos seus gostos. Você sabe que eu espero honestamente que você torça para todos os times, até pra quem joga sozinho, mas quem sou eu pra dizer o que você deveria fazer? Da minha parte, só quero mesmo é que fique claro que não tenho nada contra nenhum deles. Tanto que roubei o sorvete, mas tô indo fazer o raio da peregrinação, que é uma coisa que acho bacana e é adotada por um monte de gente católica… Tá vendo? Olha só como eu sou legal… Ok, ok… O que eu quero te dizer é que se você ficou puto comigo naquele dia, não devia, porque eu não mereço. Paguei preço de hotel cinco estrelas pra dormir em uma espelunca, em cima de uma cantina porqueira que me fazia acordar as sete da manhã com o cheiro do corte das cebolas. Viajei achando que eu ia me acabar na berinjela à parmegiana e descubro que qualquer cantina chulé do bairro do Bixiga dá de dez a zero nos restaurantes dos mal educados que conheci! E todo aquele papo de que a Itália é o país do amor, que o povo sabe paquerar? Sério, o que a Itália chama de paquera eu chamo de assédio sexual! Roubar sorvete foi pouco! Se eu não fizesse nada pra dar o troco naquela tristeza toda que eles me fizeram sentir, teria entrado no Coliseu e avançado nas pessoas ou largado o diacho do gelato pra procurar o Papa e dar-lhe uma pedalad… Puff… Beijoca na mão feito pedido de benção. Tá feliz agora? Enfim, Deus… Na boa? Já que estamos aqui, além de me perdoar por essa história do sorvete, você bem que podia me dar algum sinal de que estou no caminho certo da vida, né? Eu sei que passei a infância te dando perdido nas promessas, mas achei que estávamos de bem! Até o ano passado, nossas conversas pareciam poesia! Você fazia aparecer beija-flor sempre que eu estava na dúvida… Lembra? Então… Parou porque? Eu achava legal aquele papo de sinal… Hum… Você também acha que foi culpa minha a separação com o Wil, né? Cara, você tem que ser muito babaca pra achar que… Ok, não vou discutir com você porque você tem trovão e eu só tenho reclamação. Ok! Ok! E muita gra-ti-dão pela saúde. Muuuita! Tá bom assim? Ótimo. Agora, dá pra parar de tacar na minha cara que você tá careca de ser bom pra mim e eu nunca te dei valor? Sério… Eu dei e dou valor! Mas nunca me senti tão perdida como estou me sentindo esse ano e você fica fingindo que não me conhece mais… Pô, eu tô até indo em igreja! Não, não fui só de turista não! Entrei naquelas da Itália porque eram bonitas, mas depois você sabe que fiquei tocada. Chorei por horas! E de joelhos, pedindo pra você me ouvir! Chorei lá, tô chorando aqui, vou passar a virada do ano seguindo os passos de um cara que foi legal pra burro com você… Blá, blá, blá… Não tô chorando agora, mas dá vontade! Eu sei, eu sei que nem me dei ao trabalho de me informar sobre quem foi o José de Anchieta. Sei de tudo isso! Olha, com todo respeito, você sabe que eu acho verdadeiramente bacana seguir algum caminho espiritual e se as religiões se prestam a oferecer esse caminho, acho super válido. Mas você também sabe que se eu estivesse realmente feliz, não estaria aqui. Aliás, você reparou que é véspera de Natal e a cidade está as moscas? Você não acha que tá vazio desse jeito só porque o país está um pouquinho mais rico e, com dinheiro no bolso, o povo te abandonou e se mandou pra praia? Putz! Meu, cê é louco? Você deve achar graça de assustar as pessoas com esse negócio de relâmpago, né? Sério, não tem graça nenhuma. Eiiii… Dá pra parar? Vamos lá! Qual é o plano? Me castigar porque eu roubei a porra do sorvete na gelateria do Vaticano? Pecado é o Vaticano vender sorvete com a cara do Papa desenhada na casquinha! Quer saber? Problema seu. Eu não tô mais nem aí! Quer me relampejar, fica a vontade. Só de pirraça, agora eu vou peregrinar só pra ficar gostosa! Adeus à tentativa de voltar a falar com você, adeus à toda minha máxima culpa pelos conflitos de todos os meus relacionamentos! Adeus, espiritualidade! Adeus, humanos, porque daqui pra frente nunca mais falo com nenhum de vocês também! E, principalmente, adeus, Deus! Você que se…

E desabou o céu…

Hahahahaaha! Uiii… Ele faz chover quando tá bravinho! Uiii… Mimimimi! Mas que puta chuva sem noção, hein? Por que eu não fui embora daqui antes? Tudo bem que você estava caprichando no palavrão, mas cuspir nos outros é muito feio, sabia!?

Pensei em entrar na igreja pra me proteger da chuva, mas fiquei com medo de colocar em risco a vida dos fiéis. Corri de volta para o estacionamento tentando me molhar o menos possível e dar uma banana pra Deus, mas uma criançada passou voando por mim, me fazendo dar risada de todo o monte de bobagem que eu havia dito…

– O último que chegar do outro lado da “Passarela da Fé” é a mulher do padre!

E perdi a corrida…

Se na Itália eu tinha sido zoada pelos adultos, em Aparecida foi a vez das crianças. Além de ter corrido feito uma pata de tamancos, ainda escorreguei e cai de bunda na tal da “Passarela da Fé”. Cheguei por último e pior… Eu ri! E levantei e segui descalça e continuei rindo da minha cara junto com a molecada no meio da chuva. No final das contas, dei tchau para os pivetes como se eu fosse do grupo, recusei com gratidão a mexerica que um deles me ofereceu e segui em direção ao carro.

Me senti um pouco em paz depois de ter brincado nas pontes do castelo… Mesmo depois de ter bancado o dragão, sabe? Fazia tempo que eu não brincava…



Escrito pela Alê Félix
4, fevereiro, 2012
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– Por que você não para de inventar história e não escreve sobre a sua vida de verdade? Cara, você já se meteu em cada uma que daria livro bão, de umas trezentas páginas e faria um sucesso enorme com a mulherada.
– Voooo contaaaa desgraçaaaaa pros otroooo pra queeee?
– Porque mulher adora desgraça!!!
– …
– Consigo até ver você autografando um livro seguido do outro…
– É… tuuudo autografado com meu dedão!



Escrito pela Alê Félix
3, fevereiro, 2012
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Tomei gosto pelas viagens de carro, com meu pai. Dentro do pacote de lembranças da infância sempre estiveram as que acordávamos de madrugada, pegávamos meia duzia de pertences, cobertores e travesseiros, enchíamos os bancos de conforto e partíamos antes das cinco para que ele visse o sol nascer na estrada. Era impressionante como aquilo o deixava tão feliz quanto chegar no destino. Mudava-lhe o humor… Assim, num piscar de céu, de um instante para o outro. E, como a felicidade deve ser algo que tentamos encontrar seguindo os passos de nossos pais, talvez fosse por isso que eu estivesse ali repetindo a lição.

Acho que conheço bem a rodovia Presidente Dutra desde os cinco anos de idade quando entrei no carro para minha primeira viagem ao Rio de Janeiro, perguntei para onde íamos e algumas horas depois avistei o primeiro castelo da minha vida…

– Mãe! Mãããe! Olhaaaa! Um castelo! Um castelo gigante!
– É…

Ao contrário do meu pai, minha mãe odiava viajar. Como de costume, ela não dizia nem que sim nem que não, mas era visível a sua preferência pelos corredores da casa. Na tentativa de agradá-lo, viajávamos sempre que podíamos e ela raramente se queixava. Seguia conosco qualquer programa, mas eventualmente se aproveitava do silêncio bom das estradas para mergulhar nos próprios pensamentos. Meu pai, às vezes, também parecia distante, mas eu gostava de conversar e ele de exibir seus conhecimentos…

– Não é um castelo, é uma igreja.
– Igreja!? Desse tamanho!?
– Ali é uma cidade chamada Aparecida… E essa é a igreja de Nossa Senhora Aparecida. É grande assim porque é a segunda maior igreja católica do mundo.
– Ahhh é? E qual é a primeira?
– A Basílica de São Pedro, no Vaticano.
– Já sei! Vaticano é aquele lugar onde mora o Papa!
– Isso mesmo.
– Olhaaaa paaaai! Um monte de gente andando na rua!
– São romeiros…
– Gente que nasceu em Roma?
– 🙂 Não, não… Embora haja ligação entre o nome e a cidade de Roma, quem nasce em Roma são os romanos, romeiros são pessoas que saem de suas cidades e vão a pé até algum lugar sagrado para rezar ou agradecer a Deus.
– A pé!?
– É… Normalmente, a pé. Mas acho que pode ser de carro, cavalo… Não tenho certeza.
– Cavalo!?
– Por que não?
– Hum… E quanto tempo leva pra chegar aqui a pé?
– Bastante…
– Ainda bem que eu já sei rezar lá da minha cama mesmo…

Trinta anos depois, passando de carro por Aparecida, me dei conta de que desde aquele tempo a Basílica de Nossa Senhora Aparecida era contemplada por mim feito castelo, somente da beira da estrada, a caminho das férias que passávamos no Rio de Janeiro. Nunca havia parado em Aparecida, entrado na cidade, nem na igreja.

E por que não?

Pensei, parei o carro em uma área segura e senti vontade de tirar algumas fotos do ponto aonde estava. I-phone nas mãos, ainda sem sair do carro, vi através do retrovisor um grupo peregrinando pelo acostamento. Dali uns dois dias seria eu caminhando pelas praias do Espírito Santo e cumprindo meu trajeto, mas a questão era outra: eu havia mentido para o meu pai. Nunca soube rezar. Deixei Deus esperando no pé da minha cama várias vezes, fingindo que tinha rezado, mas só tagarelava qualquer bobagem indecifrável para que meus pais me deixassem em paz e eu pudesse voltar a brincar escondido enquanto todos dormiam. Não me recordava nem do Pai Nosso, nunca havia negociado nada com Deus, além de boas notas escolares quando esquecia de estudar ou implorar para que não me deixasse repetir de ano. Mesmo assim, tenho certeza absoluta de que – se ele me ajudou – o despistei no momento seguinte fingindo que a promessa não precisava ter sido levada tão a sério. Ou seja… Como alguém que passou a vida dando balão em Deus, entraria numas de fazer as pazes com ele? E pra que mesmo?

Fiquei observando os romeiros pelo espelho… Passaram por mim olhando como se eu fosse parte da paisagem e eu me perguntando o que haviam ganhado de Deus para estarem ali…

Até que uma senhorinha ergueu seu cajado em minha direção e saudou:

– Força!
– …

Respirei fundo, agradeci com um leve movimento de cabeça e um sorriso de boca fechada, sussurrei com meus botões que assim fosse e saí do acostamento. Seta para a esquerda, seta para a direita, entrei na cidade de Aparecida, rumo a Basílica de Nossa Senhora. Já que eu estava indo para uma peregrinação, que ela começasse ali. Afinal, depois de tantos anos indo e vindo pela mesma estrada, não tinha mais cabimento continuar ignorando os castelos do caminho.

Continua…

Para ler o primeiro post, clique aqui.



Escrito pela Alê Félix
29, janeiro, 2012
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Infelizmente não sou muito de ir a shows, sou menos ligada a música do que gostaria, mas essa noite sonhei que estava em uma apresentação da Rita Lee, pedia pra ela parar de cantar, chamava a Florence e saiamos as três sobrevoando uma praia e jogando tinta de cabelo vermelha nos banhistas. Riamos e dançávamos no céu, vestidas em vestidos cintilantes borrados nos tons vermelhos das verdadeiras e das falsas ruivas. Abri os olhos, levantei da cama e estava aqui pensando que nunca fui no show de nenhuma das duas, mas que a Rita é uma das poucas que canta profundamente dentro de mim e a Florence faz clipes que se parecem tanto com os meus sonhos e pesadelos que chego a achar que ela tem acesso a eles. Tomei café, tocou o telefone e uma amiga do outro lado da linha…

– Tenho ingressos pra ver Florence and the Machine hoje a noite. Topa?

“I am done with my graceless heart. So tonight I’m gonna cut it out and then restart.”



Escrito pela Alê Félix
24, janeiro, 2012
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Nunca perdi tanto tempo quanto perdi nessa tentativa insana de construir relações de amor. Além do período da paixão que não passa de uma obsessão pessoal, não existe nada além do amor próprio (ou da falta de) que nos faz escolher o silencioso jogo de interesses que estabelecemos em busca de algum tipo de paz ou prazer, mas que sempre acaba com algum tipo de morte ou surto. Alguém sempre vai pagar um preço alto por essa brincadeira de mau gosto que nos ensinaram a acreditar.  E tanto faz se você discorda ou não sobre o destino fatal de todo relacionamento. Se hoje você estiver ganhando, se sentindo bem amadão e feliz, vai querer argumentar dizendo que não é bem assim e se estiver perdendo, se fodendo numa dessas relações de merda onde cada um defende o seu e tudo o que deveria ser “nós” não passa de “eu”, vai preferir nem ter começado a ler isso.
Mas não se desespere… Ainda não é tão difícil encontrar sobre este planeta alguém dotado da boa ingenuidade do amor. Ainda é possível procurar e encontrar alguém que goste mais de você do que você será capaz de gostar e essa pessoa te cure e aceite devolver um pouco do que já te tiraram. E se te consola saber que há quem já perdeu mais do que você… Até aqui, eu perdi minha vida. E uma boa grana… Deixei de caixinha… Um mimo de gratidão pelas flores que os homens que eu amei um dia me deram. Achei que fossem bouquet, eram coroas, mas sempre serei grata por virem e irem em formato de flor.



Escrito pela Alê Félix
20, janeiro, 2012
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– Você o quê?
– Tô indo para uma peregrinação…
– Sério? Que legal! Santiago de Compostela?
– Nem tudo o que é peregrinação é Santiago de Compostela, sabia!? Vou para o Espírito Santo, é um caminho chamado Passos de Anchieta.
– Peregrinação no Espírito Santo? Tá maluca!?
– Ué, se eu estivesse indo para uma peregrinação na Europa seria legal, mas se é aqui no Brasil é maluquice? Brasileiro é um bicho esquisito, né? O povo sem auto-estima…
– Blá, blá, blá… Fala sério, Ale! Espírito Santo? Passos de Anchieta? Anchieta, o padre José de Anchieta? Sei… E desde quando você é religiosa?
– E precisa?
– Nem sabia que ele tinha caminho com o nome dele… Já sei! Você apelou pra algum santo te ajudar com alguma coisa que você queria, conseguiu e agora tá com medinho pagando promessa.
– Claro… Eu, a pagã, com medo de santo…
– Então só pode ser pra emagrecer! Vai andar pra perder uns quilos.
– Que emagrecer o que, menina! Estou até pensando em aproveitar a região e fazer duas peregrinações: durante o dia sigo os Passos de Anchieta e a noite corro atrás da melhor moqueca capixaba…
– Medo de chegar aos quarenta anos sem ter pensado direito na vida! É isso!
– Ainda tô longe dos quarenta…
– Anram… Sei.
– Você não tá namorando nenhum pescador, não né!?
– Olha… Até que não seria má idéia não…
– Ale, não inventa! Era o que me faltava você querer viver de amor e cação a essa altura do campeonato. Você não tem mais vinte anos! Se liga!
– E viver em São Paulo trabalhando quinze horas por dia, chamando bares e festas de diversão e tentando sorrir pra quem morre de medo de dar até bom dia é mais legal do que viver de amor e cação?
– Ai, meu Deus… E não é que é isso mesmo? Você conheceu algum pescador pela internet e tá indo conhecê-lo pessoalmente…
– 🙂 Não… Não conheci nenhum pescador. Mas não acharia ruim se tivesse conhecido. Imagina que história linda isso não daria…
– Olha, falando muito sério, aproveita esse seu caminho espiritual aí e pede pro Anchieta te curar dessa necessidade de só ver graça na vida quando está apaixonada ou escrevendo. Isso sim não está certo… Tem outras coisas na vida que são legais, nem tudo tem que ser paixão ou história bonitinha pra você colecionar e sair escrevendo.
– É…? E o que mais é legal?
– Ah, sei lá… Assim de sopetão eu não sei dizer, mas que a vida é muito mais do que isso, isso é!
– Eu concordo contigo… Mas acho que gosto é uma espécie de filtro que faz a gente conseguir olhar pra vida com um pouco mais de clareza e tranquilidade. E o meu filtro predileto é a paixão. Que é que eu posso fazer contra isso? Seria como te pedir pra parar de pintar. Você conseguiria?
– Não. Mas você insiste em usar só esse filtro. Escolhe outros, pombas!
– Quem sabe não encontro outros filtros nos 100 km dos Passos de Anchieta?
– Querida, na boa… Você já foi picada por cobra zanzando pela região do Pantanal, já atravessou a pé a fronteira da Colômbia no auge das más notícias sobre as FARC, já foi presa pelos guardas da residência oficial do senhor Hugo Chávez, correu atrás de vulcão em erupção no Equador, deu banana para os sinais alienígenas do Peru, já cruzou a America do Norte uma barca velha…
– Barca velha!? Era um Mustang V8! Tá louca!?
– Que seja! Você vive fazendo essas coisas e nem filhinha de papai você nasceu! A brincadeira é cara, você não desiste, não cuida do seu futuro e nunca se dá por satisfeita. O que mais você quer? Você acha mesmo que 100 km a pé te farão compreender alguma coisa que já era pra ter aprendido em quarenta anos de vida?
– Trinta e cinco, por favor… O tempo por si só já passa depressa demais. Não careço dos amigos arredondando minhas experiências.
– Alê… Larga mão de ser perdida, esquece essa história de Espírito Santo e vem pra cá passar o réveillon com a gente que você ganha mais. Além do mais, não é certo você passar o Natal e o réveillon sozinha depois de tudo o que aconteceu esse ano.
– Eu não tenho do que reclamar, Alice…
– Isso está é me cheirando um “Comer, rezar e amar” de pobre… Isso sim!
– 🙂 Eu agradeço o convite pra passar o fim de ano novamente com vocês, mas vou peregrinar. Faz muito tempo que penso sobre isso, não tem nada a ver com paixão, com escrever, com nada disso. Só estou realmente precisando ficar um pouco sozinha e oxigenar a cabeça.
– E sair por aí caminhando sozinha vai ajudar?
– Ser obrigada a seguir em frente vai ajudar…
– Hum… É impressão minha ou isso ainda tem alguma coisa a ver com o Wil, Alê?
– Não, não tem… Está tudo bem quanto a isso. Mas me conta de você… Como estão as coisas por aí?
– Tudo bem… Eu e o Silvio vamos passar o Natal por aqui, mesmo esquema de sempre: sem família, sem comilança, sem papai Noel.
– … 🙂
– E se eu bem te conheço você vai de carro aí de São Paulo até Vitória… Acertei?
– Anram…
– Mil quilômetros de carro por essas estradas horrorosas, sozinha e nessa época do ano onde as pessoas bebem e se matam nos acostamentos… Ótimo pacote de viagem!
– Eu dirijo com cuidado…
– Ok, você quem sabe… Eu entendo que você adore dirigir, mas não entendo pra que correr tanto perigo à toa.
– E vou estar mais segura dentro de casa, assistindo os fogos de Copacabana pela TV e esperando a vida passar?
– Não… Mas você pode vir de carro e ver os fogos pessoalmente, pode passar o réveillon aqui com a gente. As estradas até o Rio você já conhece, são muito melhores e dá pra andar pela orla de Copacabana, todos os dias como se fosse peregrinação. O que acha?
– Eu já passei o Natal com vocês no ano passado. Se eu fizer isso de novo até a minha família vai começar a sentir ciúmes de você e do Silvio.
– O ano passado não conta… Você estava se separando, eu tinha acabado de receber o laudo da biopsia, estávamos todos muito abalados emocionalmente.
– Eu agradeço de todo o meu coração, mas encanei que tenho que ir até Vitória.
– Ok… Você sabe o que faz. Mas dirija realmente com cuidado, ok? A gente se preocupa com você.
– Obrigada, querida… Eu também amo vocês.

Alice é minha amiga há alguns anos, moramos em cidades distantes, mas é como se ela me conhecesse tão bem quanto minha família. Completamente independente e geniosa, ela é o tipo de mulher que se basta, alimenta um zelo muito especial pelo bem estar dela e do marido, mas é avessa as festividades e obrigações afetivas das famílias comuns. Sou deles uma espécie de amiga-passarinho, dessas que vive batendo as asas por aí, mas volta de tempos em tempos para cantar em suas árvores. E, sabe-se lá deus porque, mesmo eu sendo tão ausente, eles gostam de mim como se eu fosse parente.

Desliguei o telefone com o coração agradecido… Em momento algum ela falou ou me deixou falar sobre ela enquanto conversamos. Um ano de tratamento contra um câncer que a virou do avesso e ela parecia mais preocupada com a minha solidão do que com a própria recuperação.

Fui até meu quarto, enchi o mochilão de viajante com as roupas mais leves que podia, fiquei na dúvida sobre quantos tênis eram necessários em uma peregrinação e empurrei o mais velho e o mais novo junto com as roupas, para que o zíper fechasse até o fim. Joguei tudo dentro do carro, programei o GPS para ir de São Paulo a Barra do Jucu, na cidade de Vila Velha no Espírito Santo e uma sensação arregaçadora de medo me fez abraçar o volante e pensar em desistir.

E se eu batesse o carro? E se batessem no meu carro? E se eu morresse no meio da viagem? E se eu não aguentasse andar tanto e todos os dias? E se eu ficasse muito triste e não quisesse nem sair da pousada? E se eu estivesse errada e caminhar durante todo o trajeto da peregrinação fosse o mesmo que andar quatro horas seguidas em uma esteira automática? E se eu realmente estivesse fugindo? E se tudo isso fosse porque não consigo me livrar da culpa que sinto pelo fim da relação com o Wil? E se nada do que eu fizesse me desse a coragem necessária para encontrar um pouco de paz?

Um turbilhão de perguntas ruins invadiu minha cabeça, mas lembrei novamente da Alice, com seu cabelo raspadinho crescendo e a fazendo sorrir o dobro do que a fez chorar durante o ano que findava. Eu juro que sai de São Paulo sem fazer a menor ideia do que estava indo buscar em uma peregrinação, mas ali naquele momento dentro do carro, o que me fez dar a partida e seguir em frente foi uma única certeza…

Era dia 24 de dezembro e eu podia não ter coragem suficiente para ligar o carro e ir até o Espírito Santo, mas tinha para ir até o Rio de Janeiro, dar um beijo na careca abençoada da minha amiga e agradecer por ela estar viva e eu poder passar mais um Natal ao seu lado.

Não precisei reprogramar o GPS, a ida até a casa dela era familiar, mesmo que distante. Dei a partida, pisei levemente no acelerador e segui em frente. No mesmo instante, meu medo parou de me assombrar, sentou no banco do passageiro e colocou o cinto de segurança. Viajamos sem trocar nenhuma palavra… Pelo menos enquanto estivemos no Rio de Janeiro.

Continua… Aqui ó.



Escrito pela Alê Félix
10, janeiro, 2012
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Eu gosto de você. Gosto num quase amor, num quase desejo, num quase desespero pelo encaixe dos seus braços. Gosto feito oração a espera de que tudo o que for “quase”, desapareça da frase. Eu gosto de você… Fico engasgada a maior parte do tempo tentando ser clara, mesmo estando de olhos fechados, mesmo sem saber se o que eu quero daqui é o mesmo que se quer daí. E você sempre parece que não entende os meus porquês e eu, mesmo sem saber, explico tudo até pra mim mesma. Teve alguma coisa nesse seu jeito de olhar que me prendeu desde o primeiro instante, sabe? Algo que me dispara frios na barriga, te despe a distância, me deixa nua, me faz sua. Algo que me faz contar os segundos, atropelar as vontades diante do seu silêncio e cócegas toda vez que você sorri. Um troço gostoso que me faz traçar planos para roubá-lo pra mim, com ou sem o seu sim. Não sei direito como, mas fui lendo, lendo, te vendo e te querendo a galopes do corpo aos pensamentos. E você me fez dizer oi, me desfaz em silêncios, me faz gostar em guerra, ligar em paz, brincar de esconde-esconde, desejar cantando, desejar que viesse, desejar que ficasse. E me faz pensar um pouco de tudo sem me dar quase nada além de vontade, a vontade que me devolve o sentido e os sentidos. E engoliu meu tempo, todo o meu discernimento e ainda me faz implorar todos os dias para que venha pra cá, acalme de vez esse meu coração e o torne doce ou o aperte bem esmagadinho, jogue no lixo e no mundo sem paixão que eu estava antes de te conhecer. Sabe quando você disse e “todo mundo vai te magoar, resta saber por quem vai valer a pena sofrer”? Vem me fazer sofrer vem… Eu quero. E me prometo sem palavras e só com um pouquinho de segredo.

Pra não perder as palavras de vista… www.facebook.com/alessandrafelix



Escrito pela Alê Félix
9, dezembro, 2011
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Ontem inventei de testar algumas redes sociais de voz e acordei com tanta saudade de mar que perdi um pouco do bom senso, entrando no chuveiro e… Espera. Tá com o som ligado aí? Melhor abaixar, que é pra não assustar os vizinhos… Que tal uns fones de ouvido? Tem aí? Que bom… Mas ó, não vale me zoar muito, tá? Eu sei que é dar muito mole pra vocês sentirem vergonha alheia, eu sei… Mas, enfim… A foto do “mico número 1” tá pequenininha, mas é linda. Foi tirada em um dia bom em Paraty, eu mesma que bati. A do “mico número 2” também é a coisa mais linda, mais cheia de graça… Fez ele realmente parecer estar aqui.

No mais, aperte o play e se prepare para perder dois minutos da sua vida, preso comigo no banheiro. E me perdoa a intimidade, mas…

Mico número 1.

Ouviu? Pois é… Aí, não satisfeita com o papelón da minha chuveirada matutina, a noite, fui parar na banheira… Na banheira com o Vinícius! E até que foi bom pra mim, sabe? O final ficou meio ruim, mas o papo com ele foi tão bom que decidi voltar a me divertir mais vezes na minha banheira…

Mico número 2.

Ok, ok… Também estou com vergonha de mim. Mas pelo menos ainda posso aprender a fazer isso direito, ter aulas, sair do banheiro e virar uma estrela do rock, tá? Se até o Axl Rose e a Paula Toller aprenderam, eu também posso! :-b



Escrito pela Alê Félix
23, novembro, 2011
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