Viajo daqui a pouco, não planejei nada, não falo nada de espanhol, não tenho data pra voltar, tô indo sem reservas, sem fazer a menor idéia do que há para ser visto, sem ter estudado o melhor percurso que farei chegando na Venezuela e seguindo em direção a Colômbia, Equador, Bolivia e Peru. Não sei onde estarei no Natal e muito menos no Ano Novo. Só sei que tenho uma passagem de ida para Caracas, saindo de Guarulhos hoje a meia noite. Tenho meus poucos quinhentos dólares na carteira e um tênis que custou quase isso e que eu espero que me ajude no folego que me falta. Vou de mochilão, vou atravessar os países de onibus apesar das recomendações, vou dançando salsa, vencendo meus medos da solidão, testando meus limites, escrevendo e fotografando. Voltarei pra cá sempre que der. Fui.



Escrito pela Alê Félix
15, dezembro, 2007
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Na tentativa de me organizar para a viagem “Che de vestidinho”, acabo ouvindo dos meus queridos…

Inagaki: Deixa ver se eu entendi… A senhorita pretende ir para a Venezuela e voltar de lá atravessando a América do Sul por terra!? Sair de Caracas e entrar na Colômbia de ônibus? Ok, serei com prazer o mediador da comunidade Free Alê Félix!

Henrique, meu irmão: Já ouviu falar das Farc, cabeçuda!? Mil vezes pior do que a Gaviões xingando juiz, sua louca!
Minha mãe: Eu vou junto!

Meu pai: Mande lembranças para a Ingrid.

Melhor amiga: E as festas!? Quem vai organizar a festa do descarte!?

Tiazinha que me aplicou a vacina contra febre amarela: Venezuela e Colômbia…? Sei… Tem certeza que tomará só a contra febre amarela?

Jaime – meu sócio – depois que eu perguntei que vacinas ele pensaria em tomar se tivesse que ir pro meio da selva: Contra azar. Mas essa evitaria a ida para o meio da selva.

Jaime, temendo o pior: Hepatite A e B, Tétano, Difteria Febre Tifóide e Pólio, são as que tem vacina. Para malária, tem remédios que você toma antes e depois da exposição (antes e depois da viagem).

Wil, amor da minha vida: Não deu pra resistir, dona mochileira perua.

Meu Ex-maridón: Claro que a vacina fez efeito! Não tem como ser febre amarela se você tomou a vacina, criatura! Dorme que passa.

Ai… Passando mal da vacina. Se não é febre amarela, será que é medo das Farc? 🙁



Escrito pela Alê Félix
6, dezembro, 2007
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Mais um! Tem gente que não gosta, eu dou graças a deus. Não por achar que viver seja grande coisa, mas porque morrer tem cara de ser uma grande chatice. Além do mais, levando em consideração meu estilo de vida, um ano a mais é sempre jackpot. Tudo bem que o sensitivo-vidente-da-marcia disse que vou passar dos oitenta com saúde e tal, mas na dúvida eu agradeço. E espero que realmente dê pra encher meu cérebro de chás quando os oitenta passarem. Porque se é pra enfrentar a chatice – como diria o Beto – que seja no astral. Até lá esperarei munida da droga da minha consciência. Depois, que venham os chás.
Acordei sozinha com o misturado de silêncio da casa vazia e o cantarolar diário dos pássaros que se entulham no pé de mangueira aqui no fundão de casa. Acho que é o primeiro aniversário que acordo sem ninguém em casa, sem barulhos de pessoas. Nessa época do ano as mangas já estão para madurar e a árvore vira um bandejão com direito as estridências dos periquitos e a rapidez dos passarécos cor de paulista que comem muito mais do que cantam. É bom viver aqui… Devo isso ao Rube e a Flor.
Agora tenho um jardim embaixo da mangueira. Coloquei grama, jasmim cheirosão, um canteiro de flores pra separar a Variant zoada do mecânico da minha maquete verde. Acordo cedo pra ir ao Ceasa comprar flores… Quase não me reconheço. Interrompo o cansaço dos finais de tarde para alimentá-las, cuidar da folhagem e limpar o quintal. Cheguei semana passada do Rio de Janeiro e dei uma olhada nele aqui do alto da varanda. Como sou míope e me recuso a usar óculos, vi uns troços brancos no jasmim e desci para conferir. Umas cinco flores escancaradas e gotejadas de chuvisco fizeram valer todo o cuidado. Um cheiro absurdamente bom… Cheiro que acalma o espirito, sabe? Ridículo ter chorado só porque o pé de jasmim floriu. Parece coisa de mulherzinha, eu sei… Mas lembrem-se que até pouco tempo eu só gostava de “terra” quando se tratava de bem adquirido. Jamais pensei que meteria minhas mãos em pacotes adubados cheios de minhoca e me emocionaria espalhando sementes e esperando suas transformações de natureza. Eu tinha alergia a natureza! Até ano passado (lembrem-se!) eu era a senhora dos cactos, nunca havia cuidado de nada. Tudo bem que tive a Aruska quando era criança, mas ela era a dobermann da família e a família era grande demais pra eu cuidar de outro ser que não fosse eu mesma. Aruska era linda… E passional, feito todos naquela casa. Menos eu, talvez. Sou louca de fachada, sou muitas coisas de fachada. Tanto que nem deveriam me levar tão a sério, não quando pareço um dobermann. Até porque – segundo o Ronaldo – não somos dobermanns nem florzinhas, somos elefantes. Agora você pode rir e fazer um paralelo com o tamanho do bicho e a minha bunda. É natural que o faça e é uma boa semelhança. Vá fundo. Mas um dia você vai ouvir falar da alma dos elefantes e, talvez, à partir dai tenha uma vaga idéia sobre a minha… Bunda! (Mó legal escrever do jeito da Ilana… risos para Ane)
Mas deixemos a alma e a bunda de lado. A minha e a do Ronaldo… Aquele meu menino do sul que amo tanto, respeito tanto, quero tão bem. Porque cada dia que passa tenho mais e mais dificuldade para respeitar idéias, instituições e pessoas. Não tá dando pra respeitar gente sem jogo de cintura, não tenho como respeitar pessoas cagonas da vida, tô cansada de papinho. Prefiro ler do que me cercar desse tipo de história. E eu detesto ler! Perco tudo que acontece a minha volta e isso me irrita profundamente quando o livro me cansa.
Para minha sorte ando apaixonada da vida. Sabia que o que eu precisava era de amizades, de turmas boas. Gabi dizia isso e ela tinha razão. Sentia muita falta de amigos que estivessem vivendo um momento parecido com o meu, que driblassem bem suas crueldades e gentilezas, que topassem cair no mundo sempre que fosse possível e sem os medinhos sociais que povoam nossos dias. Só preciso de gente, só preciso de gente que me faça rir, crer, pensar e gozar. Já havia dito isso antes… Sou uma repetitiva, chata e cansativa, essa é a verdade. E falo e escrevo demais. Isso aqui ainda vai longe, tenha paciência ou desista agora. Também preciso de dinheiro, mas isso eu dou um jeito. Gente não, gente requer encontro e encontro bom é bichinho de deus.
Tem uns quinze dias que dei um chutão no meu inferno astral e me mandei pro Rio. Ah, o Rio de Janeiro… E aquele povo. Puta que o pariu de lugar abençoado, de gente engraçada, leve… Adoro até o humor rabugento do dono do apartamento que alugamos e que simplesmente ignora a existência e presença de paulistas. Adoro Ane e Sergio. Adoro samba apesar dos meus dedinhos dançantes. Adoro aquele caldeirão de prostituições (e não me refiro somente as putas) estendido sobre o calçadão de Copacabana. Adoro o Zander! Quem diria? E sinto saudade do Rogério e do Ramón quando vou pra lá… De um, mais do que do outro e de nenhum dos dois tanto assim, mas sinto.
Depois do Rio fui lá pra Porto Alegre. Rogério B foi presente de Ane, amor a primeira vista, intensivão de papo-furado, histórias da porra da vida amorosa catastrótica que cultivamos, amigos para sempre como se fossemos cantores de ópera ou sertanejos. Fazia tempo que não me divertia tanto. Logo com ele, que no dia seguinte já se dizia cansado de tanta felicidade. 🙂 Ah! Jordano é um dos caras mais engraçados que já conheci, obrigada por ele.
Rube, ex-maridón, acabou de ligar… Dá pra acreditar que não me deu os parabéns? Treze anos de esquecimentos… Ele tem sorte de ter minha memória de elefante à disposição. Daqui a pouco ele vai tocar a campainha, me dar um beijo no topo da cabeça, perguntar se está tudo bem, abrir a geladeira, tomar um litro de suco de caixinha e mexer nos computadores. Alguém ligará para me dar os parabéns, ele não perceberá o meu tanto de “ah, obrigada!” e só lá para o final do dia cairá a ficha da porra do dia. Graças a deus não somos mais casados, graças a deus fizemos as pazes… Odeio ficar brigada com ele. É como se me roubassem um téco da carne. Nosso casamento foi uma enriquecedora tragédia, acabou depois de muito tentarmos e até a semana retrasada eu ainda estava muito triste com os arrastados problemas resultantes da separação. Mas ele ainda é uma das minhas melhores companhias e espero – quase suplicante – que nunca deixe de ser. Não dá pra amar menos alguém que já arrastou carrinhos e carrinhos de lixo junto comigo.
A Anete vai pra Miami amanhã e ligou dizendo que já que eu estarei em Caracas no aniversário dela, tanto faz se ela não estiver aqui no meu (ela acha que só é minha amiga-passarinho há vinte anos porque é tão cretina quanto eu, mas é só porque gostamos uma da outra exatamente por sermos as vacas que somos).
Soube novamente que o Candy morreu e a Faby escreveu querendo saber onde vamos comemorar… Meu aniversário, não a morte do Candy. Se ela o tivesse conhecido teriamos chorado o mesmo tanto. Caralho… O Candy conseguiu. Fabi e Kk estão bem e ver os dois juntos é felicidade minha tanto quanto a deles.
Tô deitada na cama, notebook no colo, abri a janela pra ouvir melhor… Amaldiçoei o pedreiro da construção ao lado que não pára de martelar a laje. Hoje, curiosamente, a pianista toca com vozes que a acompanham “é preciso saber viver, é preciso saber viver…”. Engraçado. Parei até de amaldiçoar as marteladas. Ele só está fazendo o trabalho dele.
Wil ainda não deu sinal de vida e talvez não devesse dar. Wil está acima, Wil é amor sublime. Mesmo quando distante, ele está ao lado. Meu anjo sem asas, minha pessoa, minha corda.
A Céza acabou de bater na porta, me deu um de seus abraços timidos e está preparando um bolo escondido de mim. Como é que faço pra viver sem essa menina pra cuidar do meu caos, meu deus?
Sergio P. me deu beijo de boa noite, Camila deixou testemunho, Maria me acordou com puxão de telefone. Ela tem um filho simpaticão que também faz aniversário hoje e que não a deixa esquecer de mim. Saudade do Rogério… No aniversário dele, no começo desse ano, mandei um e-mail retomando a paz entre nossos genios dificeis. Mas ele não retribuirá o presente e também não quero que o faça. Não pra me tacar na cara tudo o que eu já sei e mais um pouco do que tenho sentido, sem ao menos tentar se colocar no meu lugar. Rir, crer, pensar e gozar… Não é fácil encontrar pessoas que façam bem, três das minhas quatro possibilidades. Mesmo com tantos pontos finais foi uma boa história. Mesmo com aquela minha frase escrita em um guardanapo misturado com café e ressaca num bar em Porto Alegre e rasgado pelos meus amigos queridos “Até quando me punirá com silêncio e saudades como se eu os merecesse mais do que você?”. Agora, espero que para sempre. História encerrada. Parece que limpei o raio do guardanapo na memória, mas tive a sorte de ser afagada por quem realmente me quer bem. Não quero mais nada nessa vida que não me faça bem… Embora eu também gostasse de você.
A Céza ligou o rádio pra ignorar melhor o pintor que se esforça para impressioná-la e – quem sabe um dia – comê-la “Posso te falar dos sonhos, das flores, de como a cidade mudou. Posso te falar do medo, do meu desejo, do meu amor… Gosto de fechar os olhos, fugir no tempo, de me perder. Posso até perder a hora, mas sei que já passou das seis… Pra brilhar, por onde você for, me queira bem… durma bem, meu amor.”. Bonitinha essa canção da Ivete, não conhecia.
Ontem tirei o passaporte, hoje estou virando mais um ano de vida e daqui unz quinze dias tô indo pra Venezuela com passagem só de ida e com a idéia fixa de fazer o caminho inverso do Che. Sim, o Guevara. Não sei se vai dar certo… Mas não queria perder minhas milhas, queria ir pra um lugar que eu não iria se tivesse que pagar e fosse o mais longe possível. Além do que: a) país “socialista” deve ser interessante ver de perto. b) Hugo Chaves me faz repensar a agressividade burra e desmedida da minha própria lingua. c) Atravessar o país pela Colômbia me parecia tão perigoso quanto ter me enfiado no meio da Gaviões da Fiel naquele jogo contra o River que acabou em pancadaria, cu na mão, gás de pimenta e uma história cheia de caretas que meu irmão ainda hoje conta se divertindo as minhas custas.
Acho que vou arrumar o fundão e fazer um nhoque da sorte para quem vier… Não espere ser chamado, quem vier recebe sorriso e braço aberto. O Ju sabe que é assim. Num dia comum tem suco, num dia bom tem cerveja, nos dias de muro das lamentações tem refrigerante e cadeiras ao sol. Hoje terá nhoque da sorte, todo dia tem a porta aberta.
Campainha… Peraê, já venho…
É o Rube. Trouxe presente, trouxe um trevo da sorte pra gente plantar lá no jardim, trouxe memórias. Volto depois. 🙂



Escrito pela Alê Félix
29, novembro, 2007
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Tô desde a semana passada aqui em Porto Alegre, indo agora para Curitiba e levando um montão de saudade desses meus queridos daqui. Quando eu chegar em São Paulo – se a minha memória não entrar em colapso novamente – escrevo um pouco mais sobre esse lugar e essas pessoas que me fazem caminhar na chuva e ter prazer por horas e horas. Não, nem tô falando de sexo, suas bestas quadradas. 🙂 Falando de amizade, falando de amores sublimes. Depois eu conto… Fui.



Escrito pela Alê Félix
26, novembro, 2007
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O que há comigo? O que há aqui dentro e o que aparento? O que tanto vêem de errado em mim? Queria um espelho bem grande… Não, não queria não. Queria sim. Queria um que não me deixasse sair na rua vestida do caráter que tenho sido vista. Não, não queria não…
Sempre achei que eu pensava o suficiente para não me transformar em alguém desprezível, agora acho que a única coisa que tenho feito é olhar pra fora. Ainda assim, parece que nem isso fiz direito.
De todos os dias que acordei confusa, hoje deve ser o pior deles. Não faço mais a menor idéia de quem eu sou. Achava que sabia. Achava que podia oferecer um algo mais que minha casca metida a engraçadinha, achava que havia um bom momento de silêncio nesse meu universo de boca pra fora e que podia oferecê-lo só para quem eu escolhesse, para quem bem eu entendesse. Muito pior quando escolho…
Ultimamente tenho falado, pensado, julgado e rido de tudo que não tem a menor graça. Ultimamente? Era só fuga, era só minha pirralha interior querendo colo e atenção. Mas quem é que enxerga? Quem é que arriscaria tocar num bicho arisco que bate antes de dizer o nome? Pirralhas são chatas… E é uma grande merda essa mania de querer que alguém veja o que escondo. Depois digo que não sei porque tantas relações de gatos e ratos, depois me acabo tentando salvar histórias perdidas. E as construo cada vez menos…
Talvez, eu nunca tenha entendido nada, nunca tenha visto nada como realmente é. Talvez eu tenha me cercado das pessoas iguais, das que estão tão perdidas quanto, das que alimentam as superficies, das que vão me proteger sem se questionar e sem me questionar. Não sei… Talvez eu realmente não me enxergue, tenha medo do que posso ver e – embora me sinta atraída por espelhos – parece que dediquei minha vida a quebrá-los.



Escrito pela Alê Félix
21, novembro, 2007
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Sonhei com seus filhos ontem a noite… E é provável que eles estejam a caminho. Eles brincavam na beira do mar enquanto conversávamos nas areias da sua cidade. Sua cidade… Eu tenho razão quando digo que ela é mais minha do que sua. Você não é de lá, não é de cá e, embora não admita, do meio do caminho certamente é. Ela é minha porque me abraça, é sua porque desprendeu-se de você. Ela te abandona, mas me conta sobre seus filhos… Maldita, bem dita.
Lá na praia… Brincando com baldinhos enquanto você dizia minhas culpas e eu segurava as borboletas e lágrimas das nossas tentativas erradas. Era lá que eles estavam… E eram seus, e em breve você os reconhecerá, os abraçará e não sobrará nada além do adeus que precisávamos. Chega de cartas, de histórias feitas com palavras e de paixões com crueldades. Segure seu leme e seja feliz nos mares dos amores desapaixonados. Olhando da areia, sem nenhum traço de ciúme mas com uma perturbadora tristeza, me pareceu um bom lugar. Cuide bem deles. E quando eles crescerem… Não, dessa vez, que seja para sempre sem deixar pegadas na areia. Prometo, prometa-me.



Escrito pela Alê Félix
20, novembro, 2007
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“Há uma liberdade dentro, há uma liberdade fora…
Tentando alcançar o dilúvio com um copo de papel
Lá está uma batalha adiante, muitas batalhas são perdidas
Mas você nunca verá o fim da estrada
Enquanto estiver viajando comigo.
Se liga, se liga
Não sonhe, acabou”
.
Todas, juro que todas as vezes que cheguei no Rio de Janeiro ouvindo músicas de rádio, assim que desabei diante da cidade ouvi Don’t Dream It’s Over de Crowded House. Só dessa vez, ouvi o que ela queria me dizer.



Escrito pela Alê Félix
19, novembro, 2007
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Eu devia ter uns quinze anos e estava completamente apaixonada por um punk vestido de roupinhas pontiagudas e cabelo de índio de cinema. Homens… Sempre me ferrei! Não reparem, ando triste com a espécie. É possível que eu fale mal deles nos próximos posts. Bem mal, tá?
Mas então… Aquele aborígene só precisava de um bom banho, máquina dois, vergonha na cara e da Super Nani. Mas, na falta dessas coisas, decidiu se converter ao movimento punk e parar de me ver.
Problemática que sou, achei logo que a culpa era minha, que eu devia ter feito algo errado ou dito alguma bobagem que ele não gostou. Fui procurar o cidadão e o encontrei cercado de uma tribo. Me viu, virou de lado, continuou conversando, fingiu que não me conhecia. Voltei chorando pra casa, escrevi uma carta e joguei por cima do portão. Ele não respondeu… E passou um dia, dois, três, quatro… e eu nunca suportei ver o silêncio e o tempo agindo sozinhos.
Fui até o guarda-roupa, peguei uma calça jeans, tesoura e minha única camiseta preta. Rasguei e desfiei tudo. Vesti, olhei no espelho e achei que ainda faltava algo… Doeu, levou alguns minutos, mas passei a tesoura na cabeleira longa e deixei um pouco abaixo das orelhas. Tentei arrepiar com gel, não ficava… Liso demais. Tentei de tudo e o tempo só passando, passando, quando… “Vou colori-lo!”. Eu devia ter pensado num jeito decente de fazer isso, mas usei guache e cola tenaz. No final da história eu parecia mais um trabalho escolar do que uma adolescente rebelde, mas fui pra rua mesmo assim.
Até hoje acho que muitos vizinhos não me reconheceram porque, mesmo aqueles que me conheciam, desviavam a cabeça. Não liguei. Segui até a casa dele, ninguém atendeu, fui até o local onde a tribo se reunia e…
– O que você fez!?
Morri de vergonha. Ele parecia perplexo, os amigos riram…
– Fiz você falar comigo.
Depois disso, lembro que a gente brigou, ele disse que se afastou porque eu merecia coisa melhor, porque ele não era bom o suficiente, porque eu tinha futuro, precisava de um cara certinho e blá, blá, blá… O convenci de que eu era tão imprestável quanto ele e namoramos mais alguns meses com a condição de que ele ia ter que engolir uma namorada com roupas inteiras e cabelos penteados e que eu me esforçaria para não dizer aos amigos dele que o que eles precisavam era de chineladas paternas.
Foi uma das melhores épocas da minha vida. Hoje em dia ele é dono de uma softhouse no Canadá, maridão de uma moça linda e cabeluda, pai de duas meninas encantadoras… Sempre foi um cara certinho.
Nós? Falamos por e-mail sempre que é dia da árvore… É sério! O guache e a cola do cabelo não saiam de jeito nenhum, virou uma lambança, usei até água raz batida com babosa e óleo de amendoa, mas nada fez ele voltar ao normal. Quando me dava conta do estrago, eu chorava e ele dizia que cabelos eram como árvores… Foi o suficiente pra elegermos uma data especial, mantermos o carinho, lembrarmos das maluquices da adolescência e do cabelo bom que um dia eu tive.
Falando em cabelos, o que você acha de passar 5 dias num Spa do hotel Hyatt?



Escrito pela Alê Félix
8, novembro, 2007
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